Em seguida devemos tratar da causa
eficiente da Paixão de Cristo. E nesta questão discutem-se seis artigos:
Art. 1 — Se Cristo foi morto por outrem
ou por si mesmo.
Art. 2 — Se Cristo morreu por
obediência.
Art. 3 — Se Deus Pai entregou Cristo à
Paixão.
Art. 4 — Se foi conveniente que Cristo
sofresse da parte dos gentios.
Art. 5 — Se os perseguidores de Cristo o
conheceram.
Art. 6 — Se o pecado dos que crucificaram
a Cristo foi o mais grave dos pecados.
Art.
1 — Se Cristo foi morto por outrem ou por si mesmo.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que Cristo não foi morto por outrem, mas por si mesmo.
1. — Pois, Ele próprio o diz no
Evangelho: Ninguém me tira a vida, mas eu
de mim mesmo a ponho. Ora, diz-se que mata outrem quem lhe tira a vida.
Logo, Cristo não foi morto por outrem, mas por si mesmo.
2. Demais. — Os mortos por outrem
perecem pouco a pouco, à medida que se lhe enfraquece a natureza. O que, sobretudo
se dá com os crucificados; pois, como diz Agostinho, suspensos no madeiro são cruciados por uma morte prolongada. Ora,
tal não aconteceu com Cristo, pois, dando
um grande brado, rendeu o espírito, como refere o Evangelho. Logo, Cristo
não foi morto por outro, mas por si mesmo.
3. Demais. — Os mortos por outrem sofrem
morte violenta, e não voluntária, porque o violento se opõe ao voluntário. Ora,
Agostinho diz que o espírito de Cristo
não se separou do corpo sem que ele o quisesse, mas porque o quis, quando o
quis e como o quis. Logo, Cristo não foi morto por outros, mas por si
mesmo.
Mas, em contrário, o Evangelho: E depois de açoitá-lo tirar-lhe-ão a vida.
Um agente pode causar um
efeito, de dois modos. — Primeiro, produzindo-o directamente pela sua acção. E,
assim, os perseguidores de Cristo o mataram, porque lhe infligiram
intencionalmente tratamentos capazes de lhe causarem a morte, com que efectivamente
causaram, pois, das referidas causas proveio a morte subsequente. — Noutro sentido,
um agente pode produzir um efeito indirectamente, quando, podendo impedi-la,
não o faz; assim dizemos que é causa de outrem ser molhado quem não fechou a
janela por onde entrou a chuva. E deste modo Cristo foi, ele próprio, causa da
sua paixão e morte, pois, podia impedir tanto uma como outra. Primeiro,
coibindo os seus adversários, de maneira que não o quisessem ou não o pudessem
matar. Segundo, porque o seu espírito tinha o poder de conservar a natureza da
sua carne, de modo que nenhuma ofensa física pudesse fazê-lo sucumbir. E esse
poder a alma de Cristo tinha-o, por estar unida
a Deus na unidade de pessoa, como o diz Agostinho. Como, pois, a alma de
Cristo não livrou o seu próprio corpo das injúrias que lhe eram feitas, mas
quis que a sua natureza corpórea a elas sucumbisse por isso o Evangelho diz que
pôs a sua vida ou morreu voluntariamente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
No dito do Evangelho — Ninguém tira de
mim a vida, subentende-se — contra a
minha vontade. Pois, a palavra tirar, em sentido próprio, significa
arrebatar alguma coisa a alguém, que não pode resistir, contra a sua vontade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Para mostrar que a
paixão sofrida por violência não o privava da vida, Cristo conservou toda a sua
vitalidade corpórea, a ponto de, no momento de expirar, ter clamado com alta
voz. O que se lhe enumera entre outros milagres da sua morte. Donde o dizer o
Evangelho: O Centurião, que estava bem
defronte, vendo que Jesus expirava dando este brado, disse: Verdadeiramente
este homem era Filho de Deus. - Também foi admirável na morte de Cristo o
ter morrido mais rapidamente que quaisquer outros padeceram sofrimentos
semelhantes. Por isso, como refere o Evangelho, os que morreram com Cristo lhes quebraram as pernas, para morrerem mais
depressa; tendo vindo depois a Jesus, como viram que estava já morto, não lhe
quebraram as pernas. E Marcos diz que Pilatos
se admirava que Jesus morresse tão depressa. Assim, pois, como por sua
vontade a sua natureza corpórea conservou-se vigorosa até o fim assim também,
quando quis; subitamente cedeu aos ferimentos que lhe tinham sido feitos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Simultaneamente
Cristo sofreu a violência de que morreu, e contudo morreu porque o quis; pois a
violência, que lhe foi feita ao corpo, só veio a prevalecer sobre ele, quando o
quis Cristo.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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