14/04/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 6, 44-51

44 Ninguém pode vir a Mim se o Pai que Me enviou não o atrair; e Eu o ressuscitarei no último dia. 45 Está escrito nos profetas: “E serão todos ensinados por Deus”. Portanto, todo aquele que ouve e aprende do Pai, vem a Mim. 46 Não porque alguém tenha visto o Pai, excepto Aquele que vem de Deus; Esse viu o Pai. 47 Em verdade, em verdade vos digo: O que crê em Mim tem a vida eterna. 48 Eu sou o pão da vida. 49 Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. 50 Este é o pão que desceu do céu para que aquele que dele comer não morra. 51 Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente; e o pão que Eu darei é a Minha carne para a salvação do mundo».

Comentário:

Nunca compreenderemos bem o Milagre Eucarístico porque, de facto é um mistério.

Aceitamos e acreditamos porque a nossa Fé nos garante que na Hóstia Consagrada se encontra realmente o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Podemos afirmar que é a expressão completa e definitiva do Amor de Jesus Cristo pelos homens Seus irmãos.

(ama, comentário sobre Jo 6, 44-51, 2015.08.09) 


Leitura espiritual




SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES

LIVRO DÉCIMO

CAPÍTULO XXVII

Solilóquio de amor

Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro de mim, e eu lá fora, a procurar-te! Eu, disforme, atirava-me à beleza das formas que criaste. Estavas comigo, e eu não estava em ti. Retinha-me longe de ti, aquilo que nem existiria se não existisse em ti. Tu me chamaste, gritaste por mim, e venceste a minha surdez. Brilhaste, e o teu esplendor afugentou a minha cegueira. Exalaste o teu perfume, respirei-o, e suspiro por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, e o desejo da tua paz me inflama.

CAPÍTULO XXVIII

A vida do homem

Quando me unir a ti com todo o meu ser, não sentirei mais dor ou fadiga; a minha vida, cheia de ti, será então a verdadeira vida. Alivias aqueles que enches de ti; mas, como ainda não estou cheio de ti, sou um peso para mim mesmo. As minhas alegrias, que deveriam ser choradas, lutam com as minhas tristezas que deveriam alegrar-me, e ignoro de que lado está a vitória.

Ai de mim, Senhor, tem piedade de mim! As tristezas do meu mal lutam com as minhas santas alegrias, e eu não sei de que lado está a vitória. Ai de mim! Senhor, tem piedade de mim!

Eis as minhas feridas: eu não as escondo. Tu és o médico, eu o enfermo; és misericordioso, e eu, miserável. Não é contínua tentação a vida do homem sobre a terra? Quem quer aborrecimentos e dificuldades? Mandas que os suportemos, e não que os amemos. Ninguém ama o que tolera, ainda que goste de o tolerar; e mesmo que alguém se alegre em tolerar, preferiria nada ter que suportar. Na adversidade, desejo a prosperidade, e na prosperidade temo a adversidade. Entre estes dois extremos, qual será o termo médio onde a vida humana não seja tentação?

Ai das prosperidades do século, onde se receia a adversidade e a alegria é corrompida! Ai das adversidades do século, uma, duas, três vezes ai! Pelo desejo da prosperidade, por ser dura a adversidade, e pelo temor que vença a nossa paciência! A vida do homem sobre a terra não é pois uma contínua tentação?

CAPÍTULO XXIX

Esperança em Deus

Só na grandeza da Tua misericórdia coloco toda a minha esperança. Dai-me o que me ordenas e ordena-me o que quiseres. Mandas que sejamos castos. “Sabendo, diz um sábio, que ninguém pode ser casto se Deus não lhe der este dom, já é sabedoria saber de quem procede este dom”. A continência reúne os elementos da nossa pessoa, reconduz-nos à unidade que perdemos dispersando-nos por tantas criaturas. Pouco te ama quem te ama juntamente com alguma criatura, e não a ama por tua causa.

Ó amor, que sempre ardes e jamais te extingues! Ó caridade, meu Deus, inflama-me!

Ordena-me a continência? Dá-me o que mandas, e ordena o que quiseres!

CAPÍTULO XXX

Sonho e voluptuosidade

Ordenas que me abstenha da concupiscência da carne, da concupiscência dos olhos e da ambição do século. Proibiste as uniões luxuriosas, e embora tenhas permitido o casamento, ensinaste que há um estado bem melhor. E, pela tua graça, optei por esse estado, antes mesmo de me tornar dispensador do teu sacramento.

