JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR
Iniciação à Cristologia
SEGUNDA PARTE
A OBRA REDENTORA DE JESUS CRISTO
A
cristologia estuda o mistério de Cristo: o mistério da sua pessoa e da sua obra
redentora numa unidade indissolúvel. Jesus é o Filho de Deus feito homem e, ao
mesmo tempo, Salvador esperado.
Já dissemos
que não se podem separar esses dois aspectos, em primeiro lugar, porque a
finalidade da sua vinda ao mundo, a razão de ser de toda a sua vida, é
precisamente a salvação dos homens. Assim o ensina a Escritura: «o Pai enviou o seu Filho para ser Salvador
do mundo» (Jo 4,10); assim o confessamos no símbolo da fé: o
Filho de Deus «por nós, os homens, e por
nossa salvação baixou do céu».
E, em
segundo lugar, porque a função e a obra de Cristo como Salvador dos homens não
se pode separar do seu ser de Verbo encarnado mas sim, pelo contrário, está em
dependência da sua pessoa. Unicamente o Filho de Deus pode realizar uma
autêntica redenção do pecado no mundo: «Quem
pode perdoar os pecados, senão só Deus?» (Mc 2,7). Somente o
Filho de Deus pode livrar o género humano da morte eterna e pode dar-nos a vida
eterna porque Ele é a Vida (cf. Jo 14,6).
Assim pois,
depois de, na primeira parte, ter estudado o mistério de Jesus Cristo em si
mesmo, vamos abordar nesta segunda parte a sua acção redentora, tendo presente
o que vimos anteriormente acerca da sua pessoa.
Como a obra
da Salvação realizada por Cristo se designa comummente por redenção, nós
empregaremos indistintamente esses termos, assim como os de Salvador e
Redentor, ainda que teoricamente se possam distinguir.
Capítulo VII
O MISTÉRIO DA REDENÇÃO
1, A condição humana e a libertação do mal
Todos os
seres humanos experimentam a rotura entre os desejos de vida e de felicidade, e
a experiência e insatisfação do sofrimento. Por isso a humanidade procura
superar esses elementos negativos e alberga uma esperança profunda em
libertar-se do mal, assim como também um anelo de conseguir a plenitude da
felicidade.
Daí que em
todas as épocas os homens tenham tentado diversas soluções para se libertar do
mal que os aflige Entre esses intentos humanos de salvação encontram-se as
diversas religiões mundiais (p. Ex. O hinduísmo, o budismo, etc.) que
pretenderam dar uma explicação do mal que existe no homem e propuseram vários
caminhos para se livrar dele. Pensaram que a origem do mal estava na ignorância
espiritual, ou nos desejos humanos que não se podem satisfazer, etc. E
propuseram fórmulas para o superar através de boas obras, da contemplação
espiritual, do domínio de si, do intento de apagar todo o desejo e libertar-se
deste mundo, etc.
De modo
semelhante o pensamento racionalista dominante nestes últimos séculos, e que
afirma a independência do homem em relação a Deus, imagina que o ser humano
pode conseguir por si mesmo a sua plenitude, e põe a esperança de libertação de
todo o mal na cultura, na ciência, na técnica ou no progresso social.
2. O ensinamento da Bíblia sobre a redenção do
homem
a) O destino do homem e a felicidade e a origem dos
males que padece
A Palavra
de Deus ensina-nos que estamos destinados a bens muito mais altos do que os que
essas tentativas humanas nos propõem. Jesus Cristo revelou-nos que Deus nos
amou e destinou antes da criação do mundo a uma aliança connosco para nos fazer
partícipes da sua vida imensamente feliz. Por isso criou o homem à sua própria
imagem, capaz de uma comunhão de vida com Ele. E achou que a sua criação era «muito boa» (Gen 1,31).
Todavia,
deparamos que a realidade da actividade dos homens não é «tão boa», e «gememos
interiormente esperando a adopção de filhos, a redenção do nosso corpo» (Rom
8,23). E a Bíblia ensina-nos que a origem de todos estes males e
sofrimentos se encontra no «mistério de
iniquidade» que é o pecado (cf. 2 Tes 2,7): principalmente no
pecado original, mas também no pecado actual dos seres humanos que agora
vivemos (no nosso egoísmo, na dureza de coração, na avidez de prazer e poder,
na debilidade ante o mal, et.).
