O
Chefe dos assaltantes.
Toda a minha vida tem sido a de um
autêntico marginal, dedicando-me a roubar quanto me aparece a jeito.
A princípio, teria talvez escassos dezoito
anos, juntava-me a outros rapazes da minha idade, marginais como eu, e assim
levava-mos uma vida de sobressaltos sempre em fuga das autoridades e, muitas
vezes, alguns dos que assaltávamos reagiam e as coisas corriam mal, para o
nosso lado, já se vê.
Um dia as coisas mudaram bastante porque
veio ter connosco um sujeito bastante mais velho que nós e que – para encurtar
– nos reuniu num bando passando a agir sob as suas ordens e instruções.
O homem era de facto um autêntico facínora
que não hesitava em empregar violência para atingir os seus fins.
Chamava-se Barrabás!
Dizia ele que, como Zelote que era, o seu principal
alvo era provocar o ocupante romano de modo a mantê-lo ocupado em acções de polícia
desviando-o de outras acções mais aparatosas com que tentavam manter a férrea
disciplina que impunham ao povo.
Dividiu-nos em grupos de três e quatro e a
cada grupo dava instruções sobre o que fazer e onde.
O meu grupo – eu e mais três – tinha sido
“destacado” para a via que descia de Jericó para Jerusalém que, segundo ele,
tinha numerosos viandantes a maioria dos quais eram gente que comerciava, logo,
trazendo consigo ou bens ou o dinheiro produto da sua venda.
E, realmente, a nossa actividade produzia
bons resultados e Barrabás estava muito satisfeito connosco pois arrecadava a
maior parte dos “proventos” da nossa actividade.
Hoje, porém, as coisas não correram muito
bem, ou antes, correram muito mal.
Do nosso esconderijo avistámos um homem
sozinho que descia, o jumento que conduzia estava ajoujado de mercadoria. Todo
o seu aspecto e a forma como trajava indicavam que seria um homem de posses.
Não se avistando mais ninguém por perto
resolvemos assaltá-lo e, foi aqui, que tudo se complicou. O homem era bastante
robusto e ofereceu uma resistência feroz e determinada a não se deixar roubar.
Um dos meus companheiros recebeu vários
golpes que o deixaram práticamente inanimado e outro recebeu um profundo corte
provocado pela adaga que o homem esgrimia com destreza.
Não estive com contemplações e com um
bastão de ferro agredi o sujeito prostrando-o no chão poeirento.
Depois… movido pela raiva dei-lhe pontapés,
murros, eu sei lá… arranquei-lhe os vestidos deixando-o em farrapos e pondo o
meu companheiro em cima do jumento fugimos para o nosso esconderijo para tentar
recuperar dos ferimentos recebidos e deitar contas ao espólio arrecadado.
Os outros dois, amparando-se mutuamente,
puseram-se a caminho de Jerusalém para procurar tratamento para as suas
feridas, eu fiquei ali escondido remoendo a minha raiva pelo que acontecera.
Deixara-me dominar pela ira ao atacar de forma tão desumana o desgraçado que
nos caíra nas mãos.
Ora um chefe, um verdadeiro chefe, não pode
deixar que os seus sentimentos extravasem colocando-se fora de controlo, É
fundamental manter a calma em qualquer situação para se impor aos que têm de
ver nele capacidade e aptidão para chefiar e comandar.
Ouvi um ruido de cavalgadura e avistei um
homem que se aproximava. Já era o terceiro desde que decorrera o assalto. Antes
tinham aparecido um sacerdote e um levita que mal olharam para o desgraçado que
jazia na vera do caminho, antes estugaram o passo seguindo viajem. [ii]
Porém, este, deteve-se e debruçou-se sobre
a vítima, voltando-o de costas, retirou o manto e pôs-lho debaixo da cabeça.
Depois dirigiu-se à sua montada e dos alforges retirou um pequeno odre com
vinho e uma garrafa com azeite. Com grande cuidado e destreza foi destapando as
numerosas feridas e contusões deitando-lhes azeite e vinho [iii] e
cobrindo-as com pequenos pedaços de pano que rasgava de um lençol.
O pobre ferido começou a falar e embora eu
não pudesse ouvir o que diziam percebi que mostrava gratidão e reconhecimento.
Depois e a muito custo conseguiu coloca-lo
sobre a sua cavalgadura e afastaram-se por outro caminho.
Tenho de confessar que estava atónito com o
que acabara de presenciar é que, esquecia-me de dizer, o socorrista era um
samaritano que, como toda agente sabe, não suportam os judeus.
Fiquei longo tempo ali sentado pensando em
tudo aquilo que tanto me impressionara, sobretudo na solicitude e compaixão
demonstradas pelo samaritano para com a vítima e não pude deixar de me avaliar
a mim mesmo se, acaso, procederia de igual forma.
O meu coração empedernido por anos de
violências e desacatos, abusos e esbulhos parece que me estalava no peito e,
num impulso irresistível dei um salto para fora do esconderijo e abalei numa
corrida desenfreada em direcção Jerusalém.
Mas tive de parar a minha correria, um
aglomerado de gente atravancava o caminho.
Escutavam um homem que falava com uma voz
tão clara e segura que me percebi logo ser alguém excepcional.
Parecia estar a acabar um longo discurso e
ouvi estas palavras finais:
Fiquei
por ali pensando no que acabara de ouvir e, dentro de mim algo se transformou
como se, sem eu compreender bem o que me acontecia, estivesse a ver toda a
minha vida num relance, uma vida feita de assaltos, roubos, violências de toda
a ordem e percebi, sim, entendi, que tinha de mudar radicalmente.
Retomei
a corrida e cheguei
ofegante, mal podendo respirar, à escadaria do Templo e, pela primeira vez na
minha vida, entrei. Não sabia o que fazer ou o que dizer mas, a verdade, é que
caí de joelhos e pus a cabeça no chão.
Então, como se fosse outro que não eu,
ouvi-me dizer:
‘Senhor, tem misericórdia de mim que sou um
desgraçado, um malfeitor, um miserável!’
Quando saí parecia-me que mal punha os pés
no chão de tal forma me sentia outro, mais leve, muito mais leve e voltei pelo
mesmo caminho, decidido a encontrar a minha vítima para lhe restituir o que lhe
roubara.
(ama,
reflexões no Ano Jubilar da Misericórdia – 3)
Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Lucas [i] poderia ser o Evangelho “oficial” do Ano
Jubilar da Misericórdia.
De facto, aparte a
magistral descrição da parábola proferida por Jesus Cristo, a beleza do texto,
a economia das palavras, o ritmo da descrição – características deste
Evangelista – põem-nos perante um autêntico quadro ou, melhor, perante um filme
que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e excitando os nossos
sentidos.
São Josemaria
recomendou: “aconselho-te a que,
na tua oração, intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais”. [i]
É isso mesmo que me
proponho fazer.
Sob o Título: “Próximos do próximo” (sugerido por um bom amigo) vou
tentar personificar alguns dos personagens da parábola e, também, introduzir-me
nela como observador directo.
[ii] Cfr. Lc 10, 31-32
[iii] Cfr. Lc 10, 34
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