Quaresma
Semana III
Evangelho:
Mc 12, 28-34
28 Então aproximou-se um dos escribas, que os tinha ouvido discutir.
Vendo que Jesus lhes tinha respondido bem, perguntou-Lhe: «Qual é o primeiro de
todos os mandamentos?». 29 Jesus respondeu-lhe: «O primeiro de todos
os mandamentos é este: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. 30
Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo
o teu entendimento e com todas as tuas forças”. 31 O segundo é este:
“Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Não há outro mandamento maior do que
estes». 32 Então o escriba disse-Lhe: «Mestre, disseste bem e com
verdade que Deus é um só, e que não há outro fora d'Ele; 33 e que
amá-l'O com todo o coração, com todo o entendimento, com toda a alma, e com
todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, vale mais que todos os
holocaustos e sacrifícios». 34 Vendo Jesus que tinha respondido
sabiamente, disse-lhe: «Não estás longe do reino de Deus». Desde então ninguém
mais ousava interrogá-l'O.
Comentário:
Mais tarde, Jesus Cristo dirigindo-se
directamente aos Seus discípulos voltará a este tema para especificar, deixando
bem claro que só o amor entre eles os identificará como tal.
O Amor de Deus pelos homens tem de se
reflectir no amor-dos-homens entre si.
Parece lógico!
Como se poderia entrar no Reino do
Amor sem amor?
(ama, comentário sobre Mc 12, 28-34, 2015.06.04)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO CONFISSÕES
LIVRO
PRIMEIRO
CAPÍTULO
XVII
Êxitos
escolares
Permite-me, Senhor, que
diga também algo de meu talento, dádiva tua, e dos desatinos em que o
empregava. Propunha-se-me como desafio – coisa mui preocupante para minha alma,
tanto pelo louvor ou descrédito, como por medo dos açoites – que repetisse as
palavras de Juno, irada e ressentida por não podem “afastar da Itália ao rei
dos troianos”, embora jamais tenha sabido que tivessem sido pronunciadas por
Juno. Mas obrigavam-nos a errar seguindo os passos das ficções poéticas, e a
repetir em prosa o que o poeta havia dito em verso. Era mais elogiado aquele
que, conforme a dignidade da pessoa representada, soubesse pintar com mais
vivacidade e semelhança, e revestir com palavras mais apropriadas seus afectos
de ira ou de dor.
Mas qual o proveito disso
– ó vida verdadeira, meu Deus – de que me servia ser aplaudido por minha
declamação mais que todos os meus coetâneos e condiscípulos? Não era tudo
aquilo fumo e vento? Acaso não havia outra coisa em que exercitar meu talento e
minha língua? Teus louvores, Senhor, teus louvores, consignados nas Escrituras,
poderiam soerguer a frágil planta de meu coração, e eu não teria sido
arrebatado pela vaidade de vãs quimeras, presa imunda das aves. Com efeito, há
diversas maneiras de oferecer sacrifício aos anjos rebeldes.
CAPÍTULO
XVIII
Leis
gramaticais, lei de Deus
Mas, por que admirar-se
que eu me deixasse arrastar pelas vaidades e me afastar de ti, meu Deus, se me
propunham como exemplos para imitar a uns homens que se, ao contar alguma boa
acção, deslizassem nalgum barbarismo ou solecismo cobriam-me de críticas e, pelo
contrário, que eram elogiados por narrar suas torpezas com palavras castiças e
apropriadas, de modo eloquente e elegante, e que os inchavam de vaidade?
Tu vês, Senhor, estas
coisas, e te calas compassivo, paciente, cheio de misericórdia e verdade. Mas
te calarás para sempre? Arranca, pois, agora deste espantoso abismo a alma que te
busca sedenta de teus deleites, e que te diz de coração: Procurei, Senhor, teu
rosto; o teu rosto, Senhor, ainda procurarei. Longe está do teu rosto quem anda
ocupado com afectos tenebrosos, porque não é com os pés carnais, nem cobrindo
distâncias que nos aproximamos ou nos afastamos de ti. Porventura aquele teu
filho menor procurou cavalos, ou carros, ou naves, ou voou com asas invisíveis,
ou viajou a pé para alcançar aquela região longínqua onde dissipou o que lhes
havia dado, ó Pai, meigo ao lhe entregar a substância, e mais carinhoso ainda
ao recebê-lo andrajoso? Assim, pois, viver nas paixões da luxúria, é o mesmo
que viver em paixões tenebrosas, é viver longe de teu rosto.