Mas na minha memória, de que falei longamente, vivem ainda as imagens dessas voluptuosidades que os meus costumes de outrora ali gravaram. Sem forças diante de mim quando estou acordado, durante o sono, elas não somente suscitam em mim o prazer, mas o consentimento do prazer e a ilusão da acção. Tais ilusões têm tal poder sobre a minha alma e sobre o meu corpo, apesar de tão falsas, que os seus fantasmas impedem o meu sono o que a realidade não me pode induzir quando em vigília. Acaso então, Senhor meu Deus, será que eu não sou eu nessas horas? E como há tão grande diferença dentro de mim mesmo, do momento em que passo da vigília para o sono e vice-versa! Onde pois está a razão, que durante a vigília resiste a tais sugestões, e que não se abala mesmo diante da realidade? Acaso se fecha juntamente com os olhos? Ou adormece com os sentidos do corpo?

E porquê, muitas vezes, mesmo no sono, resistimos, lembrados do nosso propósito, e nele permanecemos castos, negando o consentimento a tais seduções? Todavia, a diferença é tanta que, no caso de não resistir durante o sono, ao acordar voltamos a encontrar a paz de consciência; e a própria diferença entre os dois estados indica que não fomos nós que fizemos aquilo, e lamentamos o que se fez em nós.

Senhor omnipotente, não poderia a tua mão curar todas as enfermidades da minha alma, abolindo também, com maior abundância de graça, os movimentos lascivos do meu sono? Cada vez mais multiplica, Senhor, o número das tuas bondades para comigo, para que a minha alma, livre do visco da concupiscência, siga até chegar a ti. Para que não seja rebelde, nem mesmo durante o sono; para que, pelo estímulo de imagens bestiais, não só não cometa essas torpezas degradantes até a lascívia carnal, mas que nem mesmo consinta nisso.

Não é muito para ti, ó Todo-Poderoso, que podes fazer mais do que pedimos e compreendemos, fazer com que, quer na minha idade presente, quer na minha vida futura, eu me deleite nessas tentações – mesmo que sejam tão pequenas, que o primeiro esforço as venceria, quando adormeço com pensamentos castos.

Agora digo exultando no meu Senhor em que estado me encontro neste género de pecado, com tremor pelos dons que já me concedeste, e gemendo pelas minhas imperfeições.

Espero que aperfeiçoes em mim as tuas misericórdias, até que atinja a plenitude da paz de que gozarão em ti o meu espírito e o meu corpo, quando a morte for absorvida pela vitória.

CAPÍTULO XXXI

A intemperança

O dia traz-me novo pecado, e oxalá fosse o único! Comendo e bebendo, restauramos as perdas diárias do nosso corpo, até ao dia em que destruirás o alimento e o estômago, matando a minha necessidade com uma maravilhosa saciedade, e revestindo este corpo corruptível de eterna incorruptibilidade.

Mas por ora esta necessidade é-me grata, e luto contra essa delícia, para que não me domine; é uma guerra quotidiana que sustento com jejum, reduzindo o meu corpo à escravidão. Mas as minhas dores são eliminadas pelo prazer, porque a fome e a sede são sofrimentos: queimam e matam como a febre se os alimentos não lhe põem remédio. Mas como esse remédio está sempre à nossa disposição, graças à liberalidade dos teus dons que põe à disposição da nossa fraqueza a terra, a água e o céu, as nossas misérias recebem de nós o nome de delícias.

Tu me ensinaste a considerar os alimentos como remédios. Mas quando passo dessa penosa necessidade à paz da saciedade, nessa passagem a concupiscência arma para mim a sua cilada. Esta passagem é prazeirosa, e não há outra para se chegar onde a necessidade nos obriga. A razão do beber e do comer é a conservação da saúde; mas um prazer insidioso acompanha como lacaio essas funções, e sempre tenta tomar a dianteira, de modo que faço pelo prazer o que digo fazer pela minha saúde.

Ora, a medida do prazer não é a mesma da saúde; o que é bastante para a saúde não o é para o prazer, e muitas vezes é difícil discernir se é o cuidado com o corpo que pede reforço de alimento, ou se é a gula que nos engana e quer ser servida. Essa incerteza alegra a nossa pobre alma, feliz por ter encontrado um álibi e uma desculpa na impossibilidade de determinar o que basta para o cuidado com a saúde, e sob o pretexto da sua conservação esconde a busca do prazer. Esforço-me para resistir a essas tentações diárias, e invoco a tua mão para me socorrer. A ti confesso a minha incerteza, porque sobre este ponto o meu juízo ainda não é firme.

