Leitura Espiritual Temas actuais do cristianismo |
São Josemaria Escrivá
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Há
actualmente quem defenda a teoria de que o amor justifica tudo e concluem que o
noivado é como um “matrimónio à experiência”. Não seguir o que consideram
imperativos do amor, pensam que é inautêntico e retrógrado. Que pensa desta
atitude?
Penso
o que deve pensar uma pessoa honesta e, especialmente, um cristão: que é uma
atitude indigna do homem e que degrada o amor humano, confundindo-o com o
egoísmo e com o prazer.
Retrógrados
os que não pensam ou não procedem dessa maneira? Retrógrado é antes quem
retrocede até à selva, não reconhecendo outro impulso além do instinto. O
noivado deve ser uma ocasião de aprofundar o afecto e o conhecimento mútuo. E,
como toda a escola de amor, deve ser inspirado não pela ânsia de posse, mas por
espírito de entrega, de compreensão, de respeito, de delicadeza. Por isso, há
pouco mais de um ano quis oferecer à Universidade de Navarra uma imagem de
Santa Maria, Mãe do Amor Formoso, para que os rapazes e raparigas que
frequentam aquelas Faculdades aprendessem d'Ela a nobreza do amor - do amor
humano também.
Matrimónio
à experiência? Que pouco sabe de amor quem fala assim! O amor é uma realidade
mais segura, mais real, mais humana. Algo que não se pode tratar como um
produto comercial, que se experimenta e depois se aceita ou se deita fora,
segundo o capricho, a comodidade ou o interesse.
Essa
falta de critério é tão lamentável, que nem sequer parece necessário condenar
quem pensa ou procede assim porque eles mesmo se condenam à infecundidade, à
tristeza, a um isolamento desolador, que sofrerão mal passem alguns anos. Não
posso deixar de rezar muito por eles, amá-los com toda a minha alma e tratar de
lhes fazer compreender que continuam a ter aberto o caminho de regresso a Jesus
Cristo, e que, se se empenharem a sério, poderão ser santos, cristãos íntegros,
porque não lhes faltará nem o perdão nem a graça do Senhor. Só então
compreenderão bem o que é o amor: o Amor divino e também o amor humano nobre; e
saberão o que é a paz, a alegria, a fecundidade.
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Um
grande problema feminino é o das mulheres solteiras. Referimo-nos àquelas que,
embora com vocação matrimonial, não se chegam a casar. Como não o conseguem,
perguntam-se: para que estamos nós no Mundo? Que lhes responderia?
Para
que estamos no Mundo? Para amar a Deus com todo o nosso coração e com toda a
nossa alma e para estender esse amor a todas as criaturas. Ou será que isto
parece pouco? Deus não deixa nenhuma alma abandonada a um destino cego, mas
para todas tem um desígnio, a todas chama com uma vocação pessoalíssima,
intransferível.
O
matrimónio é caminho divino, é vocação. Mas não é o único caminho, nem a única
vocação. Os planos de Deus para cada mulher não estão ligados necessariamente
ao matrimónio. Têm vocação matrimonial e não chegam a casar-se? Em algum caso
pode ser certo, e talvez tenha sido o egoísmo ou o amor-próprio o que impediu
que esse chamamento de Deus se cumprisse; mas, outras vezes, a maioria até,
isso pode ser um sinal de que o Senhor não lhes deu verdadeira vocação
matrimonial. Sim, gostam de crianças, sentem que seriam boas mães, que
entregariam o seu coração fielmente ao marido e aos filhos. Mas isso é normal
em toda a mulher, também naquelas que, por vocação divina, não se casam -
podendo fazê-lo - para se ocuparem do serviço de Deus e das almas.
Não
casaram. Pois bem, que continuem, como até agora, amando a vontade de Deus,
vivendo na intimidade desse Coração amabilíssimo de Jesus que não abandona
ninguém, que é sempre fiel, que vai olhando por nós ao longo desta vida para Se
dar a nós desde agora e para sempre.
