JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR
Iniciação à Cristologia
PRIMEIRA PARTE
A PESSOA DE JESUS CRISTO
Capítulo IV
O MISTÉRIO DA UNIDADE PESSOAL DE JESUS CRISTO
A distinção entre natureza e pessoa.
Esta
distinção aparece mais clara ao considerar os indivíduos racionais ou pessoas
possuidores de uma determinada natureza. Com efeito, comprovamos que existem
muitos sujeitos ou indivíduos diferentes (p. ex. os homens) que possuem a mesma
natureza (a condição humana).
A distinção
entre uma natureza e a própria pessoa que a possui é uma distinção entre uma
parte e o todo, entre a parte que lhe dá o modo de ser e o todo que existe
realmente: p. ex. Pedro tem
realmente uma natureza humana como algo próprio, e, além disso, possui outros
elementos individuais exclusivos dele, não comuns a outros homens; Pedro é a pessoa, o todo, e a natureza é uma parte
dele que o especifica.
b) A união absolutamente misteriosa e singular das
duas naturezas em Cristo é hipostática, na pessoa.
Já vimos
que Cristo não é um ser «só em algum sentido», com a unidade moral, extrínseca
o acidental que pode existir entre dois sujeitos ou indivíduos subsistentes, um
divino e outro humano, que formem uma comunhão de vida e de acção, como
sustentava Nestório. Mas, por outro lado, essa unidade, real e ontológica, que
afirmamos em Cristo, tampouco é segundo a natureza: não existe uma só natureza
composta pela divina e a humana, como afirmava Eutiques.
A união das
duas naturezas em Cristo é uma união
hipostática ou na pessoa. Nosso Senhor «ainda que seja Deus e homem, não
são dois Cristos, mas um só Cristo (…) um absolutamente (…) na unidade da
pessoa»[1].
O Verbo, ao assumir a natureza humana de Maria Virgem, fê-la realmente sua, e
começou a ser homem no tempo, sem deixar de ser o mesmo que era desde a
eternidade. De modo que, depois da Encarnação, o Filho de Deus subsiste em duas
naturezas: é Deus e também é homem.
Esta união
é completamente misteriosa, não tem
semelhança com nenhuma outra, e conhecemo-la unicamente pela fé. Os exemplos
que se empregaram na catequese para ilustrar este mistério são simples
analogias que servem só em parte, mas que distam dele noutros aspectos. O símil
mais utilizado pela Tradição é a união da alma e do corpo[2]:
a união de duas substâncias que formam no nosso caso uma só pessoa, e nisto
serve de exemplo para a união da divindade e humanidade em Cristo. Mas não
serve como exemplo noutros aspectos: p. ex. enquanto a alma e o corpo são duas
substâncias incompletas, e este não é o caso da divindade nem da humanidade de
Cristo; nem tampouco enquanto a união do corpo e alma se constitui uma só
natureza.
c) A natureza humana de Cristo é íntegra e
perfeita, mas não é uma pessoa humana, nem é um sujeito diferente do Verbo
O Filho de
Deus assumiu uma verdadeira e perfeita natureza humana individual, composta de
corpo e alma, e é em verdadeiramente homem. Daí surgiu que alguns conceberam a
natureza humana de Cristo como um sujeito humano diferente da pessoa do Verbo,
ainda que não o chamassem «pessoa», mas só «hypóstasis».
Contra
estes, o quinto concílio ecuménico, II de Constantinopla, no ano 553 «confessou
a propósito de Cristo: ‘Não há mais que uma só hypóstasis (ou pessoa), que é
Nosso Senhor Jesus Cristo, uno da Trindade’ (DS, 424). Portanto,
tudo na humanidade de Jesus Cristo deve ser atribuído à sua pessoa divina como
seu próprio sujeito (cf. Conc. Éfeso: DS, 255), não somente os
milagres mas também os sofrimentos (cf. DS, 424) e a própria morte:
‘O que foi crucificado na carne, nosso Senhor Jesus Cristo, é verdadeiro Deus,
Senhor da glória e uno da santíssima Trindade’ (DS, 432)»[3].
A natureza humana de Jesus Cristo, ainda que real,
criada, individual e concreta, não é uma hypóstasis ou uma pessoa humana, pois não
é um subsistente, não é um todo completo em si mesmo que exista
independentemente do outro, já que pertence propriamente ao Verbo que a
assumiu, e foi levada de forma inefável à união do ser pessoal do Filho de Deus
que pré-existia à união. De modo que o Filho de Deus, uno da santíssima
Trindade, é o único subsistente, sujeito ou pessoa, na sua natureza divina e na
sua natureza humana.
Afirmar que
a humanidade de Cristo não é pessoa humana não significa diminuir ou tirar algo
da verdadeira e real índole humana de Nosso Senhor, já que essa natureza á
completa e perfeita, e não lhe falta nada que seja próprio dela. E tampouco
rebaixa a condição e dignidade da sua humanidade o facto de não existir por si
mesma e não constituir uma pessoa humana, mas sim, pelo contrário, «a natureza
humana é em Cristo mais digna que em nós, porque no nosso caso ao existir por
si tem a suam própria personalidade, todavia em Cristo existe a pessoa do
Verbo»[4].
d) A pessoa de Jesus Cristo é divina, eterna e
imutável na sua Encarnação e não formada pela união das naturezas: é pessoa do
Filho de Deus
Já sabemos que só se encarnou a segunda pessoa
da Santíssima Trindade, o Filho de Deus, como nos ensina a revelação e a fé da
Igreja: as três pessoas divinas fizeram que a natureza humana se unisse á
pessoa singular do Filho de Deus[5].
