Questão
42: Da doutrina de Cristo
Art.
3 — Se Cristo devia ensinar tudo publicamente.
O terceiro discute-se assim. — Parece que
Cristo não devia ensinar tudo publicamente.
1. — Pois, como lemos no Evangelho, Cristo ensinou muitas coisas particularmente
aos discípulos, como o demonstra o sermão da Ceia. Por isso refere o
evangelista: O que se vos diz ao ouvido,
publicai-o dos telhados. Logo, não devia ensinar tudo publicamente.
2. Demais. — As profundezas da sabedoria
não devem ser transmitidas senão aos perfeitos, segundo o Apóstolo: Entre os perfeitos falamos da sabedoria.
Ora, a doutrina de Cristo continha a profundíssima das sabedorias. Logo, não
devia ser comunicada à multidão imperfeita.
3. Demais. — Ocultar uma verdade pelo
silêncio é o mesmo que envolvê-la em palavras obscuras. Ora, Cristo ocultava a
verdade que pregava às turbas, com a obscuridade das palavras; pois, não lhes falava sem parábolas, como diz
o Evangelho. Logo, pela mesma razão, poderia ocultá-la com o silêncio.
Mas, em contrário, o próprio Cristo o
proclamou: Eu nada disse em segredo.
Quem ensina uma doutrina
pode ocultá-la de três modos. — Primeiro, intencionalmente, quando tem a
intenção não de a manifestar a muitos, mas antes, de ocultá-la. O que pode
dar-se de dois modos. — Às vezes, por inveja do docente, que querendo ser
excelente pela sua ciência, não quer comunica-la aos outros. O que não se dava
com Cristo, de cuja pessoa diz a Escritura: Eu
a aprendi sem fingimento e a reparto com os outros sem inveja e não escondo as
riquezas que ela encerra. — Outras vezes tal se dá por causa da desonestidade
das coisas ensinadas, como o diz Agostinho: Há
certas coisas tão más que nenhum pudor humano pode suportá-las. Por isso,
da doutrina dos heréticos diz a Escritura: As
águas furtivas são mais doces. Ora, a
doutrina de Cristo, como diz o Apóstolo, não foi de erro nem de imundície. Donde o Senhor dizer: Porventura vem a lucerna, isto é, a doutrina
verdadeira e honesta, para a meterem debaixo do alqueire? De outro modo,
uma doutrina fica oculta quando exposta a poucos. E, nesse sentido, Cristo
também nada ensinou ocultamente, porque propunha toda a sua doutrina ou a todo
o povo ou a todos os seus discípulos em comum. Donde o dizer Agostinho: Falará ocultamente quem fala na presença de
todos? Sobretudo que, se o faz a poucos, é que quer por meio desses ensinar a
todos. Em terceiro lugar uma doutrina pode ser oculta quanto ao modo de
ensinar. Assim, Cristo expunha certas coisas às turbas, ocultamente, usando de
parábolas a fim de anunciar os mistérios espirituais, para cuja compreensão não
eram idóneos nem dignos. E contudo era-lhes melhor, mesmo assim, oculta em
parábolas, ouvir a doutrina espiritual, do que ficarem de todo privadas dela.
Mas a verdade patente e nua dessas parábolas o Senhor expunha-a aos seus
discípulos, por meio dos quais pudessem chegar a outros, que delas fossem
capazes, segundo o Apóstolo: O que
ouviste da minha boca diante de muitas testemunhas, entrega-o a homens fiéis,
que sejam capazes de instruir também a outros. E é o que significa aquele
lugar da Escritura, onde se manda aos filhos de Aarão envolver os vasos do
Santuário, que os Levitas assim haveriam de levar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Como diz Hilário, não lemos no
Evangelho, que o Senhor costumasse pregar à noite ou ensinar a sua doutrina nas
trevas; e quando diz isso significa que todas as suas pregações eram trevas
para os homens carnais e sua palavra, a noite para os infiéis. Por isso, o que
disse quer que entre os infiéis, seja publicado entenda com a liberdade da fé e
da pregação. - Ou, segundo Jerónimo, falava
em sentido comparativo, porque os ensinava no país da Judeia, pequeno
relativamente a todo o mundo, no qual deveria publicar-se a doutrina de Cristo,
pela pregação dos Apóstolos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O Senhor não
manifestou, com a sua doutrina, toda a profundeza da sua sabedoria, nem às
multidões nem ainda aos seus discípulos, a quem disse: Eu tenho ainda muitas coisas que vos dizer, mas vós não nas podeis
suportar agora. Contudo, da sua sabedoria, o que julgou digno de transmitir
aos outros não o propôs às ocultas, mas publicamente, embora não fosse
entendido por todos. Donde o dizer Agostinho: Quando o Senhor disse - falei publicamente ao mundo, é como se tivesse
dito - muitos me ouviram. Mas não era público o seu ensino para quem não o
entendesse.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O Senhor falava
à multidão em parábolas, como se disse, porque ela não era digna nem capaz de
receber a verdade plena, que expunha aos discípulos. — Quanto ao dito do
Evangelho - não lhes falava senão em
parábolas - ele refere-se, segundo Crisóstomo, ao que pregava nessa ocasião; pois em outras ocasiões muitas outras
coisas ensinou às turbas, sem parábolas. — Ou, segundo Agostinho, esse dito não significa que não explicasse
nada com expressões apropriadas, mas que quase não deu nenhum ensinamento em
que não se servisse de alguma parábola, embora empregasse então expressões
claras.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
E
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