Art.
6 — Se a ascensão de Cristo é a causa da nossa salvação.
O sexto discute-se assim. — Parece que a
ascensão de Cristo não é a causa da nossa salvação.
1. — Pois, Cristo foi à causa da nossa
salvação, por a ter merecido. Ora, com a sua ascensão nada nos mereceu; porque
ela foi um prémio da sua exaltação, e não se identifica o mérito com o prémio
como não é a via idêntica ao seu termo. Logo, parece que a ascensão de Cristo
não é a causa da nossa salvação.
2. Demais. — Se a ascensão de Cristo
fosse a causa da nossa salvação, sê-lo-ia sobretudo porque a sua ascensão teria
sido a causa da nossa. Ora, a nossa ascensão mereceu-a com a sua Paixão,
conforme o Apóstolo: Temos confiança de
entrar no santuário pelo sangue de Cristo. Logo, parece que a ascensão de
Cristo não foi a causa da nossa salvação.
3. Demais. — Cristo conferiu-nos uma
salvação sempiterna conforme à Escritura: A
minha salvação será para sempre. Ora, Cristo não subiu ao céu a fim de nele
permanecer para sempre; pois, diz a Escritura: Assim como o vistes assunto ao céu, assim virá. E também refere que apareceu a muitos santos, em vários
lugares, depois da sua ascensão;
assim, a Paulo. Logo, parece que a sua ascensão não é a causa da nossa
salvação.
Mas, em contrário, o Evangelho: A vós convém-vos que eu vá, isto é que me
separe de vós pela ascensão.
A ascensão de Cristo é a
causa da nossa salvação, de dois modos: por nosso lado e por parte de Cristo.
Por nosso lado, porque a ascensão de Cristo eleva-nos o espírito para ele.
Pois, a sua ascensão, como dissemos, anima-nos, primeiro, a fé: depois, a
esperança; enfim, a caridade. Em quarto lugar, aumenta-nos a reverência para
com ele, por já não o considerarmos homem da terra, mas o Deus do céu, conforme
o diz o Apóstolo: Se houve tempo em que
conhecemos a Cristo segundo a carne - isto é, como mortal, tendo-o somente na
conta de homem, conforme o expõe a Glosa
- já agora o não conhecemos deste modo.
Por parte de Cristo, relativamente ao
que fez, subindo ao céu em bem da nossa salvação. Assim, primeiro, preparou-nos
o caminho para subirmos ao céu, conforme ele próprio o disse: Vou aparelhar-vos o lugar. E noutro
passo diz a Escritura: Subiu abrindo o
caminho adiante deles. Pois, sendo a nossa cabeça, hão de os membros
acompanhá-la para onde for. Daí o seu dito: Onde
eu estou estejais vós também. E como sinal disso, levou para o céu as almas
dos santos, que livrou do inferno, segundo a Escritura: Subindo Cristo ao alto, fez escrava a escravidão; porque os que foram
escravizados pelo diabo conduziu-os consigo ao céu, como para um lugar estranho
à natureza humana — felizes captivos, pois ganhou-os para si com a sua vitória.
— Segundo, porque assim como o pontífice
do Antigo Testamento entrava no santuário para interceder junto de Deus pelo
povo, assim também Cristo entrou no céu para interceder por nós, na frase
do Apóstolo. Pois a sua própria figura, de natureza humana, com que entrou no
céu, é de certo modo uma intercessão por nós; porquanto, o ter Deus exaltado a
natureza humana em Cristo leva-o também a ter misericórdia daqueles por quem o
Filho de Deus assumiu a natureza humana. - Terceiro para que, constituído quase
Deus e Senhor no trono celeste, nos conferisse assim aos homens os seus dons
divinos, segundo o Apóstolo: Subiu acima
de todos os céus para encher todas as causas - dos seus dons, segundo a
Glosa.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
A ascensão de Cristo é a causa da nossa salvação, não a modo de mérito, mas a
modo de eficiência, como dissemos acima a propósito da ressurreição.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A Paixão de Cristo
é a causa da nossa ascensão ao céu, propriamente falando, por nos livrar do
pecado que no-la impedia; e a modo de mérito. Mas a ascensão de Cristo é directamente
a causa da nossa ascensão, quase fazendo-a começar no nosso chefe, ao qual hão-de
os membros estar unidos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo, uma vez
subido ao céu, ganhou para si e para nós e perpétuamente o direito e a dignidade
à mansão celeste. E a essa dignidade não derroga o facto de às vezes e
excepcionalmente descer em corpo à terra, quer para mostrar-se a todos, como o
fará no juízo, quer para se mostrar a alguém especialmente, como a Paulo,
segundo o refere a Escritura. E para não crer ninguém que isso se deu, não,
estando Cristo presente corporalmente, mas apenas alguma aparência sua, o
contrário resulta do que diz o Apóstolo para confirmar a fé na ressurreição: ultimamente foi também visto de mim como de
um abortivo. Visão essa que não provaria a verdade da ressurreição, se não
fosse o seu verdadeiro corpo o visto por ele.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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