Art.
4 — Se Cristo devia aparecer aos discípulos sob figura diferente.
O quarto discute-se assim. —
Parece que Cristo não devia aparecer aos discípulos sob uma figura diferente.
1. — Pois, não pode realmente aparecer
senão o que existe. Ora Cristo só tinha uma figura. Se, portanto, apareceu com
figura diferente a sua aparição não era real, mas fictícia. O que é
inadmissível, porque, como diz Agostinho, se
Cristo engana, não é a Verdade; ora Cristo é a Verdade. Logo, parece que
Cristo não devia aparecer aos discípulos sob uma figura diferente.
2. Demais. — Ninguém pode aparecer aos
outros com uma forma diferente da que tem salvo se os olhos dos que contemplam
forem iludidos com fantasmagorias. Ora, essas fantasmagorias sendo produto das
artes mágicas, não convinham a Cristo, segundo o Apóstolo: Que concórdia entre Cristo e Belial? Logo, parece que não devia
aparecer sob uma forma diferente.
3. Demais. — Assim como pela Sagrada
Escritura a nossa fé se certifica, assim os discípulos foram certificados na fé
da ressurreição de Cristo por meio das aparições. Ora, como diz Agostinho, uma só inverdade que contenha a Sagrada
Escritura infirma-lhe totalmente a autoridade. Se. portanto Cristo apareceu
aos discípulos uma só vez, sob forma diferente da sua, ficou confirmado tudo
quanto eles, depois da ressurreição, viram em Cristo. O que é inadmissível.
Logo, não lhes devia ter aparecido sob forma diferente.
Mas, em contrário, o Evangelho: Depois disto se mostrou em outra forma a
dois deles que iam caminhando para uma aldeia.
Como dissemos, a ressurreição
de Cristo devia manifestar-se aos homens do modo pelo qual as coisas divinas
lhes são reveladas. Ora, as coisas divinas são reveladas aos homens
diversamente, conforme as diversas disposições que eles apresentam. Assim, os
de mente bem disposta as percebem como verdadeiramente são. Os que, porém, são
desprovidos dessa disposição, percebem-nas com um misto de dúvidas e erros;
pois, como diz o Apóstolo, o homem animal
não percebe aquelas coisas que são do Espírito de Deus. Por isso Cristo a alguns
que, depois da ressurreição, estavam dispostos a crer manifestou-se-lhes com a
sua forma própria. Mas a outros apresentou-se com forma diversa, que já parecia
entibiarem na fé. Donde o dizer o Evangelho: Ora, nós esperávamos que ele fosse o que resgatasse Israel. E por
isso diz Gregório, que Cristo se lhes
manifestou corporalmente tal como eles pensavam que fosse. Senão, ser-lhes-ia ainda estranho aos corações, de fé tíbia,
fingiu que ia mais longe, isto é. como se fosse estrangeiro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Como diz Agostinho, nem tudo o que
fingimos é mentira, senão só quando fingimos o que nada significa. Não há,
pois, mentira, mas verdade figurada quando a nossa ficção significa alguma
coisa. De contrário, por mentiras se reputariam todas as expressões figuradas
usadas pelos sábios e varões santos, ou mesmo pelo Senhor, porque conforme o
uso corrente tais expressões não encerram nenhuma verdade. Ora, como os ditos,
também os factos podem ser fictícios, sem mentira, para significar alguma
realidade. E tal é o caso presente, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz
Agostinho, o Senhor podia transformar a
sua carne, de modo que exibisse figura realmente diferente daquela que
costumavam ver; assim como, antes da Paixão, transformou-se no monte, de
maneira que a face lhe resplandecia como o sol. Mas tal não se deu no caso
presente e talvez não repugnasse também acreditar que os olhos dos discípulos
fossem vítima da ilusão de Satã para impedi-los de reconhecer a Jesus. Daí
o referir o Evangelho, que os olhos deles
estavam como fechados, para o não reconhecerem.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A razão aduzida
colheria, se pelo aspecto de uma figura estranha os discípulos não tivessem
sido levados a contemplar a verdadeira figura de Cristo. Pois, como diz
Agostinho no mesmo lugar, que os olhos
deles estivessem iludidos do modo referido, Cristo não o permitiu senão até
a fracção do pão, ensinando-nos assim que o participar à unidade do seu corpo
tem o efeito de afastar todos os obstáculos suscitados pelo inimigo para nos
impedir de reconhecer Cristo. Por isso,
no mesmo lugar se acrescenta que, abriram-se-lhes
os olhos e o reconheceram; não que andassem antes com os olhos fechados,
mas se lhes interpunha um obstáculo que não lhes permitia reconhecer o que viam
efeito esse habitual da caligem de algum humor.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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