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Lembrais-vos da parábola do bom Samaritano?
Ficou
aquele homem caído no caminho, maltratado pelos ladrões que lhe roubaram tudo,
até ao último centavo.
Passam
por aquele lugar um sacerdote da Antiga Lei e pouco depois um levita; ambos
seguem o seu caminho sem se preocuparem.
Mas
um Samaritano, que ia de viagem, chegou perto dele e, vendo-o, encheu-se de
compaixão.
Aproximando-se,
ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua
própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele em tudo.
Reparai
que o Senhor não refere este exemplo só para uso de algumas almas, pois logo
acrescenta, respondendo ao que lhe tinha feito a pergunta - a cada um de nós -:
Vai, e faz tu o mesmo.
Portanto, quando nos apercebemos de que na
nossa vida ou na dos outros alguma coisa corre mal, alguma coisa precisa do
auxílio espiritual e humano, que nós, filhos de Deus, podemos e devemos
prestar, uma clara manifestação de prudência consistirá em dar-lhe remédio
oportuno, a fundo, com caridade e com fortaleza, com sinceridade.
Não
valem as inibições.
É
errado pensar que com omissões ou adiamentos se resolvem os problemas.
Sempre que a situação o requeira, a prudência
exige que se aplique o remédio totalmente e sem paliativos, depois de pôr a
chaga a descoberto.
Ao notar os menores sintomas do mal, sede
simples, verazes, quer sejais vós a curar os outros, quer sejais vós a receber
essa assistência.
Nesses
casos, deve-se permitir à pessoa que está em condições de curar em nome de Deus
que aperte de longe a zona infectada e depois de mais perto, até sair todo o
pus, de modo que o foco da infecção acabe por ficar bem limpo.
Em
primeiro lugar, temos que proceder assim connosco mesmos e com quem, por
motivos de justiça ou caridade, temos obrigação de ajudar.
Rezo
nesse sentido especialmente pelos pais e por quem se dedica a tarefas de
formação e de ensino.
158
Os
respeitos humanos
Que nenhuma razão hipócrita vos detenha;
aplicai o remédio próprio; mas fazei-o com mãos maternais, com a infinita
delicadeza das nossas mães, quando nos curavam as feridas, grandes ou pequenas,
provocadas pelas nossas brincadeiras e pelas nossas quedas da infância.
Se
é preciso esperar umas horas, espera-se; nunca mais tempo do que o
imprescindível, pois outra atitude seria comodismo, cobardia, coisa bem
diferente da prudência.
Rejeitai,
todos vós, principalmente os que tendes o encargo de formar outras pessoas, o
medo de desinfectar a ferida.
É possível que alguém sussurre arteiramente
ao ouvido dos que devem curar e não se decidem ou não querem enfrentar-se com a
sua missão: Mestre, sabemos que és verdadeiro.
Não
tolereis o elogio irónico. Os que não se esforçam por levar a cabo a sua tarefa
com diligência nem são mestres, pois não ensinam o caminho autêntico, nem são
verdadeiros, pois com a sua falsa prudência consideram exageradas ou desprezam
as normas claras - mil vezes comprovadas pela recta conduta, pela idade, pela
ciência do bom governo, pelo conhecimento da fraqueza humana e pelo amor a cada
ovelha - que nos levam a falar, a intervir, a mostrar interesse.
Os falsos mestres são dominados pelo medo de
apurar a verdade.
Aflige-os
a simples ideia - que constitui uma obrigação - de recorrer ao antídoto
doloroso em determinadas circunstâncias.
Em
tal atitude - convencei-vos disso - não há prudência, nem piedade, nem
sensatez; o que essa atitude reflecte é pusilanimidade, falta de
responsabilidade, insensatez e pouca inteligência.
Esses
são os mesmos que depois, perante o desastre, dominados pelo pânico, pretendem
atalhar o mal quando já é tarde.
Não
se lembram de que a virtude da prudência exige recolher e transmitir a tempo o
conselho sereno da maturidade, da experiência antiga, do olhar límpido, da
língua sem travas.
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Sigamos o relato de S. Mateus: Sabemos que és
verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus segundo a pura verdade.
Nunca
deixo de me surpreender perante este cinismo.
Tudo
fazem com a intenção de retorcer as palavras de Jesus, Senhor Nosso, de o
apanhar nalgum descuido e, em vez de lhe exporem lhanamente o que eles
consideravam problema insolúvel, tentam aturdir o Mestre com louvores que só
deviam sair de lábios convictos, de corações rectos.