Olha, meu Senhor e meu
Deus, é vê paciente, como costumas ver, de que modo diligente os filhos dos
homens observam as regras de ortografia recebidas dos primeiros mestres, e desprezam
as leis eternas de salvação perpétua recebidas de ti; de tal modo que, se
alguns dos que sabem ou ensinam as regras antigas dos sons pronunciasse a
palavra homo, sem aspirar a primeira letra, desagradaria mais aos homens do que
se, contra teus preceitos, odiasse a outro homem, sendo este homem.
Como se o homem pudesse
ter inimigo mais pernicioso que o ódio com que se irrita contra si mesmo, ou
como se pudesse causar a outrem maior dano, perseguindo-o, do que causa a seu próprio
coração odiando! Com certeza, não nos é mais íntima a ciência das letras do que
a consciência, que manda não fazer a outrem o que não queremos que não nos
façam.
Oh! Como és
misericordioso, tu, que habitando silencioso nos céus, Deus grande e único, espalhas
com lei infatigável, cegueiras vingadoras sobre as paixões ilícitas! Quando o
homem, aspirando à fama de eloquente, ataca a seu inimigo com ódio feroz diante
do juiz, rodeado de grande multidão de homens, toma todo o cuidado para que,
por um lapsus linguae, não se lhe escape
um inter ominibus, sem aspirar o h,
sem cuidar que com o furor de seu ódio se tire um homem de entre os homens.
CAPÍTULO
XIX
Mau
perdedor
À beira de tal lodaçal
jazia eu, pobre criança, sendo esta a arena em que me exercitava, temendo mais
cometer um barbarismo de linguagem do que cuidando de não invejar, se o cometia,
aqueles que o tinham evitado.
Digo e confesso diante de
ti, meu Deus, essas misérias, que me angariavam o louvor daqueles cuja simpatia
equivalia para mim a uma vida honesta, pois não via o abismo pois não via o
abismo de torpeza em que tudo isso me lançara, longe dos teus olhos. Aos teus
olhos quem era mais repelente do que eu? E eu até desagradava tais homens,
enganando com infinidade de mentiras a meus criados, mestres e pais por amor
dos jogos, por gosto de ver espectáculos frívolos e o desejo inquieto de os
imitar.
Também cometia furtos na
despensa e na mesa de meus pais, ora impelido pela gula, ora para ter de dar
aos meninos para brincar com eles, folguedos que os deleitavam tanto quanto a mim,
e que eles me faziam pagar. No jogo, frequentemente, conseguia vitórias
fraudulentas, vencido pelo desejo de me sobressair. Contudo, nada havia que eu
quisesse mais evitar e que eu repreendesse mais atrozmente se o descobrisse em
outros, que o mesmo eu fazia aos demais.
Se acaso eu era o
prejudicado, e o acusado ficava furioso, eu não cedia. Será esta a inocência infantil?
Não, Senhor, não o é, eu to confesso, meu Deus. Porque essas mesmas coisas que
se fazem com os criados e mestres por causa de nozes, bolas e passarinhos, se
avultam na maioridade com os magistrados e reis por causa de dinheiro, palácios
e servos, do mesmo modo que à palmatória sucedem-se maiores castigos.
Assim, quando tu, nosso
rei, disseste: Delas é o reino dos céus – quiseste sem dúvida louvar na
pequenez de sua estatura um símbolo de humildade.
CAPÍTULO
XX
Acção
de graças
Contudo, Senhor, graças te
sejam dadas, excelso e óptimo criador e ordenador do universo, nosso Deus, mesmo
que te limitasses a me fazer apenas menino. Porque então, eu já existia, vivia,
sentia, cuidava da minha integridade, eco de tua profunda unidade, fonte de
minha existência.
Guardava também, com o
secreto instinto, a integridade dos meus outros sentidos, e deleitava-me com a
verdade nos pequenos pensamentos que formava sobre coisas pequenas.
Não queria ser enganado,
tinha boa memória, e me ia instruindo com a conversação. Alegrava-me com a
amizade, fugia à dor, ao desprezo, à ignorância. E não seria isto, em tal criatura,
digno de admiração e de louvor? Pois todas essas coisas são dons do meu Deus,
que eu não dei a mim mesmo. E todos são bons, e tudo isso constitui o meu eu.
O que me criou, portanto,
é bom, e ele próprio é o meu bem; a ele louvo por todos estes bens que
integravam meu ser de criança. Eu pecava em buscar em mim próprio e nas demais criaturas,
e não nele, os deleites, grandezas e verdades; por isso caia logo em dores,
confusões e erros.
