Vol. 2
LIVRO XV
CAPÍTULO XVI
O direito conjugal dos primeiros matrimónios foi diferente do dos posteriores matrimónios.
Depois da primeira união do homem feito de pó e da mulher tirada do lado do varão, teve o género hum ano necessidade, para se multiplicar por gerações, da conjunção de homens e de mulheres. E com o não existiam senão os homens nascidos desses dois, os varões tomaram suas irmãs por esposas. quanto mais este facto era recomendável sob a pressão da necessidade, tanto mais se tornou condenável pela proibição da religião.
Uma justíssima razão de caridade levou os homens, ara quem a concórdia é útil e digna de louvor, a multiplicar os seus laços de parentesco. Um só não devia concentrar muitos em si, mas devia reparti-los por vários. Desta forma o seu grande número contribuiria para apertar com mais eficácia os laços da vida social. «Pai» e «Sogro» são, efectivamente, os nomes de dois laços de parentesco. Se cada um tiver um pai e um sogro, a caridade estender-se-á a um maior número. Adão sozinho foi obrigado a ser um e outro para os seus filhos e as suas filhas, quando irmãos e irmãs se uniam em casamento. E assim também Eva, sua esposa, foi mãe e sogra dos filhos de ambos os sexos. Se houvesse duas mulheres, mãe um a e sogra a outra, o amor social teria multiplicado os seus laços. Finalmente a irmã tornada esposa só por si ficava com duas parentelas. Se tais laços fossem repartidos por Pessoas distintas, sendo uma irmã e outra esposa, o numero de parentes aumentaria na sociedade. Mas isto não era possível quando não havia senão irmãos e irmãs nascidos daqueles dois primeiros. Mas isso tornou-se obrigatório desde que o seu número permitiu aos homens casarem-se com mulheres que já não eram suas irmãs. E não havendo já necessidade desta prática, tornou-se um crime conservá-la. E se os netos dos primeiros homens podendo já casar com primas, casassem com irmãs, já não haveria num só homem dois, mas três parentescos que deveriam, para difundir o amor por um maior número, repartir-se por várias pessoas. E que um só homem seria para os seus filhos — irmãos e irmãs casados entre si — pai, sogro e tio; e a sua mulher, para os mesmos filhos, seria mãe, tia e sogra; e por sua vez esses filhos entre si não seriam apenas irmãos e cônjuges, mas também primos porque filhos de irmãos. Mas todos estes laços de parentesco que ligavam três homens a um só, se fossem repartidos por famílias diferentes, teriam ligado nove — de maneira que um só homem teria uma com o irmã, outra com o prima, um como pai, outro com o tio, outro como sogro, uma como mãe, outra como tia e outra como sogra, e assim o vínculo social não se veria encerrado num pequeno número, mas mais difundido por numerosos parentescos.
E o que, depois do crescimento e multiplicação do género hum ano, notam os ser observado mesmo entre os ímpios, adoradores dos numerosos e falsos deuses. Embora em leis perversas sejam permitidos os casamentos entre irmãos, um melhor costume faz-lhes detestar tal desmando, e embora tenha sido permitido nos primeiros tempos do género hum ano desposar irmãs — evita-se isso como se nunca tivesse sido permitido. O costume tem de facto um grande poder para atrair ou repelir o sentimento humano. E como ele refreia os excessos da concupiscência, com razão se considera como crime violá-lo ou
corrompê-lo. Se, realmente, é injusto ultrapassar os extremos dum campo por avidez de posse, quanto mais injusto não será derrubar os marcos dos costumes pela ânsia do prazer sexual! Constatam os que, mesmo nos nossos tempos, nos casamentos entre primos, devido ao grau de parentesco próximo do de irmãos, que influência tem ocostume para fazer raras vezes o que a lei autoriza — pois nem a divina o proibiu nem o proibiu ainda a lei humana. Todavia, um acto embora lícito inspira horror devido à sua proximidade de um acto ilícito — e o que se fazia com uma prima quase parecia que se fazia com uma irmã, pois os primos, por causa da sua proximidade sanguínea, se chamam irmãos e quase que o são.
Os antigos pais tiveram um cuidado religioso em que o parentesco, diluindo-se a pouco e pouco pelos graus das gerações, não se fosse desvirtuando e chegasse a desaparecer. Por isso, antes que se fosse afastando, reforçaram-no de novo com o vínculo do matrimónio, detendo-o, a bem dizer, na sua fuga. E por isso que, uma vez povoada a terra inteira, os homens gostavam de desposar não as suas irmãs por parte do pai ou da mãe ou de ambos os seus pais, mas mulheres da sua estirpe. Mas quem honestamente pode duvidar de que nesse tempo já eram proibidos os casamentos entre primos? E isto não só, como referimos, para multiplicar as afinidades, evitar que uma só pessoa acumule dois graus de parentesco quando duas pessoas os poderão ter e aumentar o número de parentes — mas também porque não sei que nobre e natural sentimento de pudor humano nos leva a reter, em relação àqueles que os laços de sangue nos fazem respeitar, a paixão embora geradora, de que vemos envergonhar-se a própria pudicícia conjugal.
A cópula do homem e da mulher, no que respeita ao género humano, é como que o viveiro da cidade. Mas a cidade terrestre apenas precisa da geração para se libertar; a celeste necessita ainda da regeneração para se libertar do castigo da geração. A história sagrada não diz se houve antes do Dilúvio um sinal corporal e visível da regeneração nem, se houve, qual teria sido, com o mais tarde foi imposta a Abraão a circuncisão. Todavia, não deixa de referir que aqueles antiquíssimos homens ofereceram sacrifícios a Deus, com o se evidencia nos dois primeiros irmãos, e lê-se que, depois do Dilúvio, Noé, ao sair da arca, ofereceu vítimas a Deus. E se os demónios, como já dissemos nos livros precedentes, arrogando-se a divindade e querendo fazer-se passar por deuses, exigem sacrifícios e se comprazem em honras deste género, é apenas porque o verdadeiro sacrifício (eles bem o sabem) só ao verdadeiro Deus é devido.
(cont)
(Revisão da versão portuguesa por ama)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.