A voz dos santos
«Muitíssimo
dano, amadíssimos, nos causaram um homem e uma mulher; mas graças a Deus,
igualmente por um homem e uma mulher tudo foi restaurado. E com grandíssimo
aumento de graças. Porque o dom não foi como tinha sido o delito, mas a
grandeza do benefício excede o dano».
«Assim,
o prudentíssimo e clementíssimo Artífice não quebrou o que estava rachado,
antes o refez mais utilmente por todos os modos, formando um novo Adão a partir
do velho e trocando Eva por Maria».
«Certamente,
podia bastar Cristo, pois toda a nossa suficiência nos vem d’Ele; mas não era
bom para nós que o homem estivesse sozinho [i]. Muito mais conveniente era que ambos os sexos
participassem na nossa reparação, já que ambos contribuíram para a nossa
corrupção. Jesus Cristo Homem, é fiel e poderoso Mediador entre Deus e os
homens, mas os homens veneram n’Ele a majestade divina. N’Ele a humanidade
pareceria absorvida na divindade, não por a natureza humana já não ser tal, mas
por estar divinizada. D’Ele se canta a misericórdia, mas igualmente a justiça,
porque embora, pelo que sofreu, tenha aprendido a compaixão e a misericórdia [ii], tem simultaneamente o poder de juiz. Enfim, a exigência
do nosso Deus é como um fogo ardente, de modo que o pecador não temeria
chegar-se a Ele, com medo de morrer diante da sua presença, como se derrete a
cera?»
«Assim,
pois, a mulher bendita entre todas as mulheres não está a mais. Vê-se
claramente o papel que desempenha na obra da nossa reconciliação, porque
precisávamos de um mediador próximo deste Mediador e ninguém pode desempenhar
este ofício melhor que Maria. Eva tinha sido uma mediadora demasiado cruel, por
quem a serpente antiga infundiu no homem o veneno mortífero. Mas fiel é Maria,
que ofereceu aos homens e às mulheres o antídoto salvador. Eva foi instrumento
da tentação, Maria do perdão; aquela induziu a pecar, esta trouxe a redenção.
Que receio teria a fragilidade humana de se chegar a Maria? N’Ela nada é
austero, nada é terrível; tudo é suave, oferecendo a todos leite e lã».
«Estuda
com cuidado toda a história evangélica e se encontras em Maria algo de dureza,
de repreensão desabrida, ou algum sinal de indignação, ainda que leve, poderias
desconfiar e ter receio de te chegares a Ela. Mas se, pelo contrário, como
acontece de facto, descobres que tudo o que a Ela pertence está cheio de
piedade e de misericórdia, de mansidão e de graça, agradece-o ao Senhor que,
com a sua benigníssima misericórdia, providenciou para ti uma mediadora tão
maravilhosa, pois nada pode haver na Virgem que inspire temor. Ela fez-se toda
para todos; tornou-se devedora de sábios e de ignorantes, com imensíssimo amor.
A todos abre o regaço da misericórdia, para que todos recebam da sua plenitude:
o cativo redenção, o enfermo cura, o aflito consolo, o pecador perdão, o justo
graça, o anjo alegria; enfim, toda a Trindade recebe glória; e a própria Pessoa
do Filho recebe d’Ela a substância da carne humana, a fim de que não haja quem
se esconda da sua ternura».
São
Bernardo (século XII), Sermão no Domingo da oitava anterior à Assunção, 1-2.
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