01/10/2016

Leitura espiritual

Leitura Espiritual


Amigos de Deus



São Josemaria Escrivá
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Dir-me-ás talvez: e porque havia eu de me esforçar?

Não sou eu quem te responde, mas S. Paulo: o amor de Cristo urge-nos.

Todo o espaço de uma existência é pouco para alargar as fronteiras da tua caridade.
Desde os primeiríssimos começos do Opus Dei, manifestei o meu grande empenho em repetir sem cessar, para as almas generosas que se decidam a traduzi-lo em obras, aquele grito de Cristo: nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros.
Conhecer-nos-ão precisamente por isso, porque a caridade é o ponto de arranque de qualquer actividade de um cristão.

Jesus, que é a própria pureza, não garante que conhecerão os seus discípulos pela limpeza da sua vida.
Ele, que é a sobriedade, que nem sequer dispõe de uma pedra onde reclinar a cabeça, que passou tantos dias em jejum e em retiro, não diz aos Apóstolos: conhecer-vos-ão como meus escolhidos, porque não sois comilões nem bebedores.

A vida limpa de Cristo era - como foi e será em todas as épocas - uma bofetada na sociedade de então, tão podre como a de agora.
A sua sobriedade, outro látego para aqueles que se banqueteavam continuamente e provocavam o vómito depois de estarem cheios, para poderem continuar a comer, cumprindo à letra as palavras de Saulo: convertem o seu ventre num Deus.

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A humildade do Senhor era outro golpe naquele modo de consumir a vida, cada um ocupado apenas consigo mesmo.

Estando em Roma, comentei repetidas vezes, e talvez até já mo tenhais ouvido dizer, que por baixo desses arcos, hoje em ruínas, desfilavam, triunfantes, vãos, orgulhosos, cheios de soberba, os imperadores e os seus generais vitoriosos.
Ao atravessarem esses monumentos, é provável que baixassem a cabeça com receio de baterem no arco grandioso com a majestade das suas frontes. Todavia, Cristo, tão humilde, também não declara: conhecerão que sois meus discípulos, se fordes humildes e modestos.

Queria fazer-vos notar que, após vinte séculos, ainda aparece com toda a pujança de novidade o Mandato do Mestre, que é uma espécie de carta de apresentação do verdadeiro filho de Deus.

Ao longo da minha vida sacerdotal, tenho pregado com muitíssima frequência que, desgraçadamente para muitos, continua a ser novo, porque nunca ou quase nunca se esforçaram por praticá-lo.
É triste, mas é assim.
E não há dúvida nenhuma de que a afirmação do Messias ressalta de modo terminante: nisto vos conhecerão, que vos amais uns aos outros!
Por isso, sinto a necessidade de recordar constantemente essas palavras do Senhor. S. Paulo acrescenta: levai os fardos uns dos outros e, desta maneira, cumprireis a lei de Cristo.
Momentos perdidos, talvez com a falsa desculpa de que te sobra tempo... se há tantos irmãos, amigos teus, sobrecarregados de trabalho!
Com delicadeza, com cortesia, com um sorriso nos lábios, ajuda-os, de tal maneira que se torne quase impossível que o notem; e que nem se possam mostrar agradecidos, porque a discreta finura da tua caridade fez com que ela passasse inadvertida.

Não tinham tido um instante livre, argumentariam aquelas infelizes que vão com as lâmpadas vazias.
Aos operários da praça sobra-lhes a maior parte do dia, porque não se sentem obrigados a prestar serviço, embora o convite do Senhor seja contínuo e urgente desde a primeira hora.
Aceitemo-lo nós, respondendo que sim, e suportemos por amor - que já não é suportar - o peso do dia e do calor.

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Render para Deus

Consideremos agora a parábola daquele homem que, estando para empreender uma viagem, chamou os seus servos e lhes entregou os seus bens.
Confia a cada um deles uma quantia diferente, para ser administrada na sua ausência.
Parece-me muito oportuno repararmos bem na conduta daquele que aceitou um talento: comporta-se de uma forma que na minha terra se chama esperteza de cuco.
Pensa, raciocina com aquele cérebro pequenino e decide-se: cavou na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor.

Que ocupação escolherá depois este homem, se abandonou o instrumento de trabalho?
Decidiu irresponsavelmente optar pela comodidade de devolver só o que lhe entregaram.
Dedicar-se-á a matar os minutos, as horas, os dias, os meses, os anos, a vida!
Os outros afadigam-se, negoceiam, empenham-se nobremente em restituir mais do que receberam: aliás, o legítimo fruto, porque a recomendação foi muito concreta: negotiamini dum venio, encarregai-vos deste trabalho para conseguirdes algum lucro, até que o dono regresse.
Pois este não; este inutiliza a sua existência.

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Que pena viver tendo como ocupação matar o tempo, que é um tesouro de Deus!

Não há desculpas para justificar essa actuação.

Que ninguém diga: só tenho um talento, não posso ganhar nada.
Também com um só talento podes agir de modo meritório.
Que tristeza não tirar partido, autêntico rendimento de todas as faculdades, poucas ou muitas, que Deus concede ao homem para que se dedique a servir as almas e a sociedade!

