18/06/2017

Tratado da vida de Cristo 165

Questão 55: Da manifestação da ressurreição

Em seguida devemos tratar da manifestação da ressurreição.
E nesta questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se a ressurreição de Cristo devia manifestar-se a todos.
Art. 2 — Se deviam os discípulos ver Cristo ressuscitar.
Art. 3 — Se Cristo, depois da ressurreição devia conviver continuamente com os discípulos.
Art. 4 — Se Cristo devia aparecer aos discípulos sob figura diferente.
Art. 5 — Se Cristo devia declarar com provas a verdade da sua ressurreição.
Art. 6 — Se as provas aduzidas por Cristo manifestaram suficientemente a verdade da sua ressurreição.

Art. 1 — Se a ressurreição de Cristo devia manifestar-se a todos.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a ressurreição de Cristo devia manifesta-se a todos.

1 — Pois, a um pecado público é devida uma pena pública, segundo ao Apóstolo: Aos que pecarem repreende-os diante de todos. Assim também a quem publicamente mereceu é devido um prémio público. Ora, a glória da ressurreição foi o prémio das humilhações da Paixão, como diz Agostinho. Logo, tendo a Paixão de Cristo sido manifesta a todos, pois publicamente a sofreu, parece que a glória da sua ressurreição também devia manifestar-se a todos.

2. Demais. — Assim como a Paixão de Cristo se ordenava à nossa salvação, assim também a sua ressurreição, conforme o Apóstolo: Ressuscitou para a nossa justificação. Ora, o respeitante à utilidade pública deve manifestar-se a todos. Logo, a ressurreição de Cristo devia manifestar-se a todos e não especialmente a alguns.

3. Demais. — Aqueles a quem se manifestou a ressurreição de Cristo foram testemunhas da ressurreição, conforme a Escritura: A quem Deus ressuscitou dentre os mortos, do que nós somos testemunhas. Ora, esse testemunho davam-no proclamando-o publicamente. O que não é próprio das mulheres, segundo o Apóstolo: As mulheres estejam caladas na Igreja. E noutro lugar: Eu não permito à mulher, que ensine. Logo, parece que inconvenientemente a ressurreição de Cristo foi manifestada primeiro às mulheres que aos homens em geral.

Mas, em contrário, a Escritura: A quem Deus ressuscitou ao terceiro dia e quis que se manifestasse, não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia ordenado antes.

As coisas que conhecemos, umas as conhecemo-las pela lei geral da natureza; outras por um especial dom da graça, como as reveladas por Deus. E estas como diz Dionísio, estão sujeitas à lei divina, de serem por Deus reveladas imediatamente ao superior, mediante aos quais chegam ao conhecimento dos inferiores, como o demonstra a ordenação dos espíritos celestes. Ora, o concernente à glória futura excede o conhecimento comum dos homens, conforme da Escritura: O olho não viu, excepto tu, ó Deus, o que tens preparado para os que te esperam. Por isso, tais coisas o homem não as conhece senão revelados por Deus conforme o diz o Apóstolo: Deus no-lo revelou a nós pelo seu Espírito. Ora, como Cristo ressuscitou gloriosamente, por isso a sua ressurreição não foi manifestada a todo o povo, mas só a alguns, cujo testemunho deu a conhecer aos demais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A Paixão de Cristo consumou-se num corpo dotado ainda de uma natureza passível, conhecida de todos por uma lei comum. Por isso a Paixão de Cristo podia manifestar-se imediatamente a todo o povo. Ao passo que a Ressurreição de Cristo se operou pela glória do Pai, como diz o Apóstolo. Por isso manifestou-se imediatamente, não a todos, mas a alguns. — Quanto a ser uma pena pública imposta aos pecadores públicos, isso entende-se das penas da vida presente. E semelhantemente, méritos públicos hão de premiar-se em público, para estímulo dos outros. Mas as penas e os prémios da vida futura não são manifestados publicamente a todos; mas especialmente àqueles a quem Deus o pre-ordenou.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A ressurreição de Cristo, ordenada à salvação de todos, também chegou ao conhecimento de todos, não que se manifestasse a todos Imediatamente, mas a alguns, mediante cujo testemunho, a conhecessem os demais.

RESPOSTA À TERCEIRA. — À mulher não é permitido ensinar publicamente na Igreja; mas é-lhe permitido instruir privadamente a alguns, num ensinamento doméstico. Donde como Ambrósio diz, uma mulher foi enviada aos da família de Cristo; mas não a dar testemunho da ressurreição do povo. — E se Cristo apareceu primeiro às mulheres, foi para a mulher, que fora a primeira a levar ao homem a mensagem da morte, fosse também a primeira a anunciar a vida de Cristo ressuscitado para a glória. Donde o dizer Cirilo: A mulher, outrora ministra da morte, foi a primeira a perceber e a anunciar o venerando mistério da redenção. Assim, o género feminino alcançou tanto a absolvição da ignomínia como o repúdio da maldição. E também se mostrava desse modo simultaneamente que no concernente ao estado da glória, o sexo feminino não sofreria nenhum detrimento; mas, se tiverem mais ardente a caridade, de maior glória também gozarão da visão divina. Por isso as mulheres, que mais ardentemente amaram o Senhor, a ponto de não se afastarem do seu sepulcro, que os próprios discípulos tinham abandonado, também foram as primeiras a ver o Senhor na glória da ressurreição. 


Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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