162
O
colírio da nossa própria fraqueza
Se vos examinardes com valentia na presença
de Deus, vós, tal como eu, sentir-vos-eis diariamente carregados de muitos
erros.
Quando
lutamos por arrancá-los com a ajuda divina, carecem de verdadeira importância e
podem ser superados, embora pareça que nunca conseguimos desarraigá-los
totalmente.
Além
disso, independentemente dessas fraquezas, tu contribuirás para remediar as
grandes deficiências dos outros, sempre que te empenhares em corresponder à
graça de Deus.
Reconhecendo-te
tão fraco como eles - capaz de todos os erros e de todos os horrores - serás
mais compreensivo, mais delicado e, ao mesmo tempo, mais exigente, para que
todos nos decidamos a amar a Deus com o coração inteiro.
Nós, os cristãos, os filhos de Deus, temos de
prestar assistência aos outros, pondo em prática honradamente o que aqueles
hipócritas retorcidamente elogiavam ao Mestre: Não olhas à condição das
pessoas.
Isto
é, havemos de rejeitar por completo a acepção de pessoas - interessam-nos todas
as almas! - embora, logicamente, devamos começar por ocupar-nos daquelas que,
por esta ou aquela circunstância, e até só por motivos aparentemente humanos,
Deus colocou ao nosso lado.
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Et
viam Dei in veritate doces, e ensinas com verdade o caminho de
Deus - continuam eles.
Ensinar,
ensinar, ensinar!
Mostrar
os caminhos de Deus segundo a pura verdade!
Não
deves assustar-te por verem os teus defeitos; os teus e os meus; eu tenho o
desejo de os tornar públicos, contando a minha luta, o meu empenho de
rectificar este ou aquele ponto da minha luta por ser leal ao Senhor.
O esforço por eliminar e vencer essas
misérias já será um modo de indicar os caminhos divinos: primeiro, e apesar dos
nossos erros manifestos, com o testemunho da nossa vida; depois, com a
doutrina, como nosso Senhor, que coepit
facere et docere, começou pelas obras e mais tarde se dedicou a pregar.
Depois de vos confirmar que este sacerdote
vos quer muito e que o Pai do Céu vos quer mais, porque é infinitamente bom,
porque é infinitamente Pai; depois de vos dizer que não posso lançar-vos nada à
cara, considero, no entanto, que tenho de ajudar-vos a amar Jesus Cristo e a
Igreja, seu rebanho, porque nisto penso que não me ganhais: emulais-me, mas não
me ganhais.
Quando
vos aponto algum erro através da pregação ou nas conversas pessoais com cada um
de vós, não é para vos fazer sofrer; move-me exclusivamente o empenho de
amarmos mais o Senhor.
E
ao insistir na necessidade de praticar as virtudes, não perco de vista que essa
necessidade também se impõe a mim.
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Certa ocasião ouvi dizer a um superficial que
a experiência das nossas quedas serve para voltar a cair cem vezes no mesmo
erro.
Eu,
pelo contrário, digo-vos que uma pessoa prudente aproveita esses reveses para
ficar escarmentada, para aprender a fazer o bem, para renovar a decisão de ser
mais santa.
Da
experiência dos vossos fracassos e triunfos no serviço de Deus tirai sempre,
juntamente com o aumento do amor, um empenho mais firme de prosseguir no
cumprimento dos vossos direitos de cidadãos cristãos, custe o que custar; sem
cobardias, sem fugir às honras nem às responsabilidades, sem nos assustarmos
perante as reacções que se levantem ao nosso redor - provenientes talvez de
falsos irmãos - quando procuramos leal e nobremente a glória de Deus e o bem
dos outros.
Portanto, temos de ser prudentes.
Para
quê?
Para
sermos justos, para vivermos a caridade, para servirmos eficazmente Deus e
todas as almas.
Com
muita razão se chamou à prudência genitrix
virtutum, mãe de todas as virtudes, e também auriga virtutum, guia de todos os bons hábitos.
165
A
cada um o que lhe pertence
Lede com atenção o episódio evangélico para
aproveitar essas estupendas lições acerca das virtudes que devem iluminar o
nosso modo de proceder.
Acabado
o preâmbulo hipócrita e adulador, os fariseus e os herodianos apresentam o seu
problema: Que te parece? É lícito ou não
pagar tributo a César?
Notai
agora a sua astúcia - escreve S. João Crisóstomo - porque não lhe dizem:
"explica-nos o que é bom, o que é conveniente, o que é lícito", mas
"diz-nos o que te parece".
