26/09/2016

Leitura espiritual

Leitura Espiritual


Amigos de Deus



São Josemaria Escrivá

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Talvez - examina-te a fundo - também nós não mereçamos o elogio que esse cura de aldeia fazia à burra.
Trabalhámos muito, ocupámos tantos cargos de responsabilidade, triunfaste nesta e naquela tarefa humana... mas, na presença de Deus, não encontras nada de que devas lamentar-te?
Procuraste de verdade servir a Deus e aos homens teus irmãos, ou fomentaste o teu egoísmo, a tua glória pessoal, as tuas ambições, o teu êxito exclusivamente terreno e penosamente caduco?

Se falo um pouco cruamente, é porque quero fazer uma vez mais um acto de contrição muito sincero e porque queria que cada um de vocês também pedisse perdão.
Perante as nossas infidelidades, à vista de tantos enganos, de fraquezas, de cobardias - cada um com as suas -, repitamos do fundo do coração a Nosso Senhor aquelas exclamações contritas de S. Pedro: Domine, tu omnia nosti, tu scis quia amo te!; Senhor! Tu sabes tudo, Tu sabes que te amo, apesar das minhas misérias!
E atrevo-me a acrescentar: Tu sabes que te amo, precisamente por causa dessas minhas misérias, pois elas levam-me a apoiar-me em Ti, que és a fortaleza: quia Tu es, Deus, fortitudo mea.
E a partir daqui, recomecemos.

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Procurar a presença de Deus

Vida interior.
Santidade nas tarefas usuais, santidade nas coisas pequenas, santidade no trabalho profissional, nas canseiras de todos os dias...; santidade para santificar os outros.
Numa certa ocasião, um meu conhecido - nunca hei-de chegar a conhecê-lo bem - sonhava que ia a voar num avião a uma grande altura, mas não dentro da cabine; ia montado nas asas.
Coitado do desgraçado: como sofria e se angustiava!
Parecia que Nosso Senhor lhe dava a conhecer que assim andam pelas alturas - inseguras, inquietas - as almas apostólicas que não têm vida interior ou que a descuidam: com o perigo constante de caírem, sofrendo, incertas.

E penso, efectivamente, que correm um sério risco de se extraviarem os que se lançam à acção - ao activismo - prescindindo da oração, do sacrifício e dos meios indispensáveis para conseguir uma piedade sólida: a frequência dos Sacramentos, a meditação, o exame de consciência, a leitura espiritual, a convivência assídua com a Virgem Santíssima e com os Anjos da Guarda...
Tudo isto contribui, além disso, com uma eficácia insubstituível, para que o caminho do cristão seja tão agradável, porque da sua riqueza interior jorram a doçura e a felicidade de Deus como o mel do favo.

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Na intimidade pessoal, na conduta externa, no convívio com os outros, no trabalho, cada um há-de procurar manter-se numa contínua presença de Deus, com uma conversa - um diálogo - que não se manifesta exteriormente.
Melhor dito, não se exprime normalmente com ruído de palavras, mas há-de notar-se pelo empenho e pela diligência amorosa com que acabamos bem as tarefas, tanto as importantes como as insignificantes. Se não procedêssemos com essa constância, seríamos pouco coerentes com a nossa condição de filhos de Deus, pois teríamos desperdiçado os recursos que Nosso Senhor colocou providencialmente ao nosso alcance, para chegarmos ao estado de homem perfeito, à medida da idade perfeita segundo Cristo.

Durante a última guerra de Espanha, fazia viagens com frequência para atender sacerdotalmente muitos rapazes que se encontravam na frente da batalha.
Numa trincheira, ouvi um diálogo que me ficou muito gravado.
Perto de Teruel, um soldado bastante novo comentava acerca de outro, pelos vistos um pouco indeciso, pusilânime: não é um homem às direitas!
Teria um grande desgosto se se pudesse afirmar de qualquer de nós, com fundamento, que somos incoerentes; homens que afirmam que querem ser autenticamente cristãos, santos, mas que desprezam os meios, já que não manifestam continuamente a Deus o seu carinho e o seu amor filial no cumprimento das suas obrigações. Se a nossa actuação se revelasse assim, tu e eu também não seríamos cristãos íntegros.

