Leitura Espiritual
Amigos de Deus |
São Josemaria Escrivá
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Talvez - examina-te a fundo - também nós não
mereçamos o elogio que esse cura de aldeia fazia à burra.
Trabalhámos
muito, ocupámos tantos cargos de responsabilidade, triunfaste nesta e naquela
tarefa humana... mas, na presença de Deus, não encontras nada de que devas
lamentar-te?
Procuraste
de verdade servir a Deus e aos homens teus irmãos, ou fomentaste o teu egoísmo,
a tua glória pessoal, as tuas ambições, o teu êxito exclusivamente terreno e
penosamente caduco?
Se falo um pouco cruamente, é porque quero
fazer uma vez mais um acto de contrição muito sincero e porque queria que cada
um de vocês também pedisse perdão.
Perante
as nossas infidelidades, à vista de tantos enganos, de fraquezas, de cobardias
- cada um com as suas -, repitamos do fundo do coração a Nosso Senhor aquelas
exclamações contritas de S. Pedro: Domine,
tu omnia nosti, tu scis quia amo te!; Senhor! Tu sabes tudo, Tu sabes que
te amo, apesar das minhas misérias!
E
atrevo-me a acrescentar: Tu sabes que te amo, precisamente por causa dessas
minhas misérias, pois elas levam-me a apoiar-me em Ti, que és a fortaleza: quia Tu es, Deus, fortitudo mea.
E
a partir daqui, recomecemos.
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Procurar
a presença de Deus
Vida interior.
Santidade
nas tarefas usuais, santidade nas coisas pequenas, santidade no trabalho
profissional, nas canseiras de todos os dias...; santidade para santificar os
outros.
Numa
certa ocasião, um meu conhecido - nunca hei-de chegar a conhecê-lo bem -
sonhava que ia a voar num avião a uma grande altura, mas não dentro da cabine;
ia montado nas asas.
Coitado
do desgraçado: como sofria e se angustiava!
Parecia
que Nosso Senhor lhe dava a conhecer que assim andam pelas alturas - inseguras,
inquietas - as almas apostólicas que não têm vida interior ou que a descuidam:
com o perigo constante de caírem, sofrendo, incertas.
E penso, efectivamente, que correm um sério risco
de se extraviarem os que se lançam à acção - ao activismo - prescindindo da
oração, do sacrifício e dos meios indispensáveis para conseguir uma piedade
sólida: a frequência dos Sacramentos, a meditação, o exame de consciência, a
leitura espiritual, a convivência assídua com a Virgem Santíssima e com os
Anjos da Guarda...
Tudo
isto contribui, além disso, com uma eficácia insubstituível, para que o caminho
do cristão seja tão agradável, porque da sua riqueza interior jorram a doçura e
a felicidade de Deus como o mel do favo.
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Na intimidade pessoal, na conduta externa, no
convívio com os outros, no trabalho, cada um há-de procurar manter-se numa
contínua presença de Deus, com uma conversa - um diálogo - que não se manifesta
exteriormente.
Melhor
dito, não se exprime normalmente com ruído de palavras, mas há-de notar-se pelo
empenho e pela diligência amorosa com que acabamos bem as tarefas, tanto as
importantes como as insignificantes. Se não procedêssemos com essa constância,
seríamos pouco coerentes com a nossa condição de filhos de Deus, pois teríamos
desperdiçado os recursos que Nosso Senhor colocou providencialmente ao nosso
alcance, para chegarmos ao estado de homem perfeito, à medida da idade perfeita
segundo Cristo.
Durante a última guerra de Espanha, fazia
viagens com frequência para atender sacerdotalmente muitos rapazes que se
encontravam na frente da batalha.
Numa
trincheira, ouvi um diálogo que me ficou muito gravado.
Perto
de Teruel, um soldado bastante novo comentava acerca de outro, pelos vistos um
pouco indeciso, pusilânime: não é um homem às direitas!
Teria
um grande desgosto se se pudesse afirmar de qualquer de nós, com fundamento,
que somos incoerentes; homens que afirmam que querem ser autenticamente
cristãos, santos, mas que desprezam os meios, já que não manifestam
continuamente a Deus o seu carinho e o seu amor filial no cumprimento das suas
obrigações. Se a nossa actuação se revelasse assim, tu e eu também não seríamos
cristãos íntegros.
