Vol. 2
LIVRQ XIV
CAPÍTULO VII
Amor (amor) e afeição (dilectio) são indiferentemente tomados em bom e em mau sentido nas Sagradas Escrituras.
Daquele que tem o propósito de amar a Deus e também de amar o próximo como a si mesmo, não em conformidade com o homem, mas em conformidade com Deus, por causa desse amor se diz correctamente que ele é de boa vontade. Esta, nas Sagradas Escrituras, é geralmente denominada caridade (caritas). Mas, nas mesmas Sagradas Escrituras, também se lhe chama amor (amor). O Apóstolo diz que deve ser «amante» do bem quem seja eleito para governar o povo. E o próprio Senhor, ao interrogar Pedro, dizia:
e ele respondeu:
De novo o Senhor lhe preguntou, não se lhe tinha «amor» (amaret) mas se Pedro lhe tinha «afeição» (diligeret) — e este respondeu:
A terceira pergunta foi o próprio Jesus que em vez de dizer «tens-me afeição?», diz antes:
Prossegue o Evangelista:
quando o Senhor tinha dito, não três vezes, mas um a só:
e duas vezes:
Dai concluímos que, mesmo quando o Senhor dizia «tens-me afeição?» nada mais quis dizer que «amas-me?». Pedro, porém, não mudou a palavra que exprimia esta única coisa: à terceira vez diz ainda:
Senhor, tu sabes tudo, sabes que te amo.
Julguei que devia recordar isto porque alguns pensam que há diferença entre a «afeição», a «caridade» e o «amor». Dizem eles que a afeição se deve tom ar no bom sentido e amor no mau sentido. Mas é absolutamente certo que nem os próprios autores das letras profanas falaram nesse sentido. Vejam, porém, os filósofos se podem fazer essa distinção e com que fundamento. Os seus livros, de resto, são bastante claros ao proclamarem o amor entre as coisas boas, mesmo em relação a Deus. E as Escrituras da nossa religião, cuja autoridade antepomos à de todos os outros escritos, é preciso notar que elas não fazem nenhuma distinção entre amor, afeição e caridade. Já mostrámos que o amor se pode tomar em bom sentido. Mas, para que ninguém julgue que «amor» se pode tom ar em bom ou mau sentido, ao passo que «afeição» só se pode tomar em bom sentido, atente-se no que está escrito no Salmo:
e no que diz o Apóstolo João:
Eis numa única frase a palavra «afeição» (dilectio) tomada em bom e em mau sentido. quanto ao amor (já mostrámos que se tom a em bom sentido), para que se não pergunte se se tom a também em mau sentido, leia-se o que está escrito:
Por conseguinte, a vontade recta é um amor bom e a vontade perversa um amor mau. O amor que aspira a possuir o que ama — é desejo; quando o possui e dele goza — é alegria; quando foge do que lhe repugna — é temor; se a seu pezar o experimenta — é tristeza. Estes sentimentos são, portanto, maus, quando é mau o amor; bons, quando o amor é bom. O que dizemos com as Escrituras o provamos. O Apóstolo deseja dissolver-se e estar com Cristo. Diz-se:
Ardentemente desejou a minha alma os teus juízos;
ou de forma mais apropriada:
e ainda:
Estabeleceu-se, porém, o costume de tomar em mau sentido a «cupidez» ou a «concupiscência» se não se disser a que se refere. A alegria toma-se em bom sentido:
e:
e:
O temor é tom ado por bom pelo Apóstolo quando diz:
e:
e:
Assim como a serpente seduziu Eva pela astúcia, temo que os vossos pensamentos se corrompam e percam a fidelidade (castitas) em
relação a Cristo.[xviii]
Acerca da tristeza, porém, a que Cícero prefere chamar «doença» e Vergílio «dor» quando diz:
(mas eu prefiro chamar-lhe «tristeza» porque «doença» (aegritudo) e «dor» em pregam-se mais frequentemente a respeito do corpo), surge um a questão delicada: se se pode tom ar também em bom sentido.
(cont)
(Revisão da versão portuguesa por ama)
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