Em seguida devemos tratar da doutrina
de Cristo. E nesta questão discutem-se quatro artigos:
Art. 1 — Se Cristo devia pregar não só
aos Judeus, mas também aos gentios.
Art. 2 — Se Cristo devia pregar aos
judeus sem os chocar.
Art. 3 — Se Cristo devia ensinar tudo
publicamente.
Art. 4 — Se Cristo devia ensinar a sua
doutrina por escrito.
Art.
1 — Se Cristo devia pregar não só aos Judeus, mas também aos gentios.
O primeiro discute-se assim. — Parece que
Cristo devia pregar, não somente aos judeus, mas também aos gentios.
1. — Pois, diz a Escritura: Pouco é que tu sejas meu servo para suscitar
as tribos de Israel e converter as fezes de Jacob. Eis aqui estou eu que te
estabeleci para luz das gentes a fim de seres tu a salvação que eu envio até a
última extremidade da terra. Ora Cristo trouxe-nos com a sua doutrina a luz
e a salvação. Logo, parece que não devia ter pregado só, aos judeus, com
exclusão dos gentios.
2. Demais. — Como diz o Evangelho, Ele os ensinava como quem tinha autoridade.
Ora, maior necessidade havia de ensinar doutrina para a instrução daqueles que
nunca o ouviram pregar, como eram os gentios; donde o dizer o Apóstolo - Assim tenho anunciado este Evangelho, não
onde se havia feito já menção de Cristo, por não edificar sobre fundamento de
outro. Logo, com muito maior razão, Cristo devia pregar, antes, aos gentios
que aos judeus.
3. Demais. — É mais útil a instrução
de muitos que a de um só. Ora Cristo instruiu alguns gentios, como a mulher
Samaritana e a Cananeia. Logo, parece que Cristo devia com muito maior razão
pregar à multidão dos gentios.
Mas, em contrário, o Senhor diz, no
Evangelho: Eu não fui enviado senão às
ovelhas que pereceram da casa de Israel. E o Apóstolo: Como pregarão eles se não forem enviados? Logo, Cristo não devia
pregar aos gentios.
Tanto Cristo como os
Apóstolos deviam ter começado por pregar só aos Judeus. — Primeiro, para
mostrar que, pelo seu advento, se cumpriram as promessas anteriormente feitas
aos judeus e não aos gentios. Donde o dizer o Apóstolo: Digo que Jesus Cristo foi ministro da circunscrição, isto é, Apóstolo e
pregador dos judeus, pela verdade de Deus, para confirmar as promessas dos pais.
— Segundo, para provar que o seu advento procedia de Deus; pois, as coisas de Deus são ordenadas, como diz o Apóstolo. Ora, a
ordem devida exigia que a doutrina de Cristo fosse proposta primeiro aos
Judeus, mais próximos de Deus pela fé e pelo culto monoteísta, para ser depois,
por meio deles, transmitida aos gentios; assim como também, na hierarquia
celeste as iluminações divinas são transmitidas aos anjos inferiores pelos
superiores. Por isso, comentando o
Evangelho — Eu não fui enviado senão às
ovelhas que pereceram da casa de Israel — diz Jerónimo: Não quer isso significar que não foi mandado
aos gentios, mas que o foi primeiro a Israel. Donde o dizer a Escritura: E os que dentre eles forem salvos, isto é,
dos judeus, eu os enviarei às gentes de além-mar e eles anunciarão a minha
glória as gentes. — Terceiro, para tirar aos judeus a ocasião de
caluniá-lo. Por isso, comentando o Evangelho
— Não ireis caminho de gentios, diz
Jerónimo: O advento de Cristo devia ser
anunciado primeiro aos judeus, para não terem justa desculpa de dizer, que
rejeitaram o Senhor, porque mandou os seus apóstolos aos gentios e aos
samaritanos. — Quarto, porque Cristo, pela vitória da cruz, mereceu o poder
e o domínio sobre as gentes. Por isso diz a Escritura: Aquele que vencer eu lhe darei poder sobre as nações, assim como também
eu a recebi de meu Pai. E o Apóstolo diz que porque foi feito obediente até a morte da cruz, Deus o exaltou para que
ao nome de Jesus se dobre todo o joelho e toda língua e confesse. E eis
porque antes da paixão não quis pregar a sua doutrina aos gentios; mas depois
dela disse aos discípulos: Ide e ensinai a todas as gentes. Por isso, como se
lê no Evangelho, quando, na iminência da paixão, alguns gentios queriam ver a
Jesus, respondeu: Se o grão de trigo que
cai na terra não morrer, fica ele só; mas se ele morrer produz muito fruto.
E, como explica Agostinho, dizia de si que era um grão à ser morto,
pela infidelidade dos judeus; e multiplicado, pela fé de todos os povos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Cristo foi a luz e a salvação das gentes por meio dos seus discípulos, que
mandou a pregar aos gentios.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Agir antes por
meio de outrem que por si mesmo é sinal, não de um poder inferior, mas de um
poder maior. Por isso o poder divino de Cristo manifestou-se sobretudo por ter
conferido aos seus discípulos um tão grande poder de ensinar, que converteram
para Cristo os gentios, que nunca tinham ouvido falar dele. — Ora, o poder de
ensinar, que Cristo tinha, pode ser considerado quanto aos milagres, pelos
quais confirmava a sua doutrina; quanto à eficácia de persuadir; e quanto à
autoridade da sua palavra, porque falava como quem tinha o domínio sobre a lei,
quando afirmava — Eu porém digo-vos;
e também quanto à virtude da rectidão, que mostrava na sua vida isenta de
pecados.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim como
Cristo não devia comunicar indiferentemente, desde o princípio, a sua doutrina
aos gentios, a fim de mostrar que fora dado aos Judeus, como ao povo primogénito,
assim também não devia repelir de todo os gentios, para não serem privados da
esperança da salvação. E por isso alguns gentios foram particularmente
admitidos por causa da excelência da sua fé e devoção.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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