Iniciação à Cristologia
SEGUNDA PARTE
A OBRA REDENTORA DE JESUS CRISTO
Capítulo VII
JESUS CRISTO, MEDIADOR DA NOVA ALIANÇA E CABEÇA DO
GÉNERO HUMANO
Deus
decidiu restabelecer a comunhão de vida com os homens, rompida pelo pecado,
mediante a Encarnação do seu Filho. Assim, pois, a salvação realiza-se «por meio de» a obra de Cristo homem: a
acção de Jesus Cristo é uma mediação e Ele é o Mediador. Por isso as orações
litúrgicas, que habitualmente se dirigem ao Pai, se acabam com a fórmula «Per Dominum Nostrum Iesum Christum...»
(«Por Nosso Senhor Jesus Cristo...»).
E Jesus, em
toda a sua obra mediadora, actua como Cabeça do género humano: isto é o que
explica que as suas acções sirvam para a nossa salvação. Vejamos estes pontos.
1. Jesus Cristo. Mediador da Nova Aliança entre
Deus e os homens
a) Jesus Cristo é o Mediador da nova e eterna
Aliança entre Deus e os homens.
O nome de mediador.
Mediador é
nome de ofício, e aplica-se a quem faz de meio entre os que estão separados
para reconciliá-los, ou uni-los de alguma forma.
A Sagrada
Escritura dá o título de mediadores aos Patriarcas, a Moisés (cf. Dt 5,5)
e a outros enviados por Deus para instituir a aliança entre Ele e o seu povo,
ou para a manter viva, ou refazê-la quando tenha sido rompida. Na economia
divina, que é a da condescendência e da auto-comunicação de Deus aos homens, os
mediadores não são primariamente representantes do povo ante o Senhor, mas sim
representantes de Deus, que se serve de alguns homens os quais elegeu como
instrumentos e lhes conferiu dons e autoridade especiais sobre os outros. A
aliança e a salvação vêm do alto, de cima; não é obra humana.
Jesus Cristo, Mediador entre Deus e os homens.
O Novo
Testamento aplica o título de Mediador a Cristo, enviado por seu Pai para
reconciliar o mundo consigo e estabelecer uma Aliança entre Deus e a humanidade
que estava separada da intimidade divina pelo pecado. «Um só é Deus um só é
também o mediador entre Deus e os homens:
Jesus Cristo homem, que se entregou a sua mesmo em redenção de todos» (1
Tim 2,5-6)[1].
A Sagrada
Escritura também ensina esta mesma realidade empregando muitas outras
expressões: Cristo é o único salvador (cf. Act 4,12), o único
caminho para ir ao Pai (cf. Jo 14,6-9), por quem temos acesso a Deus
Pai (cf. Ef 2,18), por quem nos reconciliamos com Deus (cf. 2
Cor 5,18-21); etc.
Cristo é Mediador da «Nova e eterna Aliança».
É mediador
da «Nova Aliança» ou «de uma Aliança mais excelsa» (Heb
9,15; 8,6). As alianças anteriores entre Deus e a humanidade eram
parciais e imperfeitas, pois não faziam os homens partícipes da intimidade
divina, nem tinham o poder de tirar o pecado. Ao contrário, Jesus revela-nos plenamente
o Pai, tira o pecado do mundo e estabelece a verdadeira comunhão de vida entre
Deus e os homens (cf. Heb 1,1-3; 8,6ss): «A lei foi dada por meio de
Moisés, mas a graça e a verdade vieram por Cristo Jesus» (Jo 1,17).
A mediação
de Cristo não consiste só na obra que levou a cabo na terra, mas também
compreende a que realiza no céu: é o Mediador da Aliança eterna e definitiva, que começa neste mundo e continuará de
modo perfeito na eternidade.
b) Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens
Cristo é o único Mediador.
Só Cristo
une verdadeiramente os homens com Deus, enquanto pelo seu sacrifício nos
reconciliou com Deus, remindo-nos do pecado que nos separava d’Ele. «Um só é o Mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo homem» (1 Tim 2,5).
Ou como Ele dizia: «Ninguém vai ao pai
senão por mim» (Jo 14,6).
Por isso o
Magistério da Igreja qualifica Jesus Cristo como «único» e «verdadeiro»
Mediador entre Deus e os homens[2].
Há outros mediadores entre Deus e os homens, mas
subordinados a Cristo e partícipes da sua mediação.
É muito
congruente com o plano da providência divina que as criaturas participem como
causas segundas na economia da criação e da salvação. Assim, é lógico que haja
outros mediadores que desempenhem algum papel na obra salvífica.
Todavia,
esses outros mediadores não causam por si mesmos a reconciliação do homem com
Deus, só cooperam dispositiva e instrumentalmente para essa união. Unicamente
Cristo por si mesmo repara o pecado e nos comunica a vida divina.
