Art.
4 — Se os milagres que Cristo fez foram suficientes para manifestar a sua
divindade.
O quarto discute-se assim. — Parece
que os milagres que Cristo fez não eram suficientes para manifestar a sua divindade.
1. — Pois, ser Deus e homem é
propriedade de Cristo. Ora, os milagres que Cristo fez também outros o fizeram.
Logo, parece que não eram suficientes para lhe manifestar a divindade.
2. Demais. — Nenhum poder é maior que
o da divindade. Ora, houve quem fizesse maiores milagres que Cristo; assim, diz
o Evangelho: Aquele que crê em mim, esse
fará também as obras que eu faço e fará outras ainda maiores. Logo, parece
que os milagres feitos por Cristo não eram suficientes a manifestar-lhe a
divindade.
3. Demais. — O universal não se
manifesta suficientemente pelo particular. Ora, cada um dos milagres de Cristo
foi uma obra particular. Logo, por nenhum deles podia manifestar-se
suficientemente a divindade de Cristo, que tem um poder universal sobre todas
as coisas.
Mas, em contrário, o Senhor diz: As obras que meu Pai me deu que cumprisse,
as mesmas obras que eu faço dão por mim testemunho.
Os milagres que Cristo fez
eram suficientes para manifestar-lhe a divindade, num tríplice ponto de vista.
— Primeiro, pela mesma espécie dessas obras, que transcendiam todo poder de
qualquer virtude criada; e portanto não podiam ser feitas senão por virtude
divina. Por isso, o cego que recobrou a vista dizia: Desde que há mundo, nunca se ouviu que alguém abrisse os olhos a um
cego de nascença. Se este não fosse Deus não podia ele obrar coisa alguma.
— Segundo, pelo modo de fazer os milagres; pois, ele os fazia quase por poder
próprio e não depois de ter orado, como os outros. Donde o dizer o Evangelho: Dele saía uma virtude que os curava a todos.
O que demonstra, como nota Cirilo, que não dependia de nenhum poder alheio;
mas, sendo naturalmente Deus, agia por virtude própria sobre os enfermos. E por
isso também jazia inumeráveis milagres. Por isso, ao Evangelho — Com sua palavra expelia os espíritos e
curava todos os enfermos — diz Crisóstomo: Notai como os evangelistas retiveram uma multidão de pessoas curadas,
sem nomear nenhuma em particular, indicando apenas com uma palavra, a multidão
inumerável de milagres. E assim mostrava uma virtude igual à de Deus Pai,
conforme o Evangelho: Tudo o que fizer o
Pai, também o Filho o faz semelhantemente. E ainda: Assim como o Pai ressuscita os mortos e lhes dá vida, assim também dá o
Filho vida aqueles que quer. — Terceiro, pela própria doutrina em virtude
da qual se afirmava Deus, a qual se não fosse verdadeira não fora confirmada
por milagres feitos pelo seu poder divino. Por isso se diz no Evangelho: Que nova doutrina é esta? Porque ele põe
preceito com império até aos espíritos imundos e obedecem-lhe.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Era essa uma objecção dos gentios. Donde o dizer Agostinho: Cristo, afirmam, não fez milagres que fossem
sinais suficientes da sua tão grande majestade. Pois, aquela purificação
figurada, pela qual expulsava os demónios, a cura de doentes, a vida restituída
aos mortos e outras obras tais são pequenas para Deus. Ao que Agostinho
responde assim: Também nós confessamos
que os profetas fizeram coisas semelhantes. Mas Moisés e os outros profetas
prenunciaram o Senhor Jesus e lhe deram grande glória. E essas mesmas obras
também Cristo quis fazer, pois seria absurdo que não as fizesse ele depois de
tê-las feito por meio dos profetas. Algumas
coisas porém fez, que só ele podia fazer: nascer de uma Virgem, ressurgir dos
mortos e subir ao céu. E quem pensar que isso é pouco para Deus, ignoro o que
mais espera. Por ventura, depois de assumida a humanidade, devia fazer outro
mundo para acreditarmos que foi ele quem fez o mundo? Mas não podia ser feito
um mundo nem maior nem igual ao das obras referidas; e então, se fizesse algo
menor que elas, também isso seria tido em pouca conta.
