Art.
5 — Se Cristo sofreu todos os sofrimentos.
O quinto discute-se assim. Parece que Cristo
sofreu todos os sofrimentos.
1. — Pois, diz Hilário: O Unigénito de Deus, para completar o
sacrifício da sua morte, atestou ter consumado em si todos os sofrimentos do género
humano, quando, inclinada a cabeça, rendeu o espírito. Logo, parece que
sofreu todos os sofrimentos humanos.
2. Demais. — A Escritura diz: Eis aí está que o meu servo terá
inteligência; ele será exaltado e elevado e ficará em alto grau sublimado;
assim como pasmavam muitos à vista de ti, assim será sem glória o seu aspecto
entre os varões e sua figura entre os filhos dos homens. Ora, Cristo foi
exaltado por ter a totalidade da graça e da ciência, pelo que muitos pasmaram à
vista dele, admirando-o. Logo, parece que teria sido sem glória, sofrendo todos
os sofrimentos humanos.
3. Demais. — A Paixão de Cristo tinha
por fim libertar o homem do pecado, como se disse. Ora, Cristo veio liberar os
homens de todo género de pecados. Logo, devia sofrer todo género de
sofrimentos.
Mas, em contrário, diz o Evangelho,
que os soldados quebraram as pernas ao primeiro
e ao outro que com ele fora crucificado; tendo vindo depois a Jesus, não lhe
quebraram as pernas. Logo não sofreu todo o género de sofrimentos.
Os sofrimentos humanos
podem ser considerados a dupla luz. Primeiro, quanto à espécie. E então, Cristo
não devia sofrer todos os sofrimentos; pois, muitas espécies de sofrimentos são
contrárias entre si, tal a combustão pelo fogo e a submersão na água. Mas,
agora tratamos dos sofrimentos de proveniência extrínseca; pois, os sofrimentos
procedentes de causas externas, como as doenças do corpo, não devia ele
sofrê-las, como dissemos. Mas, quanto ao género, sofreu todos os sofrimentos
humanos. O que é susceptível de tríplice consideração. — Primeiro, quanto aos
homens que lhe causaram sofrimentos. Pois, certos sofrimentos foram-lhe infligidos
pelos gentios e pelos judeus; por homens e por mulheres, como o mostram as
criadas acusadoras de Pedro. Também recebeu sofrimentos dos príncipes, e de
seus ministros, e do populacho, conforme a Escritura: Porque razão se embraveceram as nações e os povos meditaram coisas vãs?
Os reis da terra se sublevaram e os príncipes se coligaram contra o Senhor e
contra o seu Cristo. Sofreu também dos
seus discípulos e conhecidos, como de Judas, que o traiu e de Pedro, que o
negou. — Segundo, o mesmo se conclui relativamente àquilo em que o homem pode
sofrer. Assim, sofreu nos seus amigos, que o abandonaram; na sua reputação,
pelas blasfémias proferidas contra ele; na sua honra e glória, pelas irrisões e
troças assacadas contra ele; nos bens, quando das suas próprias vestes foi
espoliado; na alma, pela tristeza, pelo tédio e pelo temor; no corpo, pelos
ferimentos e flagelações. — Em terceiro lugar, podemos considerá-las
relativamente aos membros do corpo. Assim, Cristo sofreu, na cabeça, a coroa de
pungentes espinhos; nas mãos e nos pés, a pregação dos cravos; na face
bofetadas e cuspo e em todo o corpo, flagelações. Sofreu também em todos os
sentidos do corpo: no tacto, quando flagelado e pregado com cravos; no gosto,
quando lhe deram de beber fel e vinagre; no olfacto, quando suspenso no
patíbulo, num lugar fétido pelos cadáveres dos supliciados, chamado Calvário;
no ouvido, ferido pelas vociferações dos que o blasfemavam e faziam troça dele;
na vista, ao ver sua mãe e o discípulo a quem amava, chorando.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— As palavras citadas de Hilário devem entender-se quanto a todos os géneros de
sofrimentos, mas não quanto a todas as espécies deles.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A semelhança, no
caso, considera-se, não quanto ao número dos sofrimentos e das graças, mas
quanto à grandeza de uns e de outras. Porque, assim como foi levantado acima
dos outros nos dons das graças, assim foi abatido abaixo deles pela ignomínia
da paixão.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Quanto à
suficiência, um sofrimento mínimo de Cristo bastava para remir o género humano
de todos os pecados. Mas, quanto à conveniência, foi suficiente que sofresse
todos os géneros de sofrimentos, como já se disse.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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