Em seguida devemos tratar da tentação
de Cristo. E nesta questão discutem-se quatro artigos:
Art. 1 — Se Cristo devia ser tentado.
Art. 2 — Se Cristo devia ser tentado
no deserto.
Art. 3 — Se Cristo devia ser tentado
depois do jejum.
Art. 4 — Se foi conveniente o modo e a
ordem da tentação.
Art.
1 — Se Cristo devia ser tentado.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que Cristo não devia ser tentado.
1. — Pois, tentar é fazer uma
experiência, e esta não a fazemos senão do que ignoramos. Ora, também os demónios
conheciam a virtude de Cristo, conforme diz o Evangelho: Não permitia os demónios falarem, pois sabiam que ele mesmo era o
Cristo. Logo, parece que não devia Cristo ser tentado.
2. Demais. — Cristo veio destruir as
obras do diabo, segundo a Escritura: Para
destruir as obras do diabo é que o Filho de Deus vez ao mundo. Ora, ninguém
pode ao mesmo tempo destruir as obras de outrem e sofrer-lhes a acção. Donde,
parece Que Cristo não devia ter sofrido ser tentado pelo diabo.
3. Demais. — Há três formas de
tentação: a da carne, a do mundo e a do diabo. Ora, Cristo não foi tentado nem
pela carne nem pelo mundo. Logo, também não devia ter sido tentado pelo diabo.
Mas, em contrário, o Evangelho: Foi levado Jesus pelo Espírito ao deserto,
para ser tentado pelo diabo.
Cristo quis ser tentado,
primeiro, para nos dar auxílio contra as tentações. Por isso diz Gregório: Não era indigno do nosso Redentor querer ser
tentado, ele que veio para ser imolado; para que assim vencesse as nossas
tentações com as suas, assim como venceu com a sua a nossa morte. — Segundo
para nossa cautela: a fim de que ninguém, por santo que seja, se julgue seguro
e imune à tentação. Por isso quis ser tentado depois do baptismo; porque, como
diz Hilário, as tentações do diabo são
mais frequentes, sobretudo contra os santos, porque sobre estes é que ela mais
deseja a vitória. Donde o dizer a Escritura: Filho, quando entrares no serviço de Deus, tem ser firme na justiça e
no temor e prepara a tua alma para a tentação. — Terceiro, para nos dar o
exemplo de como devemos vencer as tentações do diabo. Donde o dizer Agostinho: Cristo deixou-se tentar pelo diabo, para nos
mostrar como venceremos as suas tentações, não somente pelo seu auxílio, mas
também pelo seu exemplo. — Quarto, para nos excitar à confiança na sua
misericórdia. Donde o dizer o Apóstolo:
Não temos um pontífice que não possa compadecer-se das nossas enfermidades, mas
que foi tentado em todas as coisas à nossa semelhança, excepto o pecado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Como diz Agostinho, Cristo deixou-se
conhecer pelos demónios tanto quanto quis não pelo concernente à sua vida
eterna, mas por alguns efeitos temporais do seu poder, donde podiam de certo
modo conjecturar que Cristo era Filho de Deus. Mas como, por outro lado, viam
nele certos sinais da fraqueza humana, não tinham como certo que fosse Filho de
Deus. E por isso não quiseram tentá-lo conforme ao que diz o Evangelho: Depois que teve fome chegou-se a ele o
tentador. Porque, como diz Hilário, o
diabo não teria ousado tentar a Cristo, senão o reconhecesse: como homem,
quando o viu; sujeito à miséria da fome. E isto mesmo se conclui do seu
modo de tentar quando disse - Se és o
Filho de Deus. Expondo o que, diz Gregório: Que quer significar começando com tais palavras, senão que, embora
sabedor que o Filho de Deus devia vir ao mundo, não pensava, contudo que viesse
sujeito a essas misérias do corpo?
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo veio
destruir as obras do diabo, não pelo emprego do seu poder, mas antes
sofrendo-lhe a acção e a dos seus partidários, de modo a vencê-la pela justiça
e não pela onipotência. Por isso diz Agostinho: O diabo foi vencido, não pelo poder, mas pela justiça de Deus. Donde,
a respeito da tentação de Cristo devemos considerar o que fez por vontade
própria e o que sofreu do diabo. Assim por vontade própria deixou-se tentar do
diabo, como está no Evangelho: Foi levado
Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Lugar que
Gregório diz dever ser entendido do Espírito Santo, e significa que o seu
Espírito o levou onde o espírito maligno o encontrasse para tentá-lo. Mas,
sofreu a acção do diabo quando este o levou para o pináculo do Templo, ou para
um monte muito alto. Nem é para admirar,
como diz Gregório, que se deixasse
conduzir pelo diabo a um monte, quem permitiu que os seus partidários o
crucificassem. Mas não devemos pensar que fosse tomado à força pelo diabo,
mas que, como nota Orígenes, o seguia a
este para o lugar da tentação, como um atleta que marcha voluntariamente para o
combate.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz o
Apóstolo, Cristo quis ser tentado em
todas as causas, excepto o pecado. Ora, a tentação proveniente do diabo
pode ser sem pecado, pois, ela se faz pela só sugestão intervir. Ao passo que
originada na carne não pode deixar de ser pecaminosa, porque se faz pela deleite
e pela concupiscência. E, como diz Agostinho, há sempre pecado quando a carne deseja contra o espírito. Donde o
ter Cristo querido a tentação do diabo, mas não a da carne.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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