09/05/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual

Páscoa

Evangelho: Jo 16, 29-33

29 Os Seus discípulos disseram-Lhe: «Eis que agora falas claramente e não usas nenhuma parábola. 30 Agora conhecemos que sabes tudo e que não é necessário que alguém Te interrogue. Por isso cremos que saíste de Deus». 31 Jesus respondeu-lhes: «Credes agora?». 32 «Eis que vem a hora, e já chegou, em que sereis espalhados cada um para seu lado e em que Me deixareis só; mas Eu não estou só, porque o Pai está comigo. 33 Disse-vos estas coisas para que tenhais paz em Mim. Haveis de ter aflições no mundo; mas tende confiança, Eu venci o mundo».

Comentário:

A vinda do Espírito Santo termina o “tempo das parábolas” em que as verdades da Fé eram expostas por Jesus Cristo aos que O ouviam.
Agora tudo se apresenta de forma clara e simples.

O Espírito Santo concede aos que lho solicitam o conhecimento bastante para se irem adentrando nos assuntos que possam dizer respeito à sua Fé de forma a compreenderem melhor e, assim, ir fortalecendo a sua Fé.

(ama, comentário sobre Jo 16, 29-33 2015.05.18)


Leitura espiritual




INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

INTRODUÇÃO

“CREIO – AMÉM”

CAPÍTULO PRIMEIRO

Fé no Mundo Hodierno

  1. Dúvida e Fé Situação do homem frente ao problema "Deus"

Quem tentar falar hoje sobre o problema da fé cristã diante de homens não familiarizados com a linguagem eclesiástica por vocação ou convenção, depressa sentirá o estranho e surpreendente de semelhante iniciativa. Provavelmente depressa descobrirá que a sua situação encontra uma descrição exacta no conhecido conto de Kierkegaard sobre o palhaço e a aldeia em chamas, conto que Harvey Cox retomou há pouco no seu livro A Cidade do Homem. A história conta como um circo ambulante na Dinamarca se incendiou. O director manda à aldeia vizinha o palhaço, já caracterizado para a representação, em busca de auxílio, tanto mais que havia perigo de as chamas se alastrarem através dos campos secos, alcançando a própria aldeia. O clown corre para aldeia e suplica aos moradores que venham com urgência ajudar a apagar as chamas do circo incendiado. Mas os habitantes tomam os gritos do palhaço por um formidável truque de publicidade para aliciá-los ao espectáculo; aplaudem-no e riem a bandeiras despregadas. O palhaço sente mais vontade de chorar do que de rir. Debalde tenta conjurar os homem e esclarecer de que não se trata de propaganda alguma, nem de fingimento ou truque, mas de coisa muito séria, porquanto o circo realmente está a arder. O seu esforço apenas aumenta a hilaridade até que, por fim, o fogo alcança a aldeia, tornando excessivamente tardia qualquer tentativa de auxílio; circo e aldeia tornam-se presa das chamas.
Cox conta esta história como símile da situação do teólogo hodierno e vê a figura do teólogo no clown incapaz de transmitir aos homens a sua mensagem. Na sua roupagem de palhaço medieval ou de outro remoto passado qualquer, o teólogo não é tomado a sério. Pode dizer o que quiser, continua como que etiquetado e catalogado pelo papel que representa. Qualquer que seja o seu comportamento e o seu esforço de falar seriamente, sabe-se sempre de antemão que ele é um clown. Já se adivinha qual o assunto da sua mensagem e sabe-se que apenas está representando com pouco ou nenhum nexo com a realidade. Por isso pode ser ouvido sossegadamente, sem inquietar  ninguém com o que afirma. Sem dúvida existe algo de angustiante neste quadro, algo da angustiada realidade em que a teologia e formulação teológica de hoje se encontram; algo da pesada im-possibilidade de quebrar chavões rotineiros do pensamento e da expressão e de tornar reconhecível o problema da teologia como assunto sério da vida humana.