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Procuremos fomentar no fundo do coração um desejo ardente, um empenho grande por alcançar a santidade, apesar de nos vermos cheios de misérias.
Não se assustem; à medida que se avança na vida interior, conhecem-se com mais clareza os defeitos pessoais.
O que acontece é que a ajuda da graça se transforma como que numa lente de aumentar e o mais pequeno cotão, o grãozinho de areia quase imperceptível aparecem com dimensões gigantescas, porque a alma adquire a finura divina e até a sombra mais pequena incomoda a consciência, que só gosta da limpeza de Deus.
Diz-lhe agora, do fundo do coração: Senhor, a sério que quero ser santo, a sério que quero ser um teu discípulo digno e seguir-te sem condições.
E depois, hás-de propor a ti próprio a intenção de renovar diariamente os grandes ideais que te animam nestes momentos.

Jesus, se nós, que nos reunimos no teu Amor, fôssemos perseverantes!
Se conseguíssemos traduzir em obras esses anseios de santidade que Tu próprio despertas nas nossas almas!

Perguntemo-nos a nós próprios com frequência: para que estou eu na terra?

E assim hão-de procurar acabar perfeitamente - com muita caridade - as tarefas que empreenderem em cada dia e cuidar das coisas pequenas.
Debrucemo-nos sobre o exemplo dos santos: pessoas como nós, de carne e osso, com fraquezas e debilidades, que souberam vencer e vencer-se por amor de Deus; consideremos a sua conduta e - como as abelhas que destilam de cada flor o néctar mais precioso - aproveitemo-nos das suas lutas.
Assim também havemos de aprender a descobrir muitas virtudes nos que nos rodeiam - dão-nos lições de trabalho, de abnegação, de alegria... - sem nos determos demasiado nos seus defeitos; só quando for imprescindível, para os ajudar com a correcção fraterna.

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Na barca de Cristo

Como a Nosso Senhor, também a mim me agrada muito falar de barcas e de redes, para todos tirarmos propósitos firmes e concretos dessas cenas evangélicas.

S. Lucas conta-nos que uns pescadores lavavam e remendavam as redes à beira do lago de Genesaré. Jesus aproxima-se de uma daquelas naves atracadas na margem e sobe a uma delas, a de Simão.
Com que naturalidade se mete o Mestre na vida de cada um de nós para nos complicar a vida, como se repete por aí em tom de queixa. Nosso Senhor cruzou-se convosco e comigo no nosso caminho, para nos complicar a existência, delicadamente, amorosamente.

Depois de pregar da barca de Pedro, dirige-se aos pescadores: duc in altum, et laxate retia vestra in capturam, remai para o mar alto e lançai as redes!

Fiados na palavra de Cristo, obedecem e obtêm aquela pesca prodigiosa.
Olhando para Pedro que, como Tiago e João, estava pasmado, Nosso Senhor explica-lhe: não tenhas medo; desta hora em diante serás pescador de homens.
E, trazidas as barcas para terra, deixando tudo, seguiram-no.

A tua barca - os teus talentos, as tuas aspirações, os teus êxitos - não vale para nada, a não ser que a ponhas à disposição de Jesus Cristo, que permitas que Ele possa entrar nela com liberdade, que não a convertas num ídolo.
Sozinho, com a tua barca, se prescindires do Mestre, sobrenaturalmente falando, encaminhas-te directamente para o naufrágio.
Só se admitires, se procurares a presença e o governo de Nosso Senhor, estarás a salvo das tempestades e dos reveses da vida.
Põe tudo nas mãos de Deus: que os teus pensamentos, as aventuras boas da tua imaginação, as tuas ambições humanas nobres, os teus amores limpos, passem pelo coração de Cristo.
De outra forma, mais tarde ou mais cedo, irão a pique com o teu egoísmo.

(cont)


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