02/07/2017

Tratado da vida de Cristo 167

Questão 55: Da manifestação da ressurreição

Art. 3 — Se Cristo, depois da ressurreição devia conviver continuamente com os discípulos.

O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo, depois da ressurreição, devia conviver continuamente com os discípulos.

1. — Pois, apareceu aos discípulos depois da ressurreição para lhes dar a certeza dela e consolá-los na sua perturbação, segundo o Evangelho: Alegraram-se os discípulos de terem visto o Senhor. Ora, mais se teriam certificado e consolado se se tivesse logo manifestado a eles. Logo, parece que devia conviver continuamente com eles.

2. Demais. — Cristo ressuscitado dos mortos não subiu logo ao céu, só depois de quarenta dias, como se lê na Escritura. Ora, no tempo intermediário em nenhum outro lugar podia mais convenientemente estar que onde os seus discípulos estavam todos congregados. Logo, parece que devia conviver continuamente com eles.

3. Demais. — No domingo mesmo da Ressurreição Cristo apareceu cinco vezes, como lemos no Evangelho e o adverte Agostinho com as palavras seguintes. Primeiro, às mulheres no sepulcro; segundo, ainda a elas quando voltavam do sepulcro; terceiro, a Pedro; quarto, aos dois discípulos que iam a uma aldeia; quinto, a vários em Jerusalém, entre os quais não estava Tomás. Logo, parece que também nos outros dias, antes da sua ascensão, devia lhes aparecer, ao menos várias vezes por dia.

4. Demais. — O Senhor, antes da Paixão, disse aos discípulos. Depois que eu ressuscitar irei adiante de vós para a Galileia. O que também o anjo e o próprio Senhor disse às mulheres depois da ressurreição. E, contudo, foi antes visto por eles em Jerusalém; e no dia mesmo da ressurreição, como se disse; e também no oitavo dia como lemos no Evangelho. Logo, parece que não conviveu com os discípulos, de modo conveniente, depois da ressurreição.

Mas, em contrário, o Evangelho, diz que depois de oito dias é que Cristo apareceu aos discípulos. Logo, não conviveu com eles continuamente.

Duas coisas deviam ser manifestas aos discípulos concernentes à ressurreição de Cristo: a verdade da ressurreição e a glória do ressuscitado. Ora, para manifestar a verdade da ressurreição bastava que lhes aparecesse várias vezes falasse com eles familiarmente, comesse, bebesse e lhes oferecesse o corpo a tocar. Quanto à manifestar a sua glória de ressuscitado, não quis conviver com eles continuamente, como fizera antes, a fim de que não parecesse ter ressuscitado para a mesma vida que vivia antes. Por isso lhes disse: Isto é o que queriam dizer as palavras que eu vos dizia quando ainda estava convosco. Ora, então estava presente corporalmente; ao passo que antes estava presente não só corporalmente, mas ainda sob a aparência de um corpo mortal. Por isso Beda, expondo as palavras suprarreferidas diz: Quando ainda estava convosco, isto é, quando ainda tinha um corpo mortal, como o que ainda tendes. É verdade que então ressuscitou com a mesma carne, mas já não tinha a mesma mortalidade que eles.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — As frequentes aparições de Cristo bastavam para certificar os discípulos da verdade da ressurreição. Mas o conviver continuadamente com eles podia induzi-los em erro, se acreditassem ele ter ressuscitado para uma vida semelhante à que antes vivera. Quanto à consolação com a sua contínua presença, prometeu que a teriam na outra vida, consoante o Evangelho: Eu hei-de ver-vos de novo e o vosso coração ficará cheio de gozo; e o vosso gozo ninguém vo-lo tirará.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Se Cristo não conviveu continuamente com os discípulos não é porque pensasse que fosse mais conveniente estar alhures. Mas porque julgava mais conveniente para a instrução deles, não conviver continuamente com eles, pela razão já dada. Ignoramos, porém, em que lugares lhes apareceu corporalmente, nesse meio tempo, pois não no-lo refere a Escritura; demais, em todo lugar é o seu senhorio na mesma frase.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Se no primeiro dia apareceu mais frequentemente, foi porque os Apóstolos deviam ser advertidos por meio de sinais, de modo que desde o princípio tivessem fé na ressurreição. — Mas depois de a terem recebido, não era preciso que, já certificados, fossem instruídos com tão frequentes aparições. Por isso não lemos no Evangelho que lhes aparecesse depois do primeiro dia, senão cinco vezes. Pois, como diz Agostinho, depois das primeiras cincos aparições, apareceu-lhes pela sexta vez quando Tomás o viu; pela sétima, no mar de Tiberíades, na captura dos peixes; pela oitava, no monte da Galileia segundo Mateus; pela nona, como relata Marcos, numa última ceia, porque já não haveriam de conviver com ele na terra; pela décima, no próprio dia em que, não já na terra, mas elevado nas nuvens, quando subiu ao céu. Mas nem tudo o que fez está escrito, como o confessa João. Assim, pois, conviveu frequentemente com eles antes de ter subido aos céus. E isto tudo para a consolação deles. Por isso o Apóstolo diz: Foi visto por mais de quinhentos irmãos estando juntos; depois foi visto por Tiago. Mas dessas aparições não faz menção o Evangelho.

