Art.
3 — Se Cristo, depois da ressurreição devia conviver continuamente com os
discípulos.
O terceiro discute-se assim. —
Parece que Cristo, depois da ressurreição, devia conviver continuamente com os
discípulos.
1. — Pois, apareceu aos discípulos
depois da ressurreição para lhes dar a certeza dela e consolá-los na sua
perturbação, segundo o Evangelho: Alegraram-se
os discípulos de terem visto o Senhor. Ora, mais se teriam certificado e
consolado se se tivesse logo manifestado a eles. Logo, parece que devia
conviver continuamente com eles.
2. Demais. — Cristo ressuscitado dos
mortos não subiu logo ao céu, só depois de quarenta dias, como se lê na Escritura.
Ora, no tempo intermediário em nenhum outro lugar podia mais convenientemente
estar que onde os seus discípulos estavam todos congregados. Logo, parece que
devia conviver continuamente com eles.
3. Demais. — No domingo mesmo da
Ressurreição Cristo apareceu cinco vezes, como lemos no Evangelho e o adverte
Agostinho com as palavras seguintes. Primeiro,
às mulheres no sepulcro; segundo, ainda a elas quando voltavam do sepulcro;
terceiro, a Pedro; quarto, aos dois discípulos que iam a uma aldeia; quinto, a
vários em Jerusalém, entre os quais não estava Tomás. Logo, parece que
também nos outros dias, antes da sua ascensão, devia lhes aparecer, ao menos
várias vezes por dia.
4. Demais. — O Senhor, antes da Paixão,
disse aos discípulos. Depois que eu ressuscitar
irei adiante de vós para a Galileia. O que também o anjo e o próprio Senhor
disse às mulheres depois da ressurreição. E, contudo, foi antes visto por eles
em Jerusalém; e no dia mesmo da ressurreição, como se disse; e também no oitavo
dia como lemos no Evangelho. Logo, parece que não conviveu com os discípulos,
de modo conveniente, depois da ressurreição.
Mas, em contrário, o Evangelho, diz que
depois de oito dias é que Cristo apareceu aos discípulos. Logo, não conviveu
com eles continuamente.
Duas coisas deviam ser
manifestas aos discípulos concernentes à ressurreição de Cristo: a verdade
da ressurreição e a glória do ressuscitado. Ora, para manifestar a verdade da
ressurreição bastava que lhes aparecesse várias vezes falasse com eles
familiarmente, comesse, bebesse e lhes oferecesse o corpo a tocar. Quanto à
manifestar a sua glória de ressuscitado, não quis conviver com eles
continuamente, como fizera antes, a fim de que não parecesse ter ressuscitado
para a mesma vida que vivia antes. Por isso lhes disse: Isto é o que queriam dizer as palavras que eu vos dizia quando ainda
estava convosco. Ora, então estava presente corporalmente; ao passo que
antes estava presente não só corporalmente, mas ainda sob a aparência de um
corpo mortal. Por isso Beda, expondo as palavras suprarreferidas diz: Quando
ainda estava convosco, isto é, quando ainda tinha um corpo mortal, como o que
ainda tendes. É verdade que então ressuscitou com a mesma carne, mas já não
tinha a mesma mortalidade que eles.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
As frequentes aparições de Cristo bastavam para certificar os discípulos da
verdade da ressurreição. Mas o conviver continuadamente com eles podia induzi-los
em erro, se acreditassem ele ter ressuscitado para uma vida semelhante à que
antes vivera. Quanto à consolação com a sua contínua presença, prometeu que a teriam
na outra vida, consoante o Evangelho: Eu
hei-de ver-vos de novo e o vosso coração ficará cheio de gozo; e o vosso gozo
ninguém vo-lo tirará.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Se Cristo não
conviveu continuamente com os discípulos não é porque pensasse que fosse mais
conveniente estar alhures. Mas porque julgava mais conveniente para a instrução
deles, não conviver continuamente com eles, pela razão já dada. Ignoramos,
porém, em que lugares lhes apareceu corporalmente, nesse meio tempo, pois não
no-lo refere a Escritura; demais, em todo lugar é o seu senhorio na mesma
frase.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Se no primeiro
dia apareceu mais frequentemente, foi porque os Apóstolos deviam ser advertidos
por meio de sinais, de modo que desde o princípio tivessem fé na
ressurreição. — Mas depois de a terem recebido, não era preciso que,
já certificados, fossem instruídos com tão frequentes aparições. Por isso não lemos
no Evangelho que lhes aparecesse depois do primeiro dia, senão cinco vezes.
