23/04/2017

Tratado da vida de Cristo 157

Questão 53: Da ressurreição de Cristo

Em seguida devemos tratar do concernente à exaltação de Cristo. E, primeiro, da sua ressurreição. Segundo, da sua ascensão. Terceiro, do lugar que ocupa, sentado à direita do Pai. Quarto, do seu poder judiciário. O primeiro ponto é susceptível de quatro questões. - Delas a primeira é sobre a própria ressurreição de Cristo. A segunda, sobre Cristo ressurgente. A terceira, sobre a manifestação da ressurreição. A quarta, sobre a causa dela.


Na primeira discutem-se quatro artigos:

  
Art. 1 — Se era necessário Cristo ressuscitar.
Art. 2 — Se Cristo devia ressuscitar no terceiro dia.
Art. 3 — Se Cristo foi o primeiro que ressuscitou.
Art. 4 — Se Cristo foi à causa da sua ressurreição.
Art. 1 — Se era necessário Cristo ressuscitar.

 O primeiro discute-se assim. — Parece que não era necessário Cristo ressuscitar.

1. — Pois, diz Damasceno: Chama-se ressurreição ao facto de tornar a surgir um ser animado, que caiu e se decompôs. Ora, Cristo não caiu por causa de nenhum pecado, nem o corpo se lhe decompôs, como do sobredito se colhe. Logo, não podemos propriamente dizer que ressuscitou.

2. Demais. — Quem ressuscita é levado a um estado mais alto, porque surgir é ser movido para cima. Ora, o corpo de Cristo depois da morte permaneceu unido à divindade e, portanto, não podia ser elevado a um estado mais alto. Logo, não lhe cabia o ressuscitar.

3. Demais. — Tudo o que sofreu a humanidade de Cristo se ordenava à nossa salvação. Ora, bastava à nossa salvação a Paixão de Cristo, pela qual fomos livres da pena e da culpa, como do sobredito se colhe. Logo, não era necessário que Cristo ressuscitasse dos mortos.

Mas, em contrário, o Evangelho: Importava que Cristo sofresse e ressuscitasse dos mortos.

Era necessário que Cristo ressuscitasse, por cinco razões. — Primeiro para a manifestação da divina justiça, a qual compete exaltar aos que se humilham por amor de Deus, segundo o Evangelho: Depôs do trono os poderosos e elevou os humildes. Tendo, pois, Cristo, levado da caridade e da obediência, se humilhado até à morte da cruz, importava fosse exaltado por Deus até a ressurreição gloriosa. Por isso a Escritura diz, da sua pessoa: Tu me conheceste, isto é, aprovaste ao assentar-me, isto é, a glorificação na ressurreição, como o interpreta a Glosa. — Segundo, para ilustração da nossa fé. Pois, a sua ressurreição confirmou a nossa fé na divindade de Cristo; porque, como diz o Apóstolo, ainda que crucificado por enfermidade, vive todavia pelo poder de Deus. Donde o dizer ainda o Apóstolo: Se Cristo não ressuscitou é vã a nossa pregação, é também vã a nossa fé. E noutro lugar diz a Escritura: Que proveito há no meu sangue, i. é, na efusão do meu sangue, se desço à corrupção, como que por degraus de males? Quase se respondesse: Nenhum. Pois, se não ressuscitar logo e se me corromper o corpo, a ninguém anunciarei, a ninguém serei de proveito, como expõe a Glosa. — Terceiro, para sustentar a nossa esperança. Pois, vendo Cristo ressuscitar, ele que é nossa cabeça, esperamos que também havemos de ressuscitar. Donde o dizer o Apóstolo: Se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns entre vós outros que não há ressurreição de mortos? E noutro lugar da Escritura: Eu sei, isto é, pela certeza da fé, que o meu Redentor, isto é, Cristo vive, tendo ressurgido dos mortos, e, portanto, eu no derradeiro dia surgirei da terra: esta minha esperança esta depositada no meu peito. — Quarto, para nos dar um modelo pelo qual possamos regular a nossa vida, segundo o Apóstolo: Como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Pai, assim também nós andemos em novidade de vida. E mais abaixo: Tendo Cristo ressurgido dos mortos, já não morre nem a morte terá sobre ele mais domínio; assim também vós considerai-vos que estais certamente mortos ao pecado, porém vivos para Deus. — Quinto, para complemento da nossa salvação. Pois, assim como sofreu tantos males e morreu, para dos males nos livrar, assim também foi glorificado ressuscitando, para nos dar a posse do bem, segundo o Apóstolo: Foi entregue por nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Embora Cristo não caísse por causa do pecado, caiu, contudo, pela morte. Pois, assim como o pecado consiste em decair da justiça, assim a morte em decair da vida. Por isso, podemos entender da pessoa de Cristo o lugar da Escritura: Não te alegres, inimiga minha, a meu respeito, por eu ter caído - eu me tornarei a levantar. Semelhantemente, embora o corpo de Cristo não se tivesse decomposto, reduzindo-se a cinzas, o próprio facto porém de a alma se ter separado do corpo foi de certo modo uma decomposição.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A divindade estava unida à carne de Cristo, depois da morte, por uma união pessoal; não porém por uma união de natureza, como a alma está unida ao corpo, como forma, para constituir a natureza humana. E assim, por estar o corpo de Cristo unido à sua alma, foi elevado a um estado mais alto da natureza, mas não a um estado mais alto da pessoa.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de Cristo obrou a nossa salvação propriamente falando, quanto à libertação dos males; mas a ressurreição foi o começo e o penhor dos bens.


Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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