RESPOSTA À QUARTA. — Crisóstomo, expõe assim aquilo do Evangelho — Depois que eu ressuscitar irei adiante de vós para a Galileia.  Não vai, diz, a nenhuma região longínqua para se lhes manifestar; mas aparece-lhes mesmo no meio da sua nação e nos próprios lugares onde sempre convivera com eles. De modo que, assim, cressem que o crucificado foi o mesmo que ressuscitou. E diz que iria para a Galileia para se libertarem do temor dos judeus. Assim, pois, como diz Ambrósio, o Senhor anunciou aos discípulos que o veriam na Galileia, mas como o tremor os retinha encerrados no cenáculo, foi aí que primeiro se lhes mostrou. Nem por isso faltou ao cumprimento da promessa ao contrário, foi um cumprimento prematuro e misericordioso dela. Mas depois, quando já tinha a alma confortada, dirigiram-se para a Galileia. Podemos porem dizer igualmente que, tendo-se revelado a poucos no cenáculo, quis mostrar-se a muitos, na montanha. Pois, como adverte Eusébio, os dois evangelistas, Lucas e João, escrevem que Cristo apareceu em Jerusalém só aos onze. Mas os outros dois nos referem que ele foi para a Galileia: para se manifestar, não somente aos onze, mas ainda a todos os discípulos e irmãos, como o tinha ordenado o Anjo e o Salvador. O que também Paulo menciona, quando diz: Depois apareceu simultaneamente a mais de quinhentos irmãos. Mas a solução mais verdadeira é que primeiro foi visto uma ou duas vezes dos que estavam escondidos em Jerusalém, para consolação deles. Ao passo que na Galileia, não as oculta nem uma ou duas vezes se manifestou, mas ostentando toda a grandeza do seu poder, mostrando-se-lhes vivo, depois da Paixão, por muitos milagres, como o atesta Lucas nos Actos, ou, como quer Agostinho, o dito do anjo e do Senhor, que haveria de ir adiante deles para a Galileia deve ser tomado em sentido profético. Pois, essa espécie de transmigração, representada pela Galileia; dava-lhes a entender que os Apóstolos passariam a pregar do povo de Israel para os gentios. Aos quais não teriam ousado ensinar o Evangelho se o próprio Senhor não lhes tivesse preparado o caminho no coração dos homens. Tal o sentido das palavras do Evangelho: Eu irei adiante de vós para a Galileia; mas a palavra Galileia também significa revelação; e neste sentido podemos entender que Cristo não teria mais a forma de servo, mas a que o torna igual ao Pai e da qual prometem aos seus amigos fieis a participação. E que partiu para um lugar donde não se afastaria, vindo ter connosco, e partindo para o qual, não nos abandonaria. 

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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