Quando o cristão mata o seu tempo na Terra, coloca-se em perigo de matar o seu Céu, se, pelo seu egoísmo, se retrai, se esconde, se despreocupa.
Quem ama a Deus, não entrega só o que tem, o que é, ao serviço de Deus: dá-se a si mesmo.
Não vê - em perspectiva rasteira - o seu eu na saúde, no nome, na carreira.

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Meu, meu, meu..., pensam, dizem e fazem muitos.

Que coisa tão triste!
Comenta S. Jerónimo que, verdadeiramente, o que está escrito: "para encontrar desculpas dos pecados" (Ps CXL, 4), acontece com estas pessoas que, ao pecado de soberba, acrescentam a preguiça e a negligência.

É a soberba que afirma continuamente meu, meu, meu... é um vício que converte o homem numa criatura estéril, que lhe anula as ânsias de trabalhar por Deus e que o leva a desaproveitar o tempo.

A tua vida para ti?
A tua vida para Deus, para o bem de todos os homens, por amor ao Senhor.
Desenterra esse talento!
Torna-o produtivo e saborearás a alegria de saber que, neste negócio sobrenatural, não importa que o resultado na terra não seja uma maravilha que os homens possam admirar.
O essencial é entregarmos tudo o que somos e possuímos, procurarmos que o talento renda e empenharmo-nos continuamente em produzir bom fruto.

Deus concede-nos talvez um ano mais para o servir.
Não penses em cinco, nem em dois.
Pensa só neste: em um, no que começámos.
E entrega-o, não o enterres!
Esta há-de ser a nossa determinação.

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Junto da vinha


Havia um pai de família, que plantou uma vinha, e a cercou com uma sebe, e cavou nela um lagar, e edificou uma torre, e arrendou-a a uns lavradores, e ausentou-se daquela região.

Gostaria que meditássemos nos ensinamentos desta parábola, do ponto de vista que nos interessa agora.
A tradição viu, neste relato, uma imagem do destino do povo eleito por Deus; e ensinou-nos sobretudo como, a tanto amor da parte do Senhor, correspondemos nós, homens, com infidelidade, com falta de gratidão.

Pretendo concretamente deter-me nas palavras ausentou-se daquela região.
Chego logo à conclusão de que nós, cristãos, não devemos abandonar esta vinha em que nos meteu o Senhor.
Temos de empregar as nossas forças nesta tarefa, dentro da cerca, trabalhando no lagar e, acabada a jornada, descansando na torre.
Se nos deixássemos arrastar pelo comodismo, seria o mesmo que responder a Cristo: os meus anos são para mim; não para Ti.
Não quero decidir-me a tratar da tua vinha.

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O Senhor deu-nos a vida, os sentidos, as potências, graças sem conta.
E não temos o direito de esquecer que somos, cada um, um operário, entre tantos, nesta fazenda em que ele nos colocou, para colaborar na tarefa de dar alimento aos outros.
Este é o nosso sítio: dentro destes limites.
Aqui temos nós de nos gastar diariamente com ele, ajudando-o no seu trabalho redentor.

Deixai-me que insista: o teu tempo para ti?
O teu tempo para Deus!
Pode ser que, pela misericórdia do Senhor, esse egoísmo não tenha entrado de momento na tua alma.
Digo-te isto desde já, para estares prevenido no caso de sentires alguma vez que o teu coração vacila na fé de Cristo.
Então, peço-te - pede-te Deus - que sejas fiel no teu empenhamento, que domines a soberba, que sujeites a imaginação, que não te deixes ir longe demais por leviandade, que não desertes.

Àqueles jornaleiros que estavam no meio da praça sobrava-lhes todo o dia; o que escondeu o talento na terra queria matar as horas; o que se devia ocupar da vinha vai para outro lado.
Todos demonstram a mesma insensibilidade perante a grande tarefa que a cada um dos cristãos foi encomendada pelo Mestre - a de nos considerarmos e de nos comportarmos como instrumentos seus, para corredimir com Ele; a de consumirmos toda a vida no alegre sacrifício de nos entregarmos pelo bem das almas.

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A figueira estéril

Também é S. Mateus quem nos conta que Jesus voltava de Betânia com fome.

A mim comove-me sempre Cristo - particularmente quando vejo que é Homem verdadeiro e perfeito, sendo também perfeito Deus - que nos ensina a aproveitar até a nossa indigência e as nossas debilidades naturais e pessoais, a fim de nos oferecermos integralmente - tal como somos - ao Pai, que aceita gostosamente esse holocausto.

Tinha fome!
O Criador do universo, o Senhor de todas as coisas padece fome!
Senhor, agradeço-Te que - por inspiração divina - o escritor sagrado tenha deixado esse sinal nesta passagem, com um pormenor que me obriga a amar-Te mais, que me ensina a desejar vivamente a contemplação da tua Humanidade Santíssima! Perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus e perfeito Homem, de carne e osso, como tu, como eu!

(cont)


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