Quanto ao que outros fizeram, Cristo o
fez mais excelentemente. Por isso, diz o Evangelho — Se eu não tivesse feito entre eles tais obras que nenhum outro fez,
etc., diz Agostinho: Nenhuma obra de
Cristo é maior que a ressurreição de um morto, da qual sabemos que também os
profetas a fizeram. Mas Cristo operou milagres que ninguém mais obrou.
Responder-nos-ão, porém, que outros fizeram o que nem ele nem ninguém jamais
fez. Contudo, não há nenhuma prova que algum dos antigos fizesse o que ele fez
curar tão numerosos vícios, tantas doenças perigosas e tantas vexações dos
mortais, com tão grande poder. Pois, não podendo dar o nome de cada um dos
que curou com a sua palavra, a medida que se lhe apresentavam, Marcos diz: E onde quer que ele entrava, fosse nas
aldeias, ou nos casais, ou nas cidades, punham os enfermos no meio das praças e
pediam-lhe que os deixasse tocar ao menos a orla do seu vestido; e todos os que
o tocavam ficavam sãos. Ora, essas obras ninguém mais as fez senão Cristo.
E nesse sentido devemos entender a expressão do Evangelho, que é — neles — e
não entre eles — ou — na presença deles; mas exactamente — neles — porque os
curou. E quem quer que tivesse feito neles essas curas, não as fez tais quais;
pois, quem quer que as tivesse feito algumas delas, tê-las-ia feito por autoria
de Cristo; ao passo que Cristo as realizou por si mesmo e não por autoria de
outros
RESPOSTA À SEGUNDA. — Agostinho,
interpretando essas palavras de João, indaga quais fossem essas obras maiores, que haviam de fazer os crentes em
Cristo. Seriam porventura as de curar os doentes passando a ter simples sombra
de lesão? Pois, maior obra é curá-las
com a sombra do que Cristo com a fímbria da sua túnica. Contudo, quando assim falava, queria fazer
ver os efeitos e as obras da sua palavra. Pois, quando dizia — O Pai que está em mim esse é o que faz as
obras — a que obras se referia senão às palavras que proferia? E o fruto dessas mesmas palavras era a fé
dos discípulos. Contudo pela evangelização dos discípulos, não foram tão poucos
os que nele creram, pois também os gentios vieram a ser crentes. Assim, não
partiu triste da sua presença, aquele rico que pedia conselhos de vida eterna?
E todavia o conselho que ouviu e não
praticou, muitos o praticaram quando Cristo o pregava por meio dos discípulos.
Eis porque as obras que realizou,
pregadas pelos que nele criam, eram maiores que as que ensinou aos seus
ouvintes. Mas ainda mais nos move o facto de ter operado essas obras maiores
por meio dos Apóstolos. Assim, referindo-se a eles não disse somente: Quem crer em mim. Mas, ouvi o que disse:
Quem crer em mim, esse fará também as obras que eu faço. Primeiro as farei eu — diz — depois as farão os que crerem em mim, porque
eu o farei fazê-las. E essas obras em que consistem, senão em fazer do ímpio um
justo? O que Cristo opera em nós mas não sem nós. E isso eu até mesmo direi que
é mais do que criar o céu e a terra. Pois, o céu e a terra passarão; ao passo
que a salvação e a justificação dos predestinados permanecerá. — Mas no céu os
anjos são as obras de Deus. Porventura também fará maiores obras que essa quem
coopera com Cristo na sua própria justificação? Julgue quem puder, se é mais
criar os justos, que justificar os ímpios. Por certo, se ambas essas obras supõem
o mesmo poder, esta última necessita de maior misericórdia. Mas nenhuma
necessidade nos obriga a compreender todas as obras de Cristo, implicadas no
seu dito - Fará obras maiores que estas. Pois, talvez dissesse isso das obras
que nesse momento fazia; porque então procurava infundir a fé. E por certo, é
menos pregar verbalmente a justiça, o que fez por nosso amor; do que justificar
os ímpios, o que realiza em nós para também nós o fazermos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Quando uma determinada
obra é uma obra própria de algum agente, então dessa obra deduz-se da virtude
total do agente. Assim, raciocinar, sendo uma actividade própria do homem,
mostra que é homem quem raciocina qualquer propósito deliberado que tome. E
semelhantemente, como só Deus pode fazer milagres por virtude própria, fica
suficientemente provado que Cristo é Deus por qualquer dos milagres que fez por
virtude própria.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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