Além
disso, a mulher pode cumprir a sua missão - como mulher, com todas as suas
características femininas, também as características afectivas da maternidade -
em círculos diferentes da própria família: em outras famílias, na escola, em
obras assistenciais, em mil lugares. A sociedade é, às vezes, muito dura - com
grande injustiça - para aquelas a quem chama solteironas. Há mulheres solteiras
que difundem à sua volta alegria, paz, eficácia, que se sabem entregar
nobremente ao serviço dos outros e ser mães, em profundidade espiritual, com
mais realidade do que muitas, que são mães apenas fisiologicamente.
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As
perguntas anteriores referiram-se ao noivado. O tema que apresento agora
refere-se já ao matrimónio que conselhos daria à mulher casada para que, com o
passar dos anos, a sua vida matrimonial continue sendo feliz, sem ceder à
monotonia?
Talvez
a questão pareça pouco importante, mas na revista recebem-se multas cartas de
leitoras interessadas por este tema.
A
mim parece-me que, com efeito, é um assunto importante, e por isso o são também
as possíveis soluções, apesar da sua aparência modesta. Para que no matrimónio
se conserve o encanto do começo, a mulher deve procurar conquistar o seu marido
em cada dia, e o mesmo teria que dizer ao marido em relação à mulher. O amor
deve ser renovado em cada novo dia, e o amor ganha-se com o sacrifício, com
sorrisos e com arte também. Se o marido chega a casa cansado de trabalhar e a
mulher começa a falar sem medida, contando-lhe tudo o que lhe parece que correu
mal, pode-se surpreender que o marido acabe por perder a paciência? Essas
coisas menos agradáveis podem-se deixar para um momento mais oportuno, quando o
marido esteja menos cansado, mais bem disposto.
Outro
pormenor: o arranjo pessoal. Se outro sacerdote vos dissesse o contrário, penso
que seria um mau conselho. À medida que uma pessoa, que deve viver no mundo,
vai avançando em idade, mais necessário se torna melhorar não só a vida
interior como - precisamente por isso - procurar estar apresentável.
Evidentemente, sempre em conformidade com a idade e as circunstâncias. Costumo
dizer, por brincadeira, que as fachadas, quanto mais envelhecidas, mais
necessidade têm de reparação. É um conselho sacerdotal. Um velho refrão
castelhano diz que la mujer compuesta saca al hombre de otra puerta, a mulher
arranjada tira o homem de outra porta.
Por
isso atrevo-me a afirmar que as mulheres têm a culpa de oitenta por cento das
infidelidades dos maridos, porque não sabem conquistá-los em cada dia, não
sabem ter pequenas amabilidades e delicadezas. A atenção da mulher casada
deve-se centrar no marido e nos filhos. Assim como a do marido se deve centrar
na mulher e nos filhos. E para fazer isto bem é preciso tempo e vontade. Tudo o
que torne impossível esta tarefa é mau, não está bem.
Não
há desculpa para não cumprir esse amável dever. Para já, não é desculpa o
trabalho fora do lar, nem sequer a própria vida de piedade, a qual, se não é
compatível com as obrigações de cada dia, não é boa, Deus não a quer. A mulher
casada tem que se ocupar primeiro do lar. Recordo uma antiga da minha terra,
que diz: La mujer que, por la iglesia, / deja el puchero quemar, / tiene la
mitad de ángel, / de diablo la otra mitad. - A mulher que, pela igreja, / deixa
esturrar a comida, / tem metade de anjo, / de diabo a outra metade. A mim
parece-me inteiramente um diabo.
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Pondo
de parte as dificuldades que possam surgir entre pais e filhos, também são
correntes entre marido e mulher desentendimentos, que às vezes chegam a
comprometer seriamente a paz familiar. Que conselhos daria aos casais?
Que
se amem. Que saibam que ao longo da vida haverá desentendimentos e dificuldades
que, resolvidos com naturalidade, contribuirão inclusivamente para tornar o
amor mais profundo.
