Art.
2 — Se o poder judiciário convém a Cristo enquanto homem.
O segundo discute-se assim. — Parece que
o poder judiciário não convém a Cristo enquanto homem.
1. — Pois, diz Agostinho, que o juízo é atribuído ao Filho, enquanto a
lei primeira da verdade. Ora, isto é próprio de Cristo, como Deus. Logo, o
poder judiciário não convém a Cristo, enquanto homem, mas enquanto Deus.
2. Demais. — Ao poder judiciário pertence
premiar os que procedem bem, assim como punir os maus. Ora, o prémio das boas
obras é a beatitude eterna, só dada por Deus. Assim, diz Agostinho, que
pela participação de Deus, e não pela de nenhuma alma santa, é que a alma se
torna feliz. Logo, parece que o poder judiciário não compete a Cristo,
enquanto homem, mas enquanto Deus.
3. Demais. — Ao poder judiciário de
Cristo pertence o poder de julgar as cogitações ocultas dos corações, segundo o
Apóstolo: Não julgueis antes do tempo,
até que venha o Senhor, o qual não só porá às claras o que se acha escondido
nas mais profundas trevas, mas descobrirá ainda o que há de mais secreto nos
corações. Ora, isso só ao poder divino pertence, conforme a Escritura: Depravado é o coração de todos e
impenetrável: quem o conhecerá? Eu sou o Senhor, que esquadrinha o coração e
que sondo os afectos, que dou a cada um segundo o seu caminho. Logo, o
poder judiciário não convém a Cristo, enquanto homem, mas enquanto Deus.
Mas, em contrário: o Evangelho: Deu-lhe o poder de exercitar o juízo porque
é Filho do homem.
Crisóstomo parece ser de
opinião que o poder judiciário não convém a Cristo enquanto homem, mas só
enquanto Deus. E por isso expõe assim o lugar citado de João: Deu-lhe o poder de exercitar o juízo, Nem
vos admireis disso, pois, é o Filho de Deus. Assim, não recebeu o exercício do
juízo por ser homem; mas por ser o Filho do Deus inefável, por isso é juiz.
Como, porém, exceda tudo o que dizia à capacidade humana, por isso o Evangelho
resolve a dificuldade dizendo: Não vos
admireis, ser Filho do homem, pois esse mesmo é também Filho de Deus. E
isso o prova pelo efeito da ressurreição, e acrescenta: Porque veio à hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a
voz de Deus.
Devemos, porém, notar que, embora em
Deus resida a autoridade primeira de julgar, contudo comete aos homens o poder
judiciário relativamente dos que lhes estão sujeitos à jurisdição. Donde o
dizer a Escritura: Julgai o que for justo;
acrescentando depois - Porque é o juízo
de Deus, isto é, pela autoridade dele é que julgais. Ora, como dissemos,
Cristo, mesmo na sua natureza humana, é a cabeça de toda a Igreja, pois debaixo
de seus pés Deus sujeitou todas as coisas. Por isso lhe pertence, mesmo
enquanto homem exercer o poder judiciário. Donde o dizer Agostinho, que o lugar
citado do Evangelho deve ser entendido como significando: Deu-lhe o poder de proferir juízo, por ser o Filho do Homem. Não certamente
pela condição da natureza humana, porque então todos os homens teriam tal poder
como objecta Crisóstomo, mas por lhe
pertencer como graça de chefe que Cristo como homem recebeu.
Deste modo cabe, pois, a Cristo,
enquanto homem, o poder judiciário, por três razões. — Primeiro, pela sua união
e afinidade com os homens. Pois, assim como Deus obra, por causas mediatárias,
como as mais próximas dos efeitos, assim julga os homens por meio de Cristo
homem, para se lhes tornar o juízo mais suave. Donde o dizer o Apóstolo: Não temos um pontífice que não possa
compadecer-se das nossas enfermidades, mas que foi tentado em todas as coisas à
nossa semelhança, exceto o pecado. Cheguemo-nos, pois, confiadamente ao trono
da graça. — Segundo, porque no juízo
final, como ensina Agostinho, haverá
a ressurreição dos corpos dos mortos, que Deus ressuscitará mediante o Filho do
Homem; assim como peio mesmo Cristo ressuscita as almas, enquanto Filho de Deus.
— Terceiro, porque, como ensina Agostinho, era
justo que os que iam ser julgados vissem o juiz. Ora, iam ser julgados os
bons e os maus. Restava, pois, que no juízo a forma de servo se manifestasse
aos bons e aos maus, mas a forma de Deus fosse reservada só para os bons.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
O juízo deve ter na verdade a sua regra; mas ao homem conformado com a verdade
pertence julgar enquanto fazendo com ela uma só realidade, quase como a lei e a
justiça animada. Por isso, no mesmo lugar Agostinho aduz o passo do Apóstolo: O espiritual julga de todas as coisas.
Ora, a alma de Cristo, mais que as outras
criaturas, estava unida à verdade e dela cheia, segundo o Evangelho: Vimo-lo cheio de graça e de verdade. E,
assim sendo, à alma de Cristo sobretudo pertence julgar de todas as coisas.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Só Deus pode
tornar, pela sua participação; as almas bem-aventuradas. Mas, levar o homem à
bem-aventurança pode-o Cristo enquanto cabeça e autor da salvação deles,
segundo o Apóstolo: Havendo de levar
muitos filhos à glória, convinha consumasse pela paixão o autor da salvação
deles.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Conhecer as
cogitações ocultas dos corações e julgar delas essencialmente só Deus o pode;
mas pela refluência da divindade na alma de Cristo, pode também ele conter e
julgar os segredos do coração, como dissemos quando tratamos da ciência de
Cristo. Por isso diz o Apóstolo: No dia
em que Deus há de julgar as coisas ocultas dos homens por Jesus Cristo.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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