A
VOZ DO MAGISTÉRIO
Depois da morte de Herodes,
quando se dá o retorno da sagrada família a Nazaré, inicia-se o longo período
da vida oculta. Aquela que "acreditou no cumprimento das coisas que lhe
foram ditas da parte do Senhor" [i]
vive no dia-a-dia o conteúdo dessas palavras. O Filho a quem deu o nome de
Jesus está diariamente ao seu lado; assim, no contacto com Ele, usa certamente
este nome, o que não devia, aliás, causar estranheza a ninguém, tratando-se de
um nome que era usual, desde havia muito tempo, em Israel. Maria sabe, no
entanto, que aquele a quem foi posto o nome de Jesus, foi chamado pelo Anjo
"Filho do Altíssimo" [ii].
Maria sabe que o concebeu e deu à luz "sem ter conhecido homem", por
obra do Espírito Santo, com o poder do Altíssimo que sobre ela estendeu a sua
sombra [iii],
tal como nos tempos de Moisés e dos antepassados a nuvem velava a presença de
Deus [iv].
Maria sabe, portanto, que o Filho, por ela dado à luz virginalmente, é
precisamente aquele "Santo", "o Filho de Deus" de que lhe
havia falado o Anjo.
Durante os anos da vida
oculta de Jesus na casa de Nazaré, também a vida de Maria "está escondida
com Cristo em Deus" [v]
mediante a fé. A fé é, efectivamente, um contacto com o mistério de Deus. Maria
está constante e quotidianamente em contacto com o mistério inefável de Deus
que se fez homem, mistério que supera tudo aquilo que foi revelado na Antiga
Aliança. Desde o momento da Anunciação, a mente da Virgem-Mãe foi introduzida
na "novidade" radical de auto-revelação de Deus e tomou consciência
do mistério. Ela é a primeira daqueles "pequeninos" dos quais um dia
Jesus dirá: "Pai, ... escondeste estas coisas aos sábios e aos sagazes e
as revelaste aos pequeninos" [vi]. Na
verdade, "ninguém conhece o Filho senão o Pai" [vii].
Como poderá então Maria
"conhecer o Filho"? Certamente, não como o Pai o conhece; e no
entanto, ela é a primeira entre aqueles aos quais o Pai "o quis
revelar" [viii].
Se, porém, desde o momento da Anunciação lhe foi revelado o Filho, que apenas o
Pai conhece completamente, como Aquele que o gera no "hoje" eterno [ix],
então Maria, a Mãe, está em contacto com a verdade do seu Filho somente na fé e
mediante a fé! Portanto, é feliz porque "acreditou"; e acredita cada
dia, no meio de todas as provações e contrariedades do período da infância de
Jesus e, depois, durante os anos da sua vida oculta em Nazaré, quando ele
"lhes era submisso" [x]:
submisso a Maria e também a José, porque José, diante dos homens, fazia para
ele as vezes de pai; e era por isso que o Filho de Maria era tido pela gente do
lugar como "o filho do carpinteiro" [xi].
A Mãe daquele Filho, por
conseguinte, lembrando tudo quanto lhe tinha sido dito na Anunciação e nos
acontecimentos sucessivos, é portadora em si mesma da "novidade"
radical da fé: o início da Nova Aliança. Este é o início do Evangelho, isto é,
da boa nova e jubilosa nova. Não é difícil, porém, perceber naquele início um
particular aperto do coração, unido a uma espécie de "noite da fé" -
para usar as palavras de São João da Cruz - como que um "véu" através
do qual é forçoso aproximar-se do Invisível e viver na intimidade com o
mistério [xii].
Foi deste modo, efectivamente, que Maria, durante muitos anos, permaneceu na
intimidade com o mistério do seu Filho, e avançou no seu itinerário de fé, à
medida em que Jesus "crescia em sabedoria ... e graça, diante de Deus e
dos homens" [xiii].
Manifestava-se cada vez mais aos olhos dos homens a predilecção que Deus tinha
por ele. A primeira entre estas criaturas humanas admitidas à descoberta de
Cristo foi Maria que, com Ele e com José, vivia na mesma casa em Nazaré.
João
Paulo II (século XX). Carta encíclica Redemptoris Mater, 25-III-1987, n. 17.
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