Detenho-me
intencionalmente na análise destes matizes, para aprendermos a ser, não
desconfiados, mas prudentes; para que não aceitemos a fraude do fingimento,
mesmo que apareça revestido de frases ou de gestos que, em si mesmos, correspondem
à realidade, como sucede na passagem que estamos a contemplar: Tu não fazes
acepção de pessoas, dizem-lhe; Tu vieste para todos os homens; a Ti, nada te
impede de proclamar a verdade e de ensinar o bem....
Repito: prudentes, sim; desconfiados, não.
Concedei
a todos a mais absoluta confiança; sede muito nobres.
Para
mim, vale mais a palavra de um cristão, de um homem leal - fio-me inteiramente
de cada um - do que a assinatura autêntica de cem notários unânimes, apesar de
me terem talvez enganado nalguma ocasião por seguir este critério.
Prefiro
expor-me a que um irresponsável abuse desta confiança, a retirar a quem quer
que seja o crédito que merece como pessoa e como filho de Deus.
Garanto-vos
que nunca me senti defraudado com os resultados desta atitude.
160
Actuar
com rectidão
Se, em cada momento, não tiramos do Evangelho
consequências para a vida actual, é porque não meditamos nele suficientemente.
Muitos
de vós sois jovens; outros já entrastes na maturidade.
Todos
vós quereis, queremos todos - senão não estaríamos aqui - produzir bons frutos.
Tentamos
meter na nossa conduta o espírito de sacrifício, o empenho de negociar com o
talento que o Senhor nos confiou, porque sentimos o zelo divino pelas almas.
Mas,
apesar de tanta boa vontade, não seria a primeira vez que algum de nós cairia
nas malhas dessa rede - ex pharisæis et
herodianis - composta por pessoas que deviam defender os direitos de Deus,
visto que são cristãos, mas que, pelo contrário, de um modo ou de outro, cercam
insidiosamente outros irmãos na Fé, outros servidores do mesmo Redentor,
aliando-se e identificando-se com os interesses das forças do mal.
Sede prudentes e actuai sempre com
simplicidade, virtude tão própria dos bons filhos de Deus.
Sede
naturais na vossa linguagem e na vossa actuação.
Chegai
ao fundo dos problemas; não fiqueis à superfície.
Reparai
que é preciso contar antecipadamente com o sofrimento alheio e com o nosso, se
desejamos deveras cumprir santamente e com honradez as nossas obrigações de
cristãos.
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Não vos oculto que, quando tenho que corrigir
ou tomar uma decisão que fará sofrer alguém, padeço antes, durante e depois; e
não sou um sentimental.
Consola-me
pensar que só os animais não choram; nós, os homens, filhos de Deus, choramos.
Sei
que em determinados momentos, também vós tereis que sofrer, se vos esforçardes
por levar a cabo fielmente o vosso dever.
Não
vos esqueçais de que é mais cómodo - mas é um descaminho - evitar o sofrimento
a todo o custo, com o pretexto de não magoar o próximo; frequentemente o que se
esconde por trás desta omissão é uma vergonhosa fuga ao sofrimento próprio,
porque normalmente não é agradável fazer uma advertência séria a alguém.
Meus
filhos, lembrai-vos de que o inferno está cheio de bocas fechadas.
Estão a escutar-me vários médicos.
Desculpai
o meu atrevimento, se volto a usar um exemplo da medicina; talvez me escape
algum disparate, mas serve para comparação ascética.
Para
curar uma ferida, primeiro limpa-se esta muito bem e inclusivamente ao seu
redor, desde bastante distância.
O
médico sabe perfeitamente que isso dói, mas se omitir essa operação, depois
doerá ainda mais.
A
seguir, põe-se logo o desinfectante; arde - pica, como dizemos na minha terra -
mortifica, mas não há outra solução para a ferida não infectar.
Se para a saúde corporal é óbvio que se têm
de tomar estas medidas, mesmo que se trate de escoriações de pouca importância,
nas coisas grandes da saúde da alma - nos pontos nevrálgicos da vida do ser
humano - imaginai como será preciso lavar, como será preciso cortar, como será
preciso limpar, como será preciso desinfectar, como será preciso sofrer!
A
prudência exige-nos intervir assim e não fugir ao dever, porque não o cumprir
seria uma falta de consideração e inclusivamente um atentado grave, contra a
justiça e contra a fortaleza.
Persuadi-vos de que um cristão, se pretende
deveras proceder rectamente diante de Deus e dos homens, precisa de todas as
virtudes, pelo menos em potência.
Mas,
perguntar-me-eis: Padre, o que diz das minhas fraquezas?
Responder-vos-ei:
Porventura um médico que está doente, mesmo que a sua doença seja crónica, não
cura os outros?
A
sua doença impede-o de prescrever a outros doentes o tratamento adequado?
É
claro que não.
Para
curar, basta-lhe ter a ciência necessária e aplicá-la com o mesmo interesse com
que combate a sua própria enfermidade.
(cont)
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