Ouço a voz do meu Deus que ordena: “Não se façam pesados os vossos corações com a intemperança e embriaguez”. A embriaguez está longe de mim; que a tua misericórdia não a deixe aproximar-se. Mas a intemperança, ao contrário, chega às vezes a arrastar o teu servo. A tua misericórdia há-de afastá-la de mim, porque ninguém pode ser temperante senão pela tua graça.

Concedes-nos muitas coisas quando te invocamos, e todo o bem que recebemos, mesmo antes de o pedir, é a ti que sempre o devemos. E o próprio acto de reconhecermos que esses dons são teus, é ainda graça tua. Nunca estive embriagado, mas conheci muitos, dados a esse vício, que se tornaram sóbrios pela tua graça. Assim, é graças a ti que alguns não são o que nunca foram; e também é graças a ti que outros não são mais o que foram; e é graças a ti, enfim, que estes e aqueles sabem a quem devem essa graça.

Ouvi ainda de ti outra palavra: “Não corras atrás das tuas concupiscências, e reprime os teus apetites” – A tua graça ainda me fez ouvir outra palavra, de que tanto gostei: “Se comemos, não teremos abundância; e se não comemos, não sofreremos privação”. – Ou seja: nem isto me fará rico, nem aquilo pobre. – E ouvi ainda esta outra: “Aprendi a contentar-me com o que tenho: sei viver na abundância e suportar a penúria. Tudo posso naquele que me fortalece”. – Eis como fala o bom soldado da milícia celeste: nada parecido ao pó que somos. Mas, Senhor, lembra-se que somos pó, e que de pó fizeste o homem; que este se havia perdido, e que foi reencontrado.

Por si mesmo, formado do mesmo pó que nós, nada podia aquele cujas palavras inspiradas tanto amei: “Tudo posso naquele que me fortalece” – Concede-me forças, para que eu possa. Dá-me o que mandas, e manda o que quiseres. Paulo confessa que tudo recebeu de ti, e, quando se gloria, é no Senhor que ele se gloria.

Ouvi também outro que te pedia esta graça: “Afasta de mim a intemperança”. – De onde se conclui claramente, ó Deus santo, que dás a força para cumprir o que mandas.

“Tu me ensinaste, Pai bondoso, que tudo é puro para os puros, mas que é mau para o homem comer com escândalo, que tudo o que fizeste é bom, e que nada deve ser rejeitado do que se recebe com acção de graças; que os alimentos não nos recomendam a Deus, que ninguém nos deve julgar pela comida ou pela bebida; que o que come não deve julgar o que não come”.

Por essas lições, graças e louvores te dou, meu Deus, meu Mestre, que bateste à porta dos meus ouvidos e iluminaste o meu coração. Livra-me de toda a tentação. Não receio a impureza dos alimentos, mas a impureza do prazer.

Sei que Noé teve permissão de comer toda espécie de carne que pudesse servir de alimento, e que Elias comeu carne para reparar as forças; sei que João Baptista, asceta admirável, não se manchou com os animais – os gafanhotos – de que se alimentava. Todavia eu sei que Esaú se deixou enganar pelo desejo de um prato de lentilhas; que David se repreendeu a si mesmo por ter desejado água; que o nosso Rei foi submetido à tentação, não de carne, mas de pão. Por isso o povo foi justamente repreendido no deserto, não por ter desejado comer carne, mas porque o desejo o fez murmurar contra o Senhor.

Exposto a estas limitações, luto diariamente contra a concupiscência do comer e do beber, pois não é coisa que possa cortar de uma vez por todas, apenas com o propósito de nunca mais recair, como fiz com a luxúria. É uma rédea imposta ao meu paladar, ora para afrouxá-la, ora para retesá-la. E quem é, Senhor, que não se deixa arrastar às vezes além dos limites do necessário? Se existe alguém assim, é de facto grande, e deve engrandecer o teu nome. Eu porém não sou desse número, porque sou pecador. Contudo, também, eu engrandeço o teu nome, e Aquele que venceu o mundo intercede junto de ti pelos meus pecados. Conta-me entre os membros enfermos do seu corpo, porque os teus olhos viram as minhas imperfeições e porque todos serão inscritos no teu livro.

(Revisão de versão portuguesa por ama)



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