Contudo, talvez o nosso exame de consciência deva mesmo ser mais radical. Talvez tenhamos de reconhecer que esse quadro excitante – por muito verdadeiro e digno de consideração que seja – ainda simplifica em excesso as coisas. Pois, dentro dele, tem-se a impressão que o palhaço, ou seja o teólogo, é quem sabe perfeitamente que traz uma mensagem muito clara. Os aldeões, aos quais acorre, isto é, os homens sem fé, seriam, pelo contrário, completamente ignorantes, os que devem ser instruídos sobre o que lhes é desconhecido. E ao palhaço, em si, bastar-lhe-ia mudar de roupagem, retirar a maquilhagem – e tudo estaria em ordem. Mas, por acaso a questão é assim tão simples? Bastar-nos-ia um simples apelo ao aggiornamento, um mero retirar a maquilhagem e uma reformulação em termos de linguagem do mundo ou de um cristianismo arreligioso para recolocar tudo nos eixos? Bastará uma mudança espiritual ou metafórica de vestes para que os homens acorram animados e ajudem a apagar o incêndio que o teólogo afirma estar lavrando com sério perigo para todos? Vejo-me compelido a afirmar que a teologia de facto desmaquilhada e revestida de moderna embalagem profana, tal como hoje surge em muitos lugares, torna muito simplória essa esperança. Sem dúvida cumpre reconhecer: quem tenta explicar a fé no meio de homens mergulhados na vida moderna e imbuídos da moderna mentalidade, de facto pode ter a impressão de ser um palhaço ou alguém surgido de um antigo sarcófago, que penetrou no mundo hodierno, revestido de trajes e pensamentos da antiguidade, incapaz de compreender este mundo e de ser por ele compreendido. Todavia, se quem tentar anunciar a fé exercer bastante autocrítica, em breve notará não se tratar apenas de uma forma, de uma crise do revestimento em que a teologia se apresenta. Na estranha aventura teológica face aos homens de hoje, quem tomar a sério a sua tarefa há-de reconhecer e experimentar não só a dificuldade da interpretação, mas também a insegurança da própria fé, o poder arrasador da descrença dentro da sua própria vontade de crer. Por isso quem tentar honestamente prestar contas da fé cristã a si e a outros, aprenderá, a duras penas, não ser ele em absoluto o mascarado ao qual bastaria depor o disfarce para poder ensinar eficazmente aos outros. Compreenderá que a sua situação não diverge muito da situação dos outros, como talvez inicialmente tivesse pensado. Terá consciência que de ambos os lados estão presentes as mesmas forças, muito embora de maneiras diversas.

Para começar, no crente existe a ameaça da incerteza capaz de revelar dura e subitamente, em momentos de tentação, a fragilidade de tudo o que, em geral, lhe parece tão evidente. Esclareçamo-lo com alguns exemplos. Teresa de Lisieux, a amável santinha, aparentemente tão isenta de complexidades e de problemas, cresceu numa vida de completa segurança religiosa. A sua vida, do começo ao fim, foi tão perfeitamente e minuciosamente marcada pela fé na Igreja, que o mundo invisível se tornara parcela do seu quotidiano; ou antes, o seu próprio quotidiano, parecendo quase tangível e impossível de ser eliminado da sua vida. Para Teresinha, "religião" era, de facto, um dado prévio e natural da sua existência diária; ela manipulava a religião como nós somos capazes de manejar as trivialidades concretas da vida. Mas justamente ela, aparentemente tão resguardada numa segurança sem risco, deixou-nos comovedoras manifestações do que foram as últimas semanas do seu Calvário, manifestações que, mais tarde, as suas irmãs, assustadas, atenuariam no seu legado literário e que só agora vieram à tona nas novas edições autênticas e literais da sua obra. Assim, por exemplo, quando ela afirma: "Acossam-me as reflexões dos piores materialistas." Sente a inteligência torturada por todos os argumentos possíveis contra a fé; o sentimento da fé parece desaparecido; sente-se transportada para dentro da "pele dos pecadores". Isto é, num mundo que parece completamente sólido e sem brechas, torna-se visível a alguém o abismo que espreita a todos – também a ele – sob a crosta firme das convenções que sustentam a fé. Em tal situação não está mais em jogo apenas isto ou aquilo – assunção de Maria ou não; confissão desse ou daquele modo –, tudo coisas que se tornam completamente irrelevantes, porquanto se trata realmente do todo, do conjunto, tudo ou nada. É a única alternativa que parece restar, e em parte alguma surge um pedaço de chão firme ao qual se agarrar nessa queda vertiginosa para o abismo. Somente o báratro hiante e sem fundo do nada é o que se percebe, onde quer que se dirijam os olhares.

Paulo Claudel evoca num quadro grandioso e convincente essa situação do crente, na abertura do seu "Soulier de Satin". Um missionário jesuíta, irmão do herói Rodrigo, o homem mundano, aventureiro errante e incerto entre Deus e o mundo, é representado como náufrago. A sua nau foi afundada por piratas. Ele próprio, amarrado a uma trave do barco afundado, voga nesse pedaço de madeira, pelas águas tormentosas do oceano. O drama principia com o seu derradeiro monólogo: "Senhor, agradeço-te por me teres amarrado assim. Por vezes sucedeu-me achar difíceis os teus mandamentos; senti-me desnorteado, fracassada a vontade diante dos teus mandamentos. Mas hoje não poderia estar mais fortemente atado a ti, do que estou; e muito embora os meus membros se movam um sobre o outro, nenhum deles é capaz de se afastar um pouco de ti. E assim realmente estou preso à cruz; e a cruz, à qual me vejo atado, não está presa a nada mais. Ela voga pelo mar" .