Pois, como diz Agostinho, depois das
primeiras cincos aparições, apareceu-lhes pela sexta vez quando Tomás o viu;
pela sétima, no mar de Tiberíades, na captura dos peixes; pela oitava, no monte da Galileia segundo Mateus;
pela nona, como relata Marcos, numa
última ceia, porque já não haveriam de conviver com ele na terra; pela
décima, no próprio dia em que, não já na terra, mas elevado nas nuvens, quando
subiu ao céu. Mas nem tudo o que fez está
escrito, como o confessa João. Assim, pois, conviveu frequentemente com
eles antes de ter subido aos céus. E isto tudo para a consolação deles. Por
isso o Apóstolo diz: Foi visto por mais
de quinhentos irmãos estando juntos; depois foi visto por Tiago. Mas dessas
aparições não faz menção o Evangelho.
RESPOSTA À QUARTA. — Crisóstomo, expõe assim
aquilo do Evangelho — Depois
que eu ressuscitar irei adiante de vós para a Galileia. Não vai, diz, a
nenhuma região longínqua para se lhes manifestar; mas aparece-lhes mesmo no
meio da sua nação e nos próprios lugares onde sempre convivera com eles. De
modo que, assim, cressem que o crucificado foi o mesmo que ressuscitou. E diz
que iria para a Galileia para se libertarem do temor dos judeus. Assim,
pois, como diz Ambrósio, o Senhor
anunciou aos discípulos que o veriam na Galileia, mas como o tremor os retinha
encerrados no cenáculo, foi aí que primeiro se lhes mostrou. Nem por isso
faltou ao cumprimento da promessa ao contrário, foi um cumprimento prematuro e
misericordioso dela. Mas depois, quando já tinha a alma confortada,
dirigiram-se para a Galileia. Podemos porem dizer igualmente que, tendo-se revelado
a poucos no cenáculo, quis mostrar-se a muitos, na montanha. Pois, como adverte
Eusébio, os dois evangelistas, Lucas e João, escrevem que Cristo apareceu em
Jerusalém só aos onze. Mas os outros dois nos referem que ele foi para a
Galileia: para se manifestar, não somente aos onze, mas ainda a todos os
discípulos e irmãos, como o tinha ordenado o Anjo e o Salvador. O que também
Paulo menciona, quando diz: Depois
apareceu simultaneamente a mais de quinhentos irmãos. Mas a solução mais
verdadeira é que primeiro foi visto uma ou duas vezes dos que estavam
escondidos em Jerusalém, para consolação deles. Ao passo que na Galileia, não
as oculta nem uma ou duas vezes se manifestou, mas ostentando toda a grandeza
do seu poder, mostrando-se-lhes vivo, depois da Paixão, por muitos milagres,
como o atesta Lucas nos Actos, ou, como quer Agostinho, o dito do anjo e do
Senhor, que haveria de ir adiante deles para a Galileia deve ser tomado em
sentido profético. Pois, essa espécie de transmigração, representada pela Galileia;
dava-lhes a entender que os Apóstolos passariam a pregar do povo de Israel para
os gentios. Aos quais não teriam ousado ensinar o Evangelho se o próprio Senhor
não lhes tivesse preparado o caminho no coração dos homens. Tal o sentido das
palavras do Evangelho: Eu irei adiante de
vós para a Galileia; mas a palavra Galileia também significa revelação; e
neste sentido podemos entender que Cristo não teria mais a forma de servo, mas
a que o torna igual ao Pai e da qual prometem aos seus amigos fieis a participação.
E que partiu para um lugar donde não se afastaria, vindo ter connosco, e
partindo para o qual, não nos abandonaria.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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