Todas as
outras mediações participam da mediação de Jesus Cristo e dependem dela:
existem em virtude da graça e dos dons que provêem da sua obra redentora. E,
além disso, estão ordenadas a Cristo, pois o seu fim é levar os homens à união
com o Salvador do género humano e assim participem da salvação que Ele nos dá[3].
Neste
sentido subordinado há outros mediadores em graus diferentes: em primeiro lugar
a Virgem Maria Mediadora de todas as graças, depois os anjos, os santos, os
sacerdotes, os pais, etc. Todos os cristãos devem ser mediadores em Cristo
Jesus: devem ser seus instrumentos para a salvação dos demais e conduzi-los à
união com o salvador.
c) Jesus Cristo é Mediador enquanto homem
Assim o
ensina explicitamente a revelação: «Um só
é o Mediador entre Deus e os homens: Jesus
Cristo homem, que se entregou a si mesmo em redenção de todos» (1 Tim
2,5-6).
Ser
mediador implica duas coisas: Em primeiro lugar, que uma pessoa de algum modo
tenha condição de meio entre os que há que reconciliar: para isso deve ser
diferente deles e, ao mesmo tempo, deve ter alguma relação com cada uma das
partes. E em segundo lugar, que intervenha efectivamente com a sua acção para
reconciliar os que estão separados.
Evidentemente,
Cristo enquanto Deus não tem condição de meio, pois não difere do Pai nem do
Espírito Santo nem em natureza nem no poder salvador. E tampouco é meio entre
Deus e os homens simplesmente pelo facto de ser homem.
Jesus Cristo tem condição de meio enquanto é homem
cheio de graça e enquanto com a sua entrega – vivificada por essa plenitude de
graça – reconcilia os homens com Deus. Com efeito, em virtude da sua natureza humana é
inferior ao Pai (cf. Jo 14,28), e por causa da plenitude de graça
está acima de todos os homens e distingue-se de todos os outros: por isto tem
razão de meio. E com a sua actuação humana, vivificada por essa plenitude de
graça e de caridade, merece para todo o género humano a reconciliação com Deus
e satisfaz pelo pecado. Daí que «da sua
plenitude todos recebemos graça sobre graça» (Jo 1,16)[4].
Ora bem, já
sabemos que o fundamento dessa plenitude de graça e de caridade pelas quais
está acima de todos e pelas quais se entregou por nós, é a união hipostática, a
qual constitui o fundamento da sua
mediação; de modo que se Cristo não fosse Deus feito homem, não teria a
plenitude de graça e, portanto, não seria nosso Mediador.
2. Cristo medeia entre Deus e os homens exercendo
os ofícios de sacerdote, Mestre e Pastor
Como exerce
Cristo a sua mediação entre Deus e os homens? Para descrever o modo como exerce
esta mediação costumam expor-se os diversos ofícios pelos quais leva a cabo a
nossa salvação: como Sacerdote, como Mestre (ou Profeta) e como Pastor (Rei e
Senhor). Esta enumeração é sobretudo descritiva e torna-se útil para conhecer
distintamente os diversos aspectos da obra de Cristo. Mas não é uma divisão
rigorosa, pois não há uma distinção clara entre essas funções já que cada uma
implica de algum modo as outras.
a) Jesus Cristo, Sacerdote da nova Aliança
A noção de sacerdote.
«Todo o sumo-sacerdote, escolhido entre os
homens, está constituído em favor dos homens no que se refere a Deus, para
oferecer dons e sacrifícios pelos pecados; e pode sentir compaixão pelos
ignorantes e extraviados, por estar ele também envolto em debilidade (…) E
ninguém se arroga tal dignidade, senão o que é chamado por Deus, tal como Aarão»
(Heb 5,1-4).
As
características próprias do sacerdote que este texto sagrado assinala são: em
primeiro lugar. Pertencer à linhagem humana e ter sido «escolhido e assumido» por
Deus dentre os demais homens por uma certa consagração. Em segundo lugar, estar
destinado para mediar entre Deus e os outros. Em terceiro lugar, o acto
específico do sacerdote que é oferecer o sacrifício para reparar o pecado e
assim reconciliar os homens com Deus (cf. Heb 8,3). Em quarto lugar,
assinalam-se ali também alguns quesitos: a vocação divina e algumas qualidades
morais como a misericórdia, a humildade, etc.
Assim,
pois, o sacerdote é um mediador entre Deus e os homens. Todavia, o termo «mediador» é mais amplo que o de «sacerdote», pois nem toda a mediação é
um sacerdócio. Com efeito, pode haver outras mediações entre Deus e os homens
(p. ex. a dos profetas na revelação, a dos reis no governo da sociedade, etc.),
mas o sacerdócio é a principal, pois consiste em unir e reconciliar
verdadeiramente os homens com Deus, tirando o pecado que é o que separa os
homens de Deus.
Como exerce
o sacerdote a sua missão mediadora? O que faz em primeiro lugar com a sua
função principal e própria que é oferecer sacrifícios para nos reconciliamos
com Deus, e assim alcançar as bênçãos do céu[5].
