21/11/2016

Leitura espiritual


DE MAGISTRO

(DO MESTRE)

CAPÍTULO IV

SE OS SINAIS SE MOSTRAM COM SINAIS

AGOSTINHO

– Argumentas com agudeza, e por isso considera a possibilidade de convir entre nós que se possam mostrar sem sinais as acções que não estão em curso quando da pergunta, mas que podemos fazer logo em seguida; ou as que fazemos desde que as acções nada mais sejam do que os próprios sinais. Pois, quando falamos, emitimos sinais, donde se gera a palavra “significar” (fazer sinais – signa facere).

ADEODATO

– É possível convir.

AGOSTINHO

– Portanto, ao discutirmos sobre os sinais, podem mostrar-se uns sinais por meio de outros; mas quando falamos das coisas em si, que não são sinais, não se podem mostrar senão fazendo-o logo após a pergunta – se for possível – ou dando algum sinal pelo qual possam ser compreendidas.

ADEODATO – Exactamente.

AGOSTINHO

– Nessa tríplice possibilidade, vamos primeiro considerar, se quiseres, o caso em que se mostram sinais com sinais; diz-me, as palavras sozinhas são sinais?

ADEODATO

– Não.

AGOSTINHO

– Parece-me, portanto que, ao falarmos, usamos as palavras para significar ou as palavras em si, ou bem outros sinais, como seria o gesto associado à fala, ou as letras que usamos na escrita; porque o que indicamos com estes dois vocábulos (gesto e letra) ou são sinais em si mesmos (o próprio gesto e as próprias letras), ou algo que não é sinal, como quando dizemos “pedra”. Esta palavra, pois, é um sinal enquanto representa algo, mas a coisa indicada não é um sinal. Este género de palavras que representam coisas que não são sinais, não pertence, porém, à parte que nos propomos discutir. De facto, nós propomo-nos considerar o caso dos sinais que são expressos por sinais, e no caso distinguimos dois aspectos: ou se ensinam e recordam os mesmos sinais, ou outros sinais diferentes. Não te parece?

ADEODATO

– Está claro.

AGOSTINHO

– Diz-me, então: os sinais que são palavras sob qual sentido recaem?

ADEODATO

– O ouvido.

AGOSTINHO

– E o gesto?

ADEODATO

– A vista.

AGOSTINHO

– Como? Por acaso, as palavras escritas, não serão também palavras? Ou, para ser exacto, não serão entendidas como sinais de palavras, sendo a palavra o que se profere, com certo significado, articulando a voz? Mas a voz só pode ser percebida pelo sentido do ouvido; disso resulta que, quando se escreve uma palavra, se apresenta um sinal aos olhos, que suscita na mente o que será percebido com o ouvido.

ADEODATO

– Concordo plenamente.

AGOSTINHO

– Creio que também concordarás em reconhecer que quando dizemos “nome” queremos significar algo.

ADEODATO

– É verdade.

AGOSTINHO

– Mas o quê, afinal?

ADEODATO

– Naturalmente aquilo cujo nome se profere, como Rómulo, Roma, virtude, rio e incontáveis coisas.

AGOSTINHO

– Estes quatro nomes significam alguma coisa?

ADEODATO

– Sim, algumas coisas.

AGOSTINHO

– Achas que há diferença entre estes nomes e as coisas que eles significam?

ADEODATO

– Muitíssima.

AGOSTINHO

– Gostaria de ouvir de ti qual é esta diferença.

ADEODATO

– Em primeiro lugar, estes são sinais e aquelas não o são.

AGOSTINHO

– Concordas em que chamemos de “significáveis” as coisas que podem ser expressas pelos sinais, e não são sinais em si mesmas, assim como chamamos de “visíveis” as que podem ser vistas, para depois discutirmos sobre elas mais comodamente?

ADEODATO

– Concordo.

AGOSTINHO

– E os quatro sinais que antes proferiste podem ser significados por qualquer outro sinal?

ADEODATO

– Admira-me que penses eu ter esquecido aquilo que ficou assente, isto é: que as letras escritas são sinais de sinais, ou seja, sinais dos sons que a voz articula.

AGOSTINHO

– Que diferença há entre eles?

ADEODATO

– Aquelas (as letras escritas) são visíveis, e estes (os sons articulados pela voz), audíveis.
Terás alguma dificuldade em aceitar este adjectivo, “audíveis”, uma vez que admitimos “significáveis”?

AGOSTINHO

– Certamente que o aceito, e com agrado. Contudo, ainda pergunto se esses quatro sinais podem ser expressos por algum outro sinal audível, como lembraste acontecer com os visíveis.

