04/02/2016

Jesus Cristo e a Igreja - 96

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos [i]
III. Desenvolvimento do tema da continência na Igreja latina

Afirmados os pressupostos necessários sobre o conceito e o método de investigação e exposição, analisaremos em primeiro lugar o tema da continência dos clérigos na Igreja Latina.

O Concílio de Elvira

Entre os testemunhos de diversos tipos que interessam para o nosso assunto, deve ser mencionado, em primeiro lugar, o Concílio de Elvira. Na primeira década do século IV, reuniram-se bispos e sacerdotes da Igreja da Espanha, no centro diocesano de Elvira, perto da Granada, para colocar sob uma regulamentação comum as diversas circunscrições eclesiásticas da Espanha, pertencente à parte ocidental do Império Romano, que gozava, sob o governo do César Constâncio, de uma paz religiosa relativamente boa. No período anterior, durante a perseguição dos cristãos, se havia constatado abusos em mais de um sector da vida cristã e havia sofrido danos graves na observância da disciplina eclesiástica. Em 81 cânones conciliares, são emanadas disposições relativas às áreas mais importantes da vida eclesiástica, necessitadas de clarificação e de renovação para reafirmar a antiga disciplina e para sancionar novas normas que se tinham tornado desnecessárias.
O Cânon 33 do Concílio contém a já conhecida primeira lei sobre o celibato. Sob a rubrica: “Sobre os bispos e ministros (do altar), que devem ser continentes com suas esposas”, se encontra o seguinte texto dispositivo: “Se está de acordo sobre a proibição total, válida para bispos, sacerdotes e diáconos, ou seja, para todos os clérigos dedicados ao serviço do altar, que devem se abster de suas esposas e não gerar filhos; quem fizer isso deve ser excluído do estado clerical”. O cânon 27 já havia insistido na proibição de que habitassem com os bispos e outros eclesiásticos, outras mulheres não pertencentes à sua família. Só poderiam levar para junto de si, uma irmã ou uma filha consagrada virgem, mas de nenhum modo uma estranha.
Desses primeiros e importantes textos legais se devem deduzir que muitos dos clérigos maiores da Igreja espanhola de então, talvez inclusive a maior parte, eram viri probati, quer dizer, homens casados antes de serem ordenados como diáconos, sacerdotes ou bispos. Todos, entretanto, estavam obrigados depois de ter recebido a Sagrada Ordenação a renunciar completamente do uso do matrimónio, quer dizer, à observância de uma perfeita continência. À luz do final do Concilio de Elvira, assim como do Direito e da História do Direito do Império Romano, dotado de uma cultura jurídica que dominava naquela época também na Espanha, não é possível ver no cânon 33 (junto com o cânon 27) uma lei nova.
Manifesta-se claramente, ao contrário, como uma reacção contra a inobservância, muito estendida, de uma obrigação tradicional e bem conhecida a que se acrescenta, nesse momento, uma sanção: ou se aceita o cumprimento da obrigação assumida, ou se renuncia ao estado clerical.
A introdução de uma novidade nesse terreno, com retroactividade geral das sanções frente a direitos adquiridos desde a Ordenação, teria causado num mundo como aquele, tão imbuído do respeito ao legal, uma verdadeira tempestade de protestos ante a evidente violação de um direito.
Isto já o havia percebido Pio XI quando, na sua Encíclica sobre o sacerdócio, afirmou que essa lei escrita supunha uma práxis precedente.

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)



[i] Card. alfons m. stickler, Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro


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