Estavam
obcecados por atraiçoá-lo e torná-lo odioso ao poder político.
Mas
Jesus, conhecendo-lhes a malícia, retorquiu: Porque me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. Eles
apresentaram-lhe um denário. De quem é, perguntou, essa imagem e a inscrição?
De César, responderam. Disse-lhes então: Dai, pois, a César o que é de César e
a Deus o que é de Deus.
Já estais a ver que o dilema é antigo, assim
como é clara e inequívoca a resposta do Mestre.
Não
há, não existe nenhuma contradição entre servir a Deus e servir os outros;
entre o exercício dos nossos direitos e deveres cívicos, e os religiosos; entre
o empenho por construir e melhorar a cidade temporal e a convicção de que
passamos por este mundo como por um caminho que nos leva à pátria celeste.
Também aqui se manifesta a unidade de vida
que - não me cansarei de o repetir - é uma condição essencial para os que
procuram santificar-se no meio das circunstâncias ordinárias do trabalho, das
relações familiares e sociais.
Jesus
não admite essa divisão: Ninguém pode
servir a dois senhores, porque, ou há-de ter aversão a um e amar o outro, ou se
dedicará a um e desprezará o outro.
A escolha exclusiva de Deus feita por um
cristão quando responde plenamente ao seu chamamento, leva-o a dirigir tudo ao
Senhor e, ao mesmo tempo, a dar ao próximo tudo o que em justiça lhe
corresponde.
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Não é lícito escudar-se em razões
aparentemente piedosas para espoliar os outros do que lhes pertence: Se alguém
diz: "Eu amo a Deus" mas odeia o seu irmão, é mentiroso.
Mas
também se engana a si mesmo quem regateia ao Senhor o amor e a reverência - a
adoração - que lhe são devidos como Criador e nosso Pai; a quem se nega a
obedecer aos seus mandamentos com a falsa desculpa de que algum deles é
incompatível com o serviço dos homens claramente adverte S. João que nisto
conhecemos que amamos os filhos de Deus: Se amamos a Deus e guardamos os seus
mandamentos.
Porque
o amor de Deus consiste em guardar os seus mandamentos; e os seus mandamentos
não são pesados.
Talvez tenhais de escutar muitos que peroram
e inventam teorias com o fim de reduzirem - em nome da funcionalidade, quando
não da caridade! - as manifestações de respeito e de homenagem a Deus.
Tudo
o que seja para honrar o Senhor lhes parece excessivo.
Não
façais caso deles; vós continuai o vosso caminho.
Essas
elucubrações não passam de controvérsias que não conduzem a nada, a não ser
escandalizar as almas e impedir que se cumpra o preceito de Jesus Cristo de dar
a cada um o que lhe pertence, de praticar com delicada inteireza a santa virtude
da justiça.
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Deveres
de justiça para com Deus e com os homens
Gravemo-lo bem na nossa alma, para que depois
se note na nossa conduta: primeiro, justiça para com Deus.
Essa
é a pedra de toque da verdadeira fome e sede de justiça, que a distingue da
gritaria dos invejosos, dos ressentidos, dos egoístas, dos cobiçosos...
Com
efeito, negar ao nosso Cria dor e Redentor o reconhecimento dos abundantes e
inefáveis bens que nos concede é uma atitude que encerra a mais tremenda e
ingrata das injustiças.
Vós,
se vos esforçardes deveras por ser justos, considerareis frequentemente a vossa
dependência de Deus - pois, que tens tu que não tenhas recebido? - para vos
encherdes de agradecimento e de desejos de corresponder a um Pai que nos ama
loucamente.
Então avivar-se-á em vós o bom espírito de
piedade filial, que vos fará tratar Deus com ternura de coração.
Quando
os hipócritas levantarem ao vosso redor a dúvida de saber se o Senhor tem
direito a pedir-vos tanto, não vos deixeis enganar.
Pelo
contrário: ponde-vos na presença de Deus, dóceis, como a argila nas mãos do
oleiro e confessai-lhe rendidamente: Deus
meus et omnia! Tu és o meu Deus e o meu tudo!
E
se alguma vez surgir um golpe inesperado, uma tribulação imerecida por parte
dos homens, sabereis cantar com nova alegria: faça-se, cumpra-se, seja louvada
e eternamente glorificada a justíssima e amabilíssima Vontade de Deus sobre
todas as coisas!
Ámen.
Ámen.
(cont)
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