10/05/2016

Tratado da vida de Cristo 101

Questão 46: Da Paixão de Cristo

Art. 5 — Se Cristo sofreu todos os sofrimentos.

O quinto discute-se assim. Parece que Cristo sofreu todos os sofrimentos.

1. — Pois, diz Hilário: O Unigénito de Deus, para completar o sacrifício da sua morte, atestou ter consumado em si todos os sofrimentos do género humano, quando, inclinada a cabeça, rendeu o espírito. Logo, parece que sofreu todos os sofrimentos humanos.

2. Demais. — A Escritura diz: Eis aí está que o meu servo terá inteligência; ele será exaltado e elevado e ficará em alto grau sublimado; assim como pasmavam muitos à vista de ti, assim será sem glória o seu aspecto entre os varões e sua figura entre os filhos dos homens. Ora, Cristo foi exaltado por ter a totalidade da graça e da ciência, pelo que muitos pasmaram à vista dele, admirando-o. Logo, parece que teria sido sem glória, sofrendo todos os sofrimentos humanos.

3. Demais. — A Paixão de Cristo tinha por fim libertar o homem do pecado, como se disse. Ora, Cristo veio liberar os homens de todo género de pecados. Logo, devia sofrer todo género de sofrimentos.

Mas, em contrário, diz o Evangelho, que os soldados quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que com ele fora crucificado; tendo vindo depois a Jesus, não lhe quebraram as pernas. Logo não sofreu todo o género de sofrimentos.

Os sofrimentos humanos podem ser considerados a dupla luz. Primeiro, quanto à espécie. E então, Cristo não devia sofrer todos os sofrimentos; pois, muitas espécies de sofrimentos são contrárias entre si, tal a combustão pelo fogo e a submersão na água. Mas, agora tratamos dos sofrimentos de proveniência extrínseca; pois, os sofrimentos procedentes de causas externas, como as doenças do corpo, não devia ele sofrê-las, como dissemos. Mas, quanto ao género, sofreu todos os sofrimentos humanos. O que é susceptível de tríplice consideração. — Primeiro, quanto aos homens que lhe causaram sofrimentos. Pois, certos sofrimentos foram-lhe infligidos pelos gentios e pelos judeus; por homens e por mulheres, como o mostram as criadas acusadoras de Pedro. Também recebeu sofrimentos dos príncipes, e de seus ministros, e do populacho, conforme a Escritura: Porque razão se embraveceram as nações e os povos meditaram coisas vãs? Os reis da terra se sublevaram e os príncipes se coligaram contra o Senhor e contra o seu Cristo. Sofreu também dos seus discípulos e conhecidos, como de Judas, que o traiu e de Pedro, que o negou. — Segundo, o mesmo se conclui relativamente àquilo em que o homem pode sofrer. Assim, sofreu nos seus amigos, que o abandonaram; na sua reputação, pelas blasfémias proferidas contra ele; na sua honra e glória, pelas irrisões e troças assacadas contra ele; nos bens, quando das suas próprias vestes foi espoliado; na alma, pela tristeza, pelo tédio e pelo temor; no corpo, pelos ferimentos e flagelações. — Em terceiro lugar, podemos considerá-las relativamente aos membros do corpo. Assim, Cristo sofreu, na cabeça, a coroa de pungentes espinhos; nas mãos e nos pés, a pregação dos cravos; na face bofetadas e cuspo e em todo o corpo, flagelações. Sofreu também em todos os sentidos do corpo: no tacto, quando flagelado e pregado com cravos; no gosto, quando lhe deram de beber fel e vinagre; no olfacto, quando suspenso no patíbulo, num lugar fétido pelos cadáveres dos supliciados, chamado Calvário; no ouvido, ferido pelas vociferações dos que o blasfemavam e faziam troça dele; na vista, ao ver sua mãe e o discípulo a quem amava, chorando.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — As palavras citadas de Hilário devem entender-se quanto a todos os géneros de sofrimentos, mas não quanto a todas as espécies deles.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A semelhança, no caso, considera-se, não quanto ao número dos sofrimentos e das graças, mas quanto à grandeza de uns e de outras. Porque, assim como foi levantado acima dos outros nos dons das graças, assim foi abatido abaixo deles pela ignomínia da paixão.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Quanto à suficiência, um sofrimento mínimo de Cristo bastava para remir o género humano de todos os pecados. Mas, quanto à conveniência, foi suficiente que sofresse todos os géneros de sofrimentos, como já se disse.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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