ADEODATO

– Sim, isto também foi mencionado há pouco. Por isso respondi que o nome significa algo, e ao significado associei esses quatro nomes; e aqueles e estes, posto que se proferem com a voz, reconheço serem audíveis.

AGOSTINHO

– Qual é, pois, a diferença, entre o sinal audível e as coisas audíveis que significa que, por sua vez, também são sinais?

ADEODATO

– Entre o nome e estas quatro coisas que associamos ao seu significado, parece-me haver esta diferença: o nome é sinal audível dos sinais audíveis, enquanto as coisas audíveis são também sinais audíveis, mas não de sinais audíveis, e sim de coisas em parte também visíveis, como Rómulo, Roma, rio e em parte inteligíveis, como virtude.

AGOSTINHO

– Aceito e concordo; mas sabes que é a palavra tudo aquilo que é proferido com a voz e que traz em si algum significado?

ADEODATO

– Sei.

AGOSTINHO

– Logo, o nome também é palavra, pois é proferido articulando a voz e tem um significado; e se afirmamos que um homem eloquente utiliza palavras apropriadas, sem dúvida queremos dizer que usa nomes. Portanto, quando, em Terêncio, o escravo fala ao velho patrão: “Rogo que digas boas palavras”, entende “nomes”.

ADEODATO

– Concordo.

AGOSTINHO

– Gostaria que me respondesses também a isto: vimos ser a palavra sinal do nome e o nome sinal do rio e o rio sinal de uma coisa visível, e como reconheceste a diferença entre esta coisa e o rio, isto é, o seu sinal, e entre este sinal e o nome que é sinal deste sinal, qual julgas que seja a diferença entre o sinal do nome que dissemos ser a palavra e o mesmo nome de que ela é sinal?

ADEODATO

– Julgo que a diferença seja a seguinte: o que é significado com o nome é significado também com a palavra; como, pois, nome é palavra, assim também rio é palavra; mas nem tudo o que é significado com a palavra o é pelo nome. também aquele “si” (se) que principia o verso que propuseste, e aquele “ex” (de) do qual tratamos tão longamente, arrazoando até chegarmos à presente questão, são palavras, mas não nomes, e podemos encontrar inúmeros exemplos como estes. Pois, como todos os nomes são palavras, mas nem todas as palavras são nomes, julgo estar clara a diferença entre a palavra e nome, isto é, entre o sinal daquele sinal que não significa nenhum outro sinal e o sinal daquele sinal que pode significar outros.

AGOSTINHO

– Concedes que todo cavalo é animal, mas nem todo o animal é cavalo?

ADEODATO

– Haverá como duvidar?

AGOSTINHO

– Pois bem, entre nome e palavra existe a mesma relação que há entre cavalo e animal. A menos que discordes pelo facto de que por “verbum”, além de “palavra”, pode entender-se “verbo”, isto é, aquela parte do discurso que descreve acção e se declina, como “escrevo”, “escrevi”, “leio”, “li”, o que obviamente não são nomes.

ADEODATO

– Acabas de esclarecer o que me suscitava dúvidas.

AGOSTINHO

– Isto não deve preocupar-te. Na verdade, em geral, chamamos sinais a tudo o que contém um significado, dentre os quais encontramos também as palavras. Ainda chamamos sinais (insígnias) às bandeiras militares, que são sinais propriamente ditos, o que não se poderia afirmar das palavras. Todavia, se te dissesse que todo cavalo é animal, mas nem todo o animal é cavalo, assim como toda palavra é sinal, mas nem todo sinal é palavra, creio que não restaria dúvida alguma.

ADEODATO

– Entendo sim, e concordo plenamente, que entre “palavra” tomada em sentido geral de “nome” existe a mesma diferença que há entre animal e cavalo.

AGOSTINHO

– Sabes também que, quando dizemos animal, este nome trissílabo, que a voz profere, não é a mesma coisa que com ele se significa?

ADEODATO

– Já concordamos sobre isto há pouco, a respeito de todos os sinais e de todos os significáveis.

AGOSTINHO

– Não te parece que todos os sinais significam uma coisa distinta deles próprios, pois ao pronunciarmos este trissílabo – animal – de modo algum significaremos aquilo que ele mesmo é?

ADEODATO

– Não, certamente; pois quando dizemos sinal, este significa todos os outros sinais, quaisquer que sejam, incluindo a si mesmo também, pois é uma palavra, e, como vimos, todas as palavras são sinais.

AGOSTINHO

– E quando proferimos o dissílabo “verbum” (palavra), não acontece algo semelhante?
Pois, se tudo o que proferimos com algum significado é também significado por este dissílabo, ele também está incluído no género dos sinais.

ADEODATO

– Assim é.

(cont)


(Revisão de versão portuguesa por ama

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