A
Encarnação não supôs mudança alguma no Filho de Deus, que é imutável, como
tampouco o supôs a criação. Somente se dá a mudança na natureza humana:
inovação que consiste no facto de começar a existir elevada inefavelmente à
união pessoal com o Verbo. A pessoa divina não adquiriu nenhuma perfeição nova,
porque possui todas as perfeições da natureza humana, contidas de forma muito
mais excelente na sua natureza divina.
A fé
ensina-nos que a pessoa de Cristo é a pessoa eterna do Filho Unigénito de Deus.
E o Verbo, desde antes dos séculos, tem o seu ser pessoal por geração eterna de
Deus Pai. Portanto, a pessoa de Cristo
não é causada pela união das duas naturezas, mas sim é eterna. Cristo não
«é» ou existe pela sua natureza humana, mas sim que por ela «é homem». A pessoa
de Cristo, depois da Encarnação, subsiste sem mudança alguma nas duas
naturezas, mas não é formada por composição ou pela união de ambas.
Como
consequência, a filiação de Jesus no que respeita a seu Pai não é adoptiva como
a dos outros homens, mas si que é Filho de Deus por natureza, o Unigénito, o
próprio Filho do Pai, pois d’Ele recebeu o seu ser pessoal por geração eterna[6]
3. A concepção subjectivista da pessoa e a sua
incidência na cristologia
Com a
mudança produzida por descartes no pensamento filosófico modificou-se também o
conceito de pessoa. Se anteriormente se definia a pessoa em ordem da realidade
e do ser, a partir deste autor tentar-se-á definir a partir da subjectividade;
p. ex. como a auto consciência do próprio eu e do próprio psiquismo (no qual se
contem toda a realidade pessoal), ou antes como a abertura e capacidade de
relação com outro tu.
Quando se
aplicam estas teorias subjectivistas a Cristo suscitar-se-á imediatamente o
problema de imaginar em Jesus uma pessoa humana distinta do Verbo. Com efeito,
se o que constitui e define a pessoa é a sua auto consciência, a humanidade de
Cristo – que tem consciência da sua vida psíquica – será um sujeito humano.
a) Algumas teorias recentes sobre a personalidade
de Jesus Cristo
Nessa linha
de pensamento, alguns autores explicam que a personalidade consiste na abertura
da consciência humana ao ser em geral, que no fundo é uma abertura ao infinito,
quer dizer, a Deus. Por isso afirmam que em Cristo haveria um centro de
consciência humano referido a outro centro de consciência divino; quer dizer,
n’Ele encontraríamos duas subjectividades: uma divina (Deus) e outra humana
(Cristo), ao que alguns autores chamam abertamente pessoa humana.
Então, como
pode dar-se, em Cristo, uma unidade entre o humano e o divino? Como expressam
anuidade entre essas duas subjectividades? – tentam explicá-la pelas operações
existentes entre os dois centros de consciência: pelo conhecimento que essa pessoa
humana tenha da divindade e pela comunicação ou revelação de si que Deus faça a
essa pessoa humana. E assim dizem que «toda a realidade de Jesus» reside no
facto de que a sua subjectividade humana está totalmente aberta ao infinito, em
completa obediência ao Pai; e por isso pode receber a total auto doação de Deus
que se revela plenamente: assim pois, Jesus será um ser humano no qual tem
lugar a revelação suprema de Deus.
b) Crítica destas teorias
Estas
teorias reduzem a cristologia a uma simples antropologia: Cristo seria uma
simples pessoa humana igual a nós, um homem que tem uma relação mais intensa
coma divindade, um homem especialmente santo; e não se poderia dizer com
verdade que Jesus Cristo é Deus feito homem, tal como ensina a fé.
Essas teorias,
além do mais, sustentam uma antropologia insuficiente que reduz a realidade de
um ser a um dos seus actos: a pessoa seria a simples consciência de si. O que é
um erro, pois toda a operação vital – como o é a consciência – requer um
sujeito operante, que é a pessoa. Portanto a pessoa não se identifica com a sua
consciência, nem se constitui por ela: a pessoa é quem tem essa consciência de
si.
Por isso a
Congregação para a Doutrina da Fé, em 1972, contestou esses erros como opostos
à fé[7].
(cont)
Vicente
Ferrer Barriendos
(Tradução do castelhano por ama)
[1][1] Símbolo Quicumque, DS, 76.
[2] Cf.
Símbolo Quicumque, DS, 76: «Como a
alma racional e o corpo formam um só homem; assim, Cristo é um, sendo Deus e
homem».
[3]
CCE, 468.
[4] S. Th. III, 2,2, ad. 2.
[5] S. Th. III,2,2 ad 2.
[6] Cf. DS, 595; 611; 619; 852.
Entenderemos melhor esta verdade se tivermos presente que a filiação é uma relação de uma pessoa no que respeita a outra que a
engendrou e lhe comunicou a sua natureza específica. Assim, a Filiação
Divina adoptiva é e relação do homem que
recebeu a vida divina participada, a graça, respeitante a Deus que lha
comunicou. Esta filiação adoptiva «não é uma qualidade sobrenatural» recebida
de Deus que transforme o homem fazendo-o divino por participação, como o é a
graça santificante, mas a subseguinte «relação»
da pessoa que essa vida sobrenatural respeitante a Deus.
[7] Cf. CONGR. PARA A DOUTRINA DA FÉ,
Declaração, O mistério oi Filho de Deus,
3.
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