Mas, ainda
que a imagem de Deus na pessoa humana tenha ficado obscurecida e desfigurada
pelo pecado, nunca foi completamente destruída. O homem continua aspirando à
felicidade plena, como reconhece Santo Agostinho: «Criaste-nos, Senhor, para ti; e o nosso coração está inquieto até que
descanse em ti»[1]
Todavia, o
homem só com as suas forças não pode libertar-se do pecado e das suas
consequências, como são a privação de Deus, a proclividade ao mal, a desordem
da concupiscência e a morte. Por isso, ainda que as tentativas humanas de
libertação tenham uma raiz positiva, são insuficientes para curar a verdadeira
raiz dos males que afligem a humanidade, que aninha no coração do homem.
b) A salvação do homem é iniciativa e obra de Deus,
rico em misericórdia
A salvação
é obra da iniciativa divina, pois Deus nunca abandonou o homem pecador, antes,
pelo contrário, movido pelo seu amor misericordioso, dispôs-se fazer uma Nova
Aliança com o género humano par nos associar à sua vida e comunicar-nos o seu
bem e libertar-nos de todo o mal. Esta Nova Aliança será estabelecida por meio
de Cristo.
A palavra
de Deus ensina-nos que a libertação verdadeira e completa do homem procede
unicamente de Deus, e é, antes de mais nada, dom misericordiosos de Deus à
humanidade. Ao entregar o seu Filho pelos nossos pecados, Deus manifesta o seu
desígnio de amor benevolente que precede todo o mérito da nossa parte: «A prova de que Deus nos ama é que Cristo,
sendo nós todavia pecadores, morreu por nós» (Rom 5,8).
c) Principais expressões bíblicas sobre a salvação
que Jesus Cristo realiza
A revelação
ensina-nos que o Filho de Deus feito homem, segundo desígnio divino, empregou a
sua vida para nos libertar do pecado e ressuscitou par nos comunicar a nova
vida (cf. 1 Cor 15,3; Rom 4,25). Vejamos algumas explicações da
Sagrada Escritura acerca de como esses mistérios de Cristo, têm eficácia
salvífica para nós.
Redenção ou resgate.
O valor
salvador da vida e Morte de Cristo apresenta-se com frequência na Sagrada
Escritura sob a imagem de um resgate ou redenção que nos liberta da escravidão
do pecado: «Entregou-se a si mesmo por
nós para nos redimir de toda a iniquidade» (Tit 2,14), Ele deu a
sua vida «em resgate por muitos» (Mt
20,28).
«Redimir» ou «resgatar» é – em linguagem jurídica antiga – salvar alguém da
prisão ou da escravidão dando algo em troca, a modo de preço. Seguindo esta
imagem, diz-se que Jesus nos salva da escravidão do pecado, do diabo e da
morte, dando a sua vida por nós: «Fostes
resgatados (...) não com bens corruptíveis, prata ou ouro, mas com o sangue
precioso de Cristo» (1 Pd 1,18-19).
Libertação.
Unida à
imagem do resgate está a ideia de uma «libertação»
da escravidão do pecado e da carne: «Cristo
libertou-nos para esta liberdade» (Gal 5,1) até chegar à «liberdade gloriosa dos filhos de Deus» (Rom
8,21).
Sacrifício.
O Novo Testamento
apresenta também a vida e a morte de Cristo na cruz sob a imagem de um
sacrifício. «Cristo amou-nos e
entregou-se por nós em oblação e sacrifício de suave olor» (Ef 5,2).
Sacrifício
é oferta que se faz a Deus para entrar em comunicação com Ele. E Jesus oferece
a seu Pai, como Cabeça da humanidade, a entrega rendida da sua vida com o fim
de reparar a desobediência do pecado e estabelecer a aliança que devolve ao
homem a comunhão com Deus: «É o meu
sangue da Nova Aliança, que é derramado por muitos para a remissão dos pecados»
(Mt 26,28).
A Escritura
apresenta também muitas outras imagens para se referir ao modo como Cristo nos
liberta do pecado. Por exemplo, a de uma vitória
sobre o demónio, o pecado e a morte, a de uma reconciliação dos homens com Deus pois o pecado é como uma
inimizade ou ruptura da união com Deus; etc.
d) Uma clarificação conveniente: o sentido
teológico das expressões analógicas que se aplicam a Deus
Por causa
da transcendência do divino, a Sagrada Escritura e a teologia usam imagens e
conceitos humanos e aplicam-nos a Deus em razão de alguma semelhança. Nestes
casos há que entender bem o sentido com que os atribuímos a Deus, pois só se
usam segundo uma analogia e não em sentido unívoco. Por isso, ao interpretar essas
expressões, que são legítimas, não nos podemos deixar levar por impressões
imediatas demasiado humanas que nos levam a tirar consequências equivocadas:
não podemos imaginar Deus ao modo humano, pois Ele não é como nós. Por exemplo,
aqueles conceitos que encerram em si mesmos alguma imperfeição não se atribuem
a Deus propriamente mas só em sentido figurado[2].