Graças a ti, minha doçura,
minha esperança e meu Deus, graças a ti por teus dons; que eles fiquem em ti
conservados. Assim me guardarás também a mim, e aumentarão e aperfeiçoarão os
dons que me deste, e eu estarei contigo, porque também me deste a existência.
LIVRO
SEGUNDO
CAPÍTULO
I
A
adolescência
Quero recordar minhas
torpezas passadas e as degradações carnais de minha alma, não porque as ame,
mas por te amar, ó meu Deus. É por amor de teu amor que o faço, percorrendo com
a memória amargurada, aqueles meus perversos caminhos, para que tu me sejas
doce, doçura sem engano, ditosa e eterna doçura. Resgata-me da dispersão em que
me dissipei quando, afastando-me de tua unidade, me desvaneci em muitas coisas.
Tempo houve de minha
adolescência em que ardi em desejos de me fartar dos prazeres mais baixos, e
ousei a bestialidade de vários e sombrios amores, e se murchou minha beleza, e me
transformei em podridão diante de teus olhos, para agradar a mim mesmo e
desejar agradar aos olhos dos homens.
CAPÍTULO
II
As
primeiras paixões
E que me deleitava, senão
amar e ser amada? Mas eu não era moderado, indo de alma para alma de acordo com
os sinais luminosos da amizade, pois, da lodosa concupiscência da minha carne e
do fervilhar da puberdade levantava-se como que uma névoa que obscurecia e ofuscava
o meu coração, a ponto de não discernir a serena amizade da tenebrosa libido.
Uma e outra, confusamente, me abrasavam; arrastavam minha fraca idade pelo
declive íngreme de meus apetites, afogando-me em um mar de torpezas. A Tua ira
se acumulava sobre mim, e eu não o sabia. Ensurdeci com o ruído da cadeia da
minha mortalidade, e cada vez mais me afastava de ti, e tu o consentias; e me
agitava, e me dissipava, e me derramava e fervia em minha devassidão, e tu te
calavas – ó alegria que tão tarde encontrei! – tu te calavas então, e eu ia
cada vez mais para longe de ti, sempre atrás de estéreis sementes de dores, com
vil soberba e inquieto cansaço.
Oh! Se alguém refreasse
aquela minha miséria, para que fizesse bom uso da fugaz beleza das criaturas
inferiores; limitasse suas delicias, a fim de que as vagas daquela minha idade rompessem
na praia do matrimonio, já que de outro modo não podia haver paz – contendo-se
nos limites da geração, como prescreve tua lei, Senhor, tu que crias o gérmen
transmissor da nossa vida mortal, e que com mão bondosa podes suavizar a
agudeza dos espinhos, que mantiveste fora do paraíso! Porque a tua omnipotência está perto de nós, mesmo quando vagueamos longe de ti.
Pelo menos eu deveria
atender com mais diligência à voz de tuas nuvens: Também eles sofrerão as tribulações
da carne; mas eu quisera poupar-vos; e bom é ao homem não tocar em mulher; o
que está sem mulher pensa nas coisas de Deus, de como o há de agradar; mas o
que está ligado pelo matrimonio pensa nas coisas do mundo, e em como há de
agradar à mulher.
Estas são as palavras que
eu deveria ter ouvido mais atentamente; e, eunuco pelo amor ao reino de Deus,
teria suspirado mais feliz por teus abraços.
Mas eu, miserável,
tornei-me em torrente, seguindo o ímpeto de minha paixão, te abandonei e
transgredi a todos os teus preceitos, sem porém, escapar de teus castigos. E
quem o poderia dentre os mortais? Sempre estavas ao meu lado, irritando-se
misericordiosamente comigo, e aspergindo com amaríssimos desgostos todos os
meus gozos ilícitos, para que eu buscasse a alegria sem te ofender e, quando a
achasse, de modo algum fosse fora de ti, Senhor.
Fora de ti, que impões a
dor em mandamento, e feres para sarar, e tiras-nos a vida para que não morramos
sem ti.
Mas onde estava eu? Oh!
Quão longe, exilado das delícias de tua casa naqueles meus dezasseis anos de
idade carnal, quando esta empunhou seu ceptro sobre mim, e eu me rendi totalmente
a ela, à fúria da concupiscência que a degradação humana legítima, porém,
ilícita, de acordo com as tuas leis.
Nem mesmo os meus cogitaram
em me sustentar na queda, pelo casamento, ao ver-me cair; cuidavam apenas que
eu aprendesse a compor discursos magníficos e a persuadir com a palavra.
(cont)
(Revisão da versão
portuguesa por ama)
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