Em seguida devemos tratar do concernente
à exaltação de Cristo. E, primeiro, da sua ressurreição. Segundo, da sua
ascensão. Terceiro, do lugar que ocupa, sentado à direita do Pai. Quarto, do
seu poder judiciário. O primeiro ponto é susceptível de quatro questões. -
Delas a primeira é sobre a própria ressurreição de Cristo. A segunda, sobre
Cristo ressurgente. A terceira, sobre a manifestação da ressurreição. A quarta,
sobre a causa dela.
Na primeira discutem-se quatro artigos:
Art. 1 — Se era necessário Cristo ressuscitar.
Art. 2 — Se Cristo devia ressuscitar no
terceiro dia.
Art. 3 — Se Cristo foi o primeiro que
ressuscitou.
Art. 4 — Se Cristo foi à causa da sua
ressurreição.
Art. 1 — Se era necessário Cristo ressuscitar.
O
primeiro discute-se assim. — Parece que não era necessário Cristo ressuscitar.
1. — Pois, diz Damasceno: Chama-se ressurreição ao facto de tornar a
surgir um ser animado, que caiu e se decompôs. Ora, Cristo não caiu por
causa de nenhum pecado, nem o corpo se lhe decompôs, como do sobredito se
colhe. Logo, não podemos propriamente dizer que ressuscitou.
2. Demais. — Quem ressuscita é levado a
um estado mais alto, porque surgir é ser movido para cima. Ora, o corpo de
Cristo depois da morte permaneceu unido à divindade e, portanto, não podia ser
elevado a um estado mais alto. Logo, não lhe cabia o ressuscitar.
3. Demais. — Tudo o que sofreu a
humanidade de Cristo se ordenava à nossa salvação. Ora, bastava à nossa
salvação a Paixão de Cristo, pela qual fomos livres da pena e da culpa, como do
sobredito se colhe. Logo, não era necessário que Cristo ressuscitasse dos
mortos.
Mas, em contrário, o Evangelho: Importava que Cristo sofresse e
ressuscitasse dos mortos.
Era necessário que Cristo
ressuscitasse, por cinco razões. — Primeiro para a manifestação da divina
justiça, a qual compete exaltar aos que se humilham por amor de Deus, segundo o
Evangelho: Depôs do trono os poderosos e
elevou os humildes. Tendo, pois, Cristo, levado da caridade e da
obediência, se humilhado até à morte da cruz, importava fosse exaltado por Deus
até a ressurreição gloriosa. Por isso a Escritura diz, da sua pessoa: Tu me conheceste, isto é, aprovaste ao
assentar-me, isto é, a glorificação na ressurreição, como o interpreta a
Glosa. — Segundo, para ilustração da nossa fé. Pois, a sua ressurreição
confirmou a nossa fé na divindade de Cristo; porque, como diz o Apóstolo, ainda que crucificado por enfermidade, vive
todavia pelo poder de Deus. Donde o dizer ainda o Apóstolo: Se Cristo não ressuscitou é vã a nossa
pregação, é também vã a nossa fé. E noutro lugar diz a Escritura: Que proveito há no meu sangue, i. é, na
efusão do meu sangue, se desço à corrupção, como que por degraus de males?
Quase se respondesse: Nenhum. Pois, se
não ressuscitar logo e se me corromper o corpo, a ninguém anunciarei, a ninguém
serei de proveito, como expõe a Glosa. — Terceiro, para sustentar a nossa
esperança. Pois, vendo Cristo ressuscitar, ele que é nossa cabeça, esperamos
que também havemos de ressuscitar. Donde o dizer o Apóstolo: Se se prega que Cristo ressuscitou dentre os
mortos, como dizem alguns entre vós outros que não há ressurreição de mortos? E
noutro lugar da Escritura: Eu sei, isto
é, pela certeza da fé, que o meu Redentor, isto é, Cristo vive, tendo ressurgido
dos mortos, e, portanto, eu no derradeiro dia surgirei da terra: esta minha
esperança esta depositada no meu peito. — Quarto, para nos dar um modelo
pelo qual possamos regular a nossa vida, segundo o Apóstolo: Como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória
do Pai, assim também nós andemos em novidade de vida. E mais abaixo: Tendo Cristo ressurgido dos mortos, já não
morre nem a morte terá sobre ele mais domínio; assim também vós considerai-vos
que estais certamente mortos ao pecado, porém vivos para Deus. — Quinto,
para complemento da nossa salvação. Pois, assim como sofreu tantos males e
morreu, para dos males nos livrar, assim também foi glorificado ressuscitando,
para nos dar a posse do bem, segundo o Apóstolo: Foi entregue por nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Embora Cristo não caísse por causa do pecado, caiu, contudo, pela morte. Pois,
assim como o pecado consiste em decair da justiça, assim a morte em decair da
vida. Por isso, podemos entender da pessoa de Cristo o lugar da Escritura: Não te alegres, inimiga minha, a meu
respeito, por eu ter caído - eu me tornarei a levantar. Semelhantemente,
embora o corpo de Cristo não se tivesse decomposto, reduzindo-se a cinzas, o próprio
facto porém de a alma se ter separado do corpo foi de certo modo uma
decomposição.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A divindade estava
unida à carne de Cristo, depois da morte, por uma união pessoal; não porém por
uma união de natureza, como a alma está unida ao corpo, como forma, para
constituir a natureza humana. E assim, por estar o corpo de Cristo unido à sua
alma, foi elevado a um estado mais alto da natureza, mas não a um estado mais
alto da pessoa.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de
Cristo obrou a nossa salvação propriamente falando, quanto à libertação dos
males; mas a ressurreição foi o começo e o penhor dos bens.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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