Os
discípulos, todavia - escreve S. João - não sabiam que era Jesus. Disse-lhes,
pois, Jesus: Moços, tendes alguma coisa de comer?
Esta
cena tão familiar de Cristo, a mim, enche-me de alegria.
Que
diga isto Jesus Cristo, Deus!
Ele,
que já tem corpo glorioso!
Lançai
a rede para o lado direito da barca e encontrareis.
Lançaram
a rede e já não a podiam tirar por causa da grande quantidade de peixes.
Agora
compreendem.
Recordam
o que tinham ouvido tantas vezes dos lábios do Mestre: pescadores de homens,
apóstolos!...
E
compreendem que tudo é possível, porque é Ele quem dirige a pesca.
Então
aquele discípulo que Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor!
O
amor vê.
E
de longe.
O
amor é o primeiro a captar aquela delicadeza.
O
Apóstolo adolescente, com o firme carinho que sentia por Jesus, pois amava
Cristo com toda a pureza e toda a ternura de um coração que nunca se
corrompera, exclamou: É o Senhor!
Simão
Pedro, mal ouviu dizer que era o Senhor, cingiu a túnica e lançou-se ao mar.
Pedro
é a fé.
E lança-se ao mar, com uma audácia
maravilhosa.
Com
o amor de João e a fé de Pedro, aonde podemos nós chegar!?
267
As almas são de Deus
Os
outros discípulos foram com a barca, porque não estavam distantes de terra,
senão duzentos côvados, tirando a rede cheia de peixes. Em seguida põem a pesca
aos pés do Senhor, porque é sua, para que aprendamos que as almas são de Deus,
que ninguém nesta terra pode atribuir a si mesmo essa propriedade, que o
apostolado da Igreja - a palavra e a realidade da salvação - não se baseia no
prestígio de algumas pessoas, mas na graça divina.
Jesus
Cristo interroga Pedro por três vezes, como se lhe quisesse dar a oportunidade
de reparar a sua tripla negação.
Pedro
já aprendeu, escarmentado com a sua própria miséria: está profundamente
convencido de que são inúteis aqueles seus alardes temerários; tem consciência
da sua debilidade.
Por
isso, põe tudo nas mãos de Cristo: Senhor, tu sabes que eu te amo... Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te
amo.
E
que responde Cristo?
Apascenta os meus cordeiros;
apascenta as minhas ovelhas.
Não
as tuas, não as vossas; as minhas!
Porque
foi Ele quem criou o homem, Ele quem o redimiu, Ele quem comprou cada alma, uma
a uma, repito, com o preço do seu Sangue.
Quando
os donatistas, no século V, lançavam os seus ataques contra os católicos,
diziam ser impossível que o bispo de Hipona, Agostinho, professasse a verdade,
porque tinha sido um grande pecador. E Santo Agostinho sugeria aos seus irmãos
na fé como haviam de replicar: Agostinho é bispo na Igreja Católica.
Ele
leva a carga, de que há-de dar contas a Deus.
Conheci-o
entre os bons.
Se
é mau, ele o sabe; se é bom, nem por isso deposito nele a minha esperança.
Porque
a primeira coisa que aprendi na Igreja Católica foi a não pôr a minha esperança
num homem.
Não
fazemos o nosso apostolado.
Então,
como havemos de dizer?
Fazemos
- porque Deus o quer, porque assim no-lo mandou: ide por todo o mundo e pregai
o Evangelho - o apostolado de Cristo.
Os
erros são nossos; os frutos, do Senhor.
268
Audácia para falar de Deus
E
como realizaremos esse apostolado?
Antes
de mais, com o exemplo, vivendo de acordo com a Vontade do Pai, como Jesus
Cristo nos revelou com a sua vida e os seus ensinamentos.
Fé
verdadeira é aquela que não permite que as acções contradigam o que se afirma
com as palavras.
Devemos
medir a autenticidade da nossa fé examinando a nossa conduta pessoal. Se não
nos esforçamos por realizar com os nossos actos o que confessamos com os
lábios, não somos sinceramente crentes
269
Vem
agora a propósito recordar um episódio que põe em evidência o esplêndido vigor
apostólico dos primeiros cristãos.
Não
tinha passado um quarto de século desde que Jesus subira aos céus e já em
muitas cidades e povoados se propagava a sua fama.
A
Éfeso chega um homem chamado Apolo, varão eloquente e versado nas Escrituras.
Estava
instruído no caminho do Senhor; pregava com fervor de espírito e ensinava com
exactidão o que dizia respeito a Jesus, embora só conhecesse o baptismo de
João.