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Procuremos fomentar no fundo do coração um
desejo ardente, um empenho grande por alcançar a santidade, apesar de nos
vermos cheios de misérias.
Não
se assustem; à medida que se avança na vida interior, conhecem-se com mais
clareza os defeitos pessoais.
O
que acontece é que a ajuda da graça se transforma como que numa lente de
aumentar e o mais pequeno cotão, o grãozinho de areia quase imperceptível
aparecem com dimensões gigantescas, porque a alma adquire a finura divina e até
a sombra mais pequena incomoda a consciência, que só gosta da limpeza de Deus.
Diz-lhe
agora, do fundo do coração: Senhor, a sério que quero ser santo, a sério que
quero ser um teu discípulo digno e seguir-te sem condições.
E
depois, hás-de propor a ti próprio a intenção de renovar diariamente os grandes
ideais que te animam nestes momentos.
Jesus, se nós, que nos reunimos no teu Amor,
fôssemos perseverantes!
Se
conseguíssemos traduzir em obras esses anseios de santidade que Tu próprio
despertas nas nossas almas!
Perguntemo-nos a nós próprios com frequência:
para que estou eu na terra?
E assim hão-de procurar acabar perfeitamente
- com muita caridade - as tarefas que empreenderem em cada dia e cuidar das
coisas pequenas.
Debrucemo-nos
sobre o exemplo dos santos: pessoas como nós, de carne e osso, com fraquezas e
debilidades, que souberam vencer e vencer-se por amor de Deus; consideremos a
sua conduta e - como as abelhas que destilam de cada flor o néctar mais
precioso - aproveitemo-nos das suas lutas.
Assim
também havemos de aprender a descobrir muitas virtudes nos que nos rodeiam -
dão-nos lições de trabalho, de abnegação, de alegria... - sem nos determos
demasiado nos seus defeitos; só quando for imprescindível, para os ajudar com a
correcção fraterna.
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Na
barca de Cristo
Como a Nosso Senhor, também a mim me agrada
muito falar de barcas e de redes, para todos tirarmos propósitos firmes e
concretos dessas cenas evangélicas.
S. Lucas conta-nos que uns pescadores lavavam
e remendavam as redes à beira do lago de Genesaré. Jesus aproxima-se de uma
daquelas naves atracadas na margem e sobe a uma delas, a de Simão.
Com
que naturalidade se mete o Mestre na vida de cada um de nós para nos complicar
a vida, como se repete por aí em tom de queixa. Nosso Senhor cruzou-se convosco
e comigo no nosso caminho, para nos complicar a existência, delicadamente,
amorosamente.
Depois de pregar da barca de Pedro, dirige-se
aos pescadores: duc in altum, et laxate
retia vestra in capturam, remai para o mar alto e lançai as redes!
Fiados na palavra de Cristo, obedecem e obtêm
aquela pesca prodigiosa.
Olhando
para Pedro que, como Tiago e João, estava pasmado, Nosso Senhor explica-lhe:
não tenhas medo; desta hora em diante serás pescador de homens.
E,
trazidas as barcas para terra, deixando tudo, seguiram-no.
A tua barca - os teus talentos, as tuas
aspirações, os teus êxitos - não vale para nada, a não ser que a ponhas à
disposição de Jesus Cristo, que permitas que Ele possa entrar nela com
liberdade, que não a convertas num ídolo.
Sozinho,
com a tua barca, se prescindires do Mestre, sobrenaturalmente falando,
encaminhas-te directamente para o naufrágio.
Só
se admitires, se procurares a presença e o governo de Nosso Senhor, estarás a
salvo das tempestades e dos reveses da vida.
Põe
tudo nas mãos de Deus: que os teus pensamentos, as aventuras boas da tua
imaginação, as tuas ambições humanas nobres, os teus amores limpos, passem pelo
coração de Cristo.
De
outra forma, mais tarde ou mais cedo, irão a pique com o teu egoísmo.
(cont)
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