Mas o ofício sacerdotal também compreende outras funções, uma vez que assim
também deve comunicar aos homens os dons de Deus.
Jesus Cristo é sacerdote.
A Carta aos
Hebreus dá a Jesus o nome de Sacerdote, de sumo e grande Sacerdote da Nova
Aliança; afirma que o seu sacerdócio é diferente e superior ao levítico; que o
seu sacerdócio é eterno; e apresenta a sua obra como uma missão sacerdotal[6].
Cristo
exerce o seu sacerdócio oferecendo a Deus orações por nós e o sacrifício da sua
vida pelo qual nos reconcilia com Deus, e, por outro lado, transmitindo aos
homens os dons divinos, como são a graça e a revelação.
Portanto, o
sacerdócio de Cristo coincide com a mediação que estudámos. E tudo o que
dissemos de Cristo Mediador diz-se naturalmente de Cristo Sacerdote: Ele é o
sacerdote da nova e eterna Aliança que estabelece a comunhão de vida entre Deus
e os homens destinada à sua perfeição na eternidade: Ele é o único e Sumo-Sacerdote
que com o seu sacrifício nos reconcilia com Deus, sendo todo o outro sacerdócio
(ministerial ou o comum dos fieis) participação do seu sacerdócio e a ele
subordinado; etc.
b) Cristo., Mestre da verdade: mediador e plenitude
da revelação
Cristo, mediador perfeito da revelação.
O Filho de
Deus, ao vir a este mundo, como homem, é o mediador perfeito da revelação pois
manifesta-nos a Deus a quem vê e ouve. Ele é testemunho da verdade (cf. Jo
1,18; 8,40).
O Novo
Testamento também assinala que Cristo é o «profeta»
anunciado por Moisés (cf. Act 3,22; Dt 18,15); quer dizer, aquele
que fala as palavras de Deus, seu mediador na revelação. Por isso a teologia
fala do ministério profético de Cristo.
Todavia, o
ofício de profeta, ainda conveniente a Cristo, expressa de modo insuficiente a
sua função doutrinal; Ele é muito mais que profeta e distinguiu-se de todos
eles: «De uma forma fragmentária e de
muitos modos falou Deus no passado aos nossos pais por meio dos profetas;
nestes últimos tempos falou-nos pelo seu Filho» (Heb 1,1-2).
Ele, não só como Deus mas também enquanto homem, é superior a todos os profetas
porque tinha ciência de visão que nenhum profeta pode ter. Ele é «o Mestre», o único mestre dos homens (cf.
Mt 23,18-10).
Cristo, plenitude da revelação.
O concílio
Vaticano II diz mais: Jesus é «o mediador
e plenitude de toda a revelação»[7]
Jesus Cristo não só nos revela o mistério de Deus Uno e Trino, como também nos
descobre o plano da nossa salvação e qual é a dignidade e a vocação do homem:
quer dizer, tudo o contido na nossa fé.
Ele é a
plenitude da revelação: é a luz do mundo (cf. Jo 8,12; 12,46), é a
própria verdade (cf. Jo 14,6). É a palavra única e perfeita do Pai.
De modo que Deus no seu Verbo disse tudo, e não haverá outra palavra mais que
esta[8].
Este ofício
magistral de Cristo ordena-se a levar os homens à fé para que, acreditando, se
convertam e alcancem a justificação. Deste modo Jesus liberta-nos de uma das
sequelas do pecado, da ignorância e do erro: «A verdade vos tornará livres» (Jo 8,32). Portanto, este
ofício está relacionado com o seu ministério sacerdotal, assim como também está
unido ao ministério pastoral, pois constitui uma forma de nos conduzir à nossa
salvação.
(cont)
Vicente
Ferrer Barriendos
(Tradução do castelhano por ama)
[1] Cf. Também: Gal 3,19-20; Heb 8,6;
9,15; 12,22-24.
[2] Cf. LG, 8, 62; CONC. VATICANO II, Ad gentes, 3; Decl. Dominus Iesus, 13-15; etc.
[3] Cf. LG, 62.
[4] Cf. S.Th. III,26,2; III,7,1.
[5] Etimologicamente «sacrifício» provem
de sacrum facere, fazer de Deus algo
que era do homem
[6] Noutros textos do Novo Testamento
reconhece-se a Jesus esse mesmo ofício ainda que não se lhe outorgue o título
de sacerdote (v. g.: Ele ofereceu a sua vida como um sacrifico; cf. Mc 14,24 e
par.; Ef 5,2M Jo 10,17-18; etc.). talvez se omita esse título para evitar uma
possível confusão entre os primeiros fieis se se identificasse a figura e a
obra de Cristo com a dos sacerdotes judeus ou pagãos que podiam servir-lhes de
referência.
[7] DV,2.
[8] Cf. CCE, 65.
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