Na
mente desse homem já se tinha insinuado a luz de Cristo.
Ouvira
falar d'Ele e anuncia-o aos outros.
Mas
ainda lhe faltava um pouco de caminho para se informar melhor, abraçar totalmente
a fé e amar deveras o Senhor.
Áquila
e Priscila, um casal em que ambos são cristãos, ouvem as suas palavras e não
ficam inactivos, indiferentes.
Não
pensam: este já sabe bastante; não temos por que lhe dar lições.
Como
eram almas com autêntica preocupação apostólica, foram ter com Apolo,
levaram-no consigo e instruíram-no mais a fundo na doutrina do Senhor.
270
Admirai
também o comportamento de S. Paulo: prisioneiro, por divulgar os ensinamentos
de Cristo, não desaproveita ocasião alguma para difundir o Evangelho. Diante de
Festo e Agripa, não duvida em declarar: Graças
ao auxílio de Deus, perseverei até ao dia de hoje, dando testemunho da verdade
a pequenos e grandes, não pregando senão o que Moisés e os profetas disseram
que havia de suceder: que Cristo havia de padecer, e que seria o primeiro a
ressuscitar dos mortos, e que anunciaria a luz a este povo e aos gentios.
O
apóstolo não se cala, não oculta a sua fé nem a actividade apostólica que tinha
provocado o ódio dos seus perseguidores; continua a anunciar a salvação a toda
a gente.
E
com uma audácia maravilhosa enfrenta-se com Agripa: Crês, ó rei Agripa, nos profetas? Eu sei que crês.
Quando
Agripa comenta: Por pouco não me
persuades a fazer-me cristão, Paulo disse-lhe: Prouvera a Deus que, por pouco ou muito, não somente tu, mas também
quantos me ouvem se fizessem hoje tais como eu sou, menos estas cadeias.
271
Donde
tirava S. Paulo esta força?
Omnia possum in eo qui me
confortat!
Tudo
posso, porque só Deus me dá esta fé, esta esperança, esta caridade.
Custa-me
muito acreditar na eficácia sobrenatural de um apostolado que não esteja
apoiado, solidamente centrado, numa vida de contínua intimidade com o Senhor.
E
isto no meio do trabalho, dentro de casa ou no meio da rua, com todos os
problemas mais ou menos importantes que surgem todos o dias.
Em
qualquer sítio onde se esteja, mas com o coração em Deus.
E
então as nossas palavras e as nossas acções - até as nossas misérias! -
exalarão o bonus odor Christi, o bom
odor de Cristo, que os outros forçosamente hão-de sentir: aí está um verdadeiro
cristão.
272
Se
cedesses à tentação de perguntar a ti mesmo: quem me manda a mim meter-me
nisto? teria de responder-te: manda-to, pede-to o próprio Cristo.
A
messe é grande e os operários são poucos.
Rogai,
pois, ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe.
Não
digas, comodamente: eu para isto não sirvo; para isto já há outros; não estou
feito para isto...
Não.
Para
isto não há outros.
Se
tu pudesses falar assim, todos podiam dizer a mesma coisa.
O
pedido de Cristo dirige-se a todos e cada um dos cristãos. Ninguém está
dispensado: nem por razões de idade, nem de saúde, nem de ocupação.
Não
há desculpas de nenhum género.
Ou
produzimos frutos de apostolado ou a nossa fé será estéril.
273
Além
disso, quem disse que para falar de Cristo, para difundir a sua doutrina, era
preciso fazer coisas especiais, fora do comum?
Faz
a tua vida normal; trabalha onde estás a trabalhar, procurando cumprir os
deveres do teu estado, acabar bem o que é próprio da tua profissão ou do teu
ofício, superando-te, melhorando-te dia-a-dia.
Sê
leal, compreensivo com os outros e exigente contigo mesmo.
Sê
mortificado e alegre.
Será
esse o teu apostolado.
E,
sem saberes porquê, tendo perfeita consciência das tuas misérias, os que te
rodeiam virão ter contigo e, numa conversa natural, simples - à saída do
trabalho, numa reunião familiar, no autocarro, ao dar um passeio, em qualquer
parte - falareis de inquietações que em todas as almas existem, embora às vezes
alguns não queiram dar por isso.
Mas
cada vez as perceberão melhor, desde que comecem a procurar Deus a sério.
Pede
a Maria, Regina apostolorum, que te
decidas a participar nas ânsias de sementeira e de pesca que estão no Coração
do seu Filho. Garanto-te que, se começares, terás a barca cheia, como os
pescadores da Galileia.
E
Cristo na margem, à tua espera. Porque a pesca é sua.
(cont)
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