Atado à cruz – e a cruz ligada a nada, vogando sobre o abismo. Dificilmente se poderia descrever mais acurada e exactamente a situação do crente hodierno. Apenas um madeiro oscilante sobre o nada, um madeiro desatado parece sustê-lo e tem-se a impressão de ser possível adivinhar o instante em que tudo irá submergir. Um simples madeiro solitário liga-o a Deus; mas, sem dúvida, liga-o inevitavelmente e, no final de tudo, ele tem a certeza de que esse madeiro é mais forte do que o nada que fervilha debaixo dele, esse nada que, apesar dos pesares, continua sendo a força ameaçadora propriamente dita do seu presente.

O quadro apresenta, além disso, uma dimensão mais vasta que, aliás, me parece a mais importante. Pois esse náufrago jesuíta não está sozinho; nele se encontra como que evocada a sorte do seu irmão; nele está presente o destino do irmão, daquele irmão que se considera descrente, que voltou as costas a Deus, por não considerar tarefa sua a espera, mas "a posse do atingível... como se este pudesse estar em outra parte da que onde tu, ó Deus, estás".

É dispensável acompanharmos a trama da concepção claudeliana: a mestria com que conserva como fio condutor o jogo dos dois destinos aparentemente contraditórios até ao ponto em que a sorte de Rodrigo finalmente se toca com a do irmão, quando o conquistador termina como escravo num navio, devendo dar-se por muito feliz, ao ser levado por uma velha freira que, de contrapeso, leva uma caçarola e alguns trapos. Aliás, deixando de lado o símile, podemos voltar à nossa própria situação e dizer: o crente é capaz de se realizar na sua fé somente sobre o oceano do nada; e o oceano da incerteza foi-lhe destinado como único lugar possível da sua fé. Apesar disso, não se pode considerar o descrente, numa falha evidente de dialética, apenas como um descrente. Assim como até agora reconhecemos que o crente não vive sem problemática, mas sempre ameaçado pela queda no nada, assim é forçoso admitir que também o descrente não representa absolutamente uma existência fechada e coesa em si mesma. Por brutal que seja o seu comportamento de ferrenho positivista que já de há muito deixou para trás as tentativas e os embates supranaturais, vivendo apenas no âmbito do que é directamente certo – jamais o abandonará a secreta insegurança de se o positivismo está realmente com a última palavra. O crente vê-se sufocado pela água salgada da dúvida que o oceano lhe lança, sem cessar, à boca; do mesmo modo existe a dúvida do incrédulo quanto à sua descrença, quanto à totalidade do mundo que ele se resolveu declarar como o todo. Jamais conseguirá plena certeza sobre a globalidade do que viu e declarou como o todo, mas continuará sob a ameaça de que – quem sabe? – a fé venha a representar e a afirmar a realidade. Portanto, como o crente se sabe ameaçado sem cessar pela descrença, obrigado a ver nela a sua perene provação, assim a fé representa a ameaça e a tentação do descrente, dentro do seu universo aparentemente fechado e completo. Numa palavra, não existe escapatória ao dilema da existência humana. Quem deseja fugir à incerteza da fé, há-de experimentar a incerteza da descrença que, por sua vez, jamais conseguirá resolver sem sombra de dúvida a questão de se, por acaso, a fé não se cobre com a verdade. Somente na recusa se revela a irrecusabilidade da fé.

Talvez venha a propósito aduzir neste lugar uma história judaica escrita por Martin Buber; nela aparece com clareza o citado dilema da existência humana. "Um dos sequazes do iluminismo, homem es-tudado, ouvira falar de Berditschewer. Foi à sua procura com o fito de comprar uma discussão, como era do seu feitio, e arrasar as suas teses ultrapassadas da verdade da fé. Ao entrar no quarto do Zaddik viu-o, de livro à mão, indo e vindo, mergulhado em entusiásticas reflexões. Nem pareceu dar pela chegada do visitante. Finalmente deteve-se, olhou para ele superficialmente e disse: "E contudo, talvez seja verdade." O sábio debalde tentou fincar pé, de-fendendo a sua própria dignidade. Não o conseguiu. Sentiu os joelhos chocalharem, tão terrível era o aspecto do Zaddik, tão horrível de se ouvir a sua frase singela. Mas o rabi Levi Jizchak voltou-se completamente para ele e disse lhe, sereno: "Meu filho, os grandes da Torá com os quais disputaste, desperdiçaram palavras; tu riste-te deles, ao afastares-te. Não foram capazes de colocar Deus e o seu reino sobre a mesa, diante de ti; eu também sou incapaz. Mas, meu filho, reflecte: talvez seja verdade." O iluminista concentrou todas as forças para revidar; mas aquele terrível "talvez" a ecoar sem cessar, quebrou-lhe qualquer resistência".

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.

(cont)

Revisão da versão portuguesa por ama



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