Cada
um de nós tem o seu feitio, os seus gostos pessoais, o seu génio - o seu mau
génio, por vezes - e os seus defeitos. Cada um tem também coisas agradáveis na
sua personalidade e por isso e por muitas mais razões, pode-se amá-lo. A convivência
é possível quando todos se empenham em corrigir as próprias deficiências e
procuram passar por alto as faltas dos outros, isto é, quando há amor, que
anula e supera tudo o que falsamente poderia ser motivo de separação ou de
divergência. Pelo contrário, se se dramatizam os pequenos contrastes e
mutuamente se começa a lançar à cara os defeitos e os erros, então acaba-se a
paz e corre-se o risco de matar o amor.
Os
casais têm graça de estado - a graça do sacramento - para viverem todas as
virtudes humanas e cristãs da convivência: a compreensão, o bom humor, a
paciência, o perdão, a delicadeza no convívio. O que é importante é não se
descontrolarem, não se deixarem dominar pelo nervosismo, pelo orgulho ou pelas
manias pessoais. Para isso, o marido e a mulher devem crescer em vida interior
e aprender da Sagrada Família a viver com delicadeza - por um motivo humano e
sobrenatural ao mesmo tempo - as virtudes do lar cristão. Repito: a graça de
Deus não lhes falta.
Se
alguém diz que não pode aguentar isto ou aquilo, que lhe é impossível calar-se,
exagera para se justificar. É preciso pedir a Deus força para saber dominar o
próprio capricho, graça para saber ter o domínio de si próprio, porque os
perigos de uma zanga são estes: que se perca o controlo e as palavras se encham
de amargura e cheguem a ofender e, ainda que talvez não se desejasse, a ferir e
a causar mal.
É
necessário aprender a calar, a esperar e a dizer as coisas de modo positivo,
optimista. Quando ele se zanga, é o momento de ser ela especialmente paciente,
até que chegue de novo a serenidade, e vice-versa. Se há afecto sincero e
preocupação por aumentá-lo, é muito difícil que os dois se deixem dominar pelo
mau humor na mesma altura...
Outra
coisa muito importante: devemo-nos acostumar a pensar que nunca temos toda a
razão. Pode-se dizer, inclusivamente, que, em assuntos desses, ordinariamente
tão opináveis, quanto mais seguros estamos de ter toda a razão, tanto mais
certo é que não a temos. Discorrendo deste modo, torna-se depois mais fácil rectificar
e, se for preciso, pedir perdão, que é a melhor maneira de acabar com uma
zanga. Assim se chega à paz e à ternura. Não vos animo a discutir, mas é
natural que discutamos alguma vez com aqueles de quem mais gostamos, porque são
os que habitualmente vivem connosco. Não vamos zangar-nos com o Preste João das
Índias... Portanto, essas pequenas zangas entre os esposos, se não são
frequentes - e é preciso procurar que não o sejam -, não demonstram falta de
amor e até podem ajudar a aumentá-lo.
Um
último conselho: que nunca se zanguem diante dos filhos. Para consegui-lo,
basta que se ponham de acordo com uma palavra determinada, com um olhar, com um
gesto. Discutirão depois, com mais serenidade, se não forem capazes de
evitá-lo. A paz conjugal deve ser o ambiente da família, porque é condição
necessária para uma educação profunda e eficaz. Que os filhos vejam nos seus
pais um exemplo de entrega, de amor sincero, de ajuda mútua, de compreensão, e
que as ninharias da vida diária não lhes ocultem a realidade de um afecto que é
capaz de superar seja o que for.
As
vezes tomamo-nos demasiado a sério. Todos nos aborrecemos de quando em quando,
umas vezes porque é necessário, outras porque nos falta espírito de
mortificação. O que importa é demonstrar que esses aborrecimentos não quebram o
afecto, restabelecendo a intimidade familiar com um sorriso. Numa palavra, que
marido e mulher vivam amando-se um ao outro e amando os filhos, porque assim
amam a Deus.
(cont)
[i]
Entrevista
realizada por Pilar Salcedo, publicada em Telva (Madrid), em 1 de Fevereiro de
1968 e reproduzida em Mundo Cristiano (Madrid) em 1 de Março do mesmo ano.
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