No nosso
caso é especialmente necessário entender o sentido das expressões que
empregamos, pois a soteriologia serve-se de muitas metáforas e exemplo tomados
das relações humanas para ilustrar a obra de Cristo (v. g.: ofensa, perdão;,
castigo, satisfação; escravidão, resgate; inimizade, reconciliação, etc.). De
facto, têm-se dado explicações inadequadas da redenção que têm como base uma
concepção muito humana de Deus e das elações entre Ele e os homens; por
exemplo, quando a obra de Cristo se apresenta em termos de uma compensação a
Deus por algum mal que se lhe tenha causado pelo pecado, ou como castigo pelos
nossos pecados[3]. Por
isso, procuremos agora clarificar alguns conceitos.
O pecado.
O pecado é
um acto desordenado da nossa vontade que nos aparta de Deus: é um mal que está em nós, não é um mal
inferido a Deus em si mesmo.
Portanto,
quando dizemos analogicamente que é uma «ofensa
ou um agravo a Deus» significamos que o pecado é uma acção injusta que tem
da nossa parte uma semelhança com aquelas que ofendem ou agravam a outro homem;
mas não significamos que Deus tenha sofrido algum menosprezo, ou que se lhe
tenha causado alguma pena ou tenha diminuído a sua felicidade. A Igreja sempre
sustentou a imutabilidade de Deus, que não pode mudar: não pode diminuir, nem
sofrer. O mal produzido pelo pecado só se dá na criatura que erra, se envilece
e, sobretudo, perde a união com Deus nosso bem. Assim, ante a infidelidade do
seu povo, pergunta o Senhor: «Mas acaso
me ofendem a mim, não ofendem antes a eles mesmos, para sua vergonha?» (Jer
7,19). O mal não sofre quem dá coices contra o aguilhão pontegudo (cf.
Act 9,5 Vg).
A reparação do pecado.
A reparação
do pecado consiste na libertação da desordem, do mal introduzido no homem; é restaurar o homem caído segundo a imagem
de Deus na qual foi criado. Concretamente, consiste na conversão do homem a
Deus mediante a graça que o une a Deus e corrige a sua separação d Deus (a
culpa), e também na eliminação das penalidades que o pecado leva consigo (a
pena).
Portanto
quando falamos analogicamente de satisfação do pecado» ou de «desagravo» significamos que se requerem
algumas acções do homem para a completa reparação do pecado, o que tem uma
semelhança com o que se costuma fazer entre os homens para o perdão de uma
ofensa; mas não significamos que essas acções consistam em oferecer a Deus uma
compensação adequada para restaurar o bem divino que estivesse diminuído pelo
pecado, ou por um mal que a Ele se tivesse inferido. Além do mais, que poderia
dar o homem a Deus como compensação, que não tenha recebido d’Ele? (cf. 1
Cor 4,7; Rom 11, 35).
3. As principais explicações da Tradição patrística
sobre a redenção
Ao tratar
da obra da salvação, os Padres da Igreja
empregaram as imagens e a terminologia do Novo Testamento, mas, além
disso, foram desenvolvendo outras explicações diferentes da obra de Cristo.
Vejamos somente as linhas mais gerais.
A divinização do homem, nos Padres orientais.
Os Padres
gregos sublinham que Cristo veio comunicar-nos a semelhança com Deus perdida
com o pecado O Verbo, com a sua própria Encarnação santifica tudo o que toca.
Santo Atanásio e outros Padres orientais empregam com gosto a imagem do
«intercambio»: o Verbo fez-se particípe do nosso, da humanidade, para fazer-nos
particípes do seu, a divindade.
Os Padres
gregos fixam-se sobretudo no aspecto descendente e gratuito da salvação, ainda
que também assinalem que a fonte da salvação, tornada possível pela Encarnação,
é a Morte e Ressurreição de Cristo.
O sacrifício redentor, nos Padres ocidentais.
Os padres
latinos fixam-se sobretudo no aspecto ascendente da salvação, quer dizer, na
obra realizada pela nossa Cabeça em nome de toda a humanidade para nos ganhar a
salvação; ainda que assinalem também claramente que a redenção é pura graça.
Santo Ambrósio, Santo Agostinho e outros Padres ocidentais sublinham
especialmente que Cristo, como nossa Cabeça, oferece a seu Pai o sacrifício
perfeito da sua vida para reparar o nosso pecado e reconciliar-nos com Deus.
(cont)
Vicente
Ferrer Barriendos
(Tradução do castelhano por ama)
[1] S. AGOSTINHO, Confissões, 1,1,1.
[2] É o caso de atribuir paixões a Deus
(a tristeza, a ira, a vingança); ou o que supõe falta de bondade n’Ele (odiar
ou causar o mal a alguém); ou falta de providência (não proteger ou abandonar
alguém); ou o que supõe mudança n’Ele (arrepender-se, ser agravado ou ofendido
pelo pecado, perdoar), etc.
[3] Cf. COMISIÓN TEOLÓGICA INTERNACIONAL,
Cuestiones selectas sobre Dios redentor
(1994), em Documentos 1969-1996, BAC,
pp. 511-512; 527.
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