Art.
3 — Se Deus Pai entregou Cristo à Paixão.
O
terceiro discute-se assim. — Parece que Deus Pai não entregou Cristo à Paixão.
1. — Pois, é iníquo e cruel entregar um
inocente à Paixão e à morte. Ora, como diz a Escritura, Deus é fiel e sem
nenhuma iniquidade. Logo, não entregou Cristo inocente à Paixão e à morte.
2. Demais. — Ninguém pode ser entregue à
morte por si mesmo e por outrem. Ora, Cristo entregou-se a si mesmo por nós,
segundo a Escritura: Entregou a sua alma
à morte. Logo, parece que não o entregou o Pai.
3. Demais. — Judas foi censurado por ter
entregue Cristo aos judeus, como o lemos no Evangelho: Um de vós é o diabo; o que ele dizia por Judas Iscariotes, que o havia
de entregar. Semelhantemente, também foram censurados os judeus, que o
entregaram a Pilatos, como o próprio Cristo o disse: A tua nação e os teus pontífices são os que te entregaram nas minhas
mãos: Pilatos também o entregou para
que fosse crucificado, como se lê no Evangelho. Ora, segundo o Apóstolo,
não há nenhuma união entre a justiça e a iniquidade. Logo, parece que Deus Pai
não entregou Cristo à Paixão.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Ao seu próprio Filho não perdoou Deus, mas
por nós todos o entregou.
Como se disse, Cristo sofreu
voluntariamente, para obedecer ao Pai. Donde Deus Pai entregou Cristo à Paixão
de três modos. — Primeiro, porque, na sua vontade eterna, preordenou a Paixão de
Cristo para a liberação do género humano, segundo a Escritura: O Senhor carregou sobre ele a iniquidade de
todos nós. E ainda: O Senhor quis
quebrantá-la na sua enfermidade. — Segundo, por lhe ter inspirado a vontade
de sofrer por nós, infundindo-lhe a caridade. Por isso, a Escritura acrescenta:
Foi oferecido porque ele mesmo o quis.
— Terceiro, porque, longe de o livrar da paixão, o expôs aos perseguidores.
Donde o dito do Evangelho, que, pendente da Cruz, Cristo exclamava: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?
E isso porque o entregou ao poder dos que
o perseguiam como diz Agostinho.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
É ímpio e cruel entregar ao sofrimento e à morte um homem inocente, contra a
sua vontade. Mas não foi assim que Deus Pai entregou Cristo, senão inspirando-lhe
a vontade de sofrer por nós. E isso mostra a
severidade de Deus, na expressão do Apóstolo, que não quis perdoar o pecado, sem a pena: o que o Apóstolo o
indica assinaladamente com as palavras: Não
poupou ao seu próprio Filho. E também mostra a sua bondade, pois, como o
homem não lhe pudesse suficientemente satisfazer por nenhuma pena que sofresse,
deu-lhe quem o satisfizesse por ele; o que o Apóstolo assinala, dizendo: Por nós todos o entregou. E noutro
lugar: Ao qual, isto é, Cristo, propôs Deus para ser vítima de propiciação
pela fé no seu sangue.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, enquanto
Deus entregou-se a si mesmo à morte, pela mesma vontade e acção pela qual
também o Pai o entregou. Mas, enquanto homem entregou-se a si mesmo por uma
vontade inspirada pelo Pai. Por isso não houve contradição entre o Pai ter
entregue Cristo e o ter-se ele entregue a si mesmo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Uma mesma acção é
diversamente julgada como boa ou má, segundo a raiz diversa donde ela procede.
O Pai, pois, entregou Cristo, e este a si mesmo, pela caridade; por isso são
louvados. Ao passo que Judas o entregou por cobiça, os Judeus, por seu lado,
por inveja; e Pilatos, pelo temor mundano, com que temia a César. Por isso é
que foram censurados.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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