Art.
6 — Se é exacto dizer-se que o Espírito Santo desceu sobre Cristo baptizado em
forma de pomba.
O sexto discute-se assim. — Parece que não é
exacto dizer-se que o Espírito Santo desceu sobre Cristo baptizado em forma de
pomba.
1. — Pois, o Espírito Santo habita no
homem pela graça. Ora, o homem Cristo teve a plenitude da graça desde o
princípio da sua concepção, em que foi o Unigénito do Pai, como do sobredito
resulta. Logo, o Espírito Santo não devia ter-lhe sido enviado no baptismo.
2. Demais. — O Apóstolo diz que, pelo mistério da Encarnação, Cristo desceu
ao mundo, quando se aniquilou a si mesmo, tomando a natureza de servo. Ora,
o Espírito Santo não se encarnou. Logo, não é exacto dizer que o Espírito Santo
desceu sobre ele.
3. Demais. — O baptismo de Cristo
devia mostrar, como que por um exemplo, o que se dá com o nosso baptismo. Ora,
no baptismo que nós recebemos não há nenhuma missão visível do Espírito Santo.
Logo, no baptismo de Cristo devia manifestar-se a missão visível do Espírito
Santo.
4. Demais. — O Espírito Santo deriva
para nós mediante Cristo, segundo o Evangelho: Todos nós participamos da sua plenitude.
Ora, o Espírito Santo desceu sobre os
Apóstolos, sob a forma, não de pomba, mas de fogo. Logo, não devia ter descido
sobre Cristo em forma de pomba, mas de fogo.
Mas, em contrário, o Evangelho: Desceu sobre ele o Espírito Santo em forma
corpórea, como uma pomba.
O que se passou no baptismo de Cristo, como diz Crisóstomo, constitui o mistério de todos os que no
futuro haviam de ser baptizados. Pois, todos os baptizados pelo baptismo de
Cristo recebem o Espírito Santo, se não se apresentarem dolosamente para o receber,
segundo o Evangelho: Ele vos baptizará no
Espírito Santo. Por isso foi conveniente que o Espírito Santo descesse
sobre o Senhor, no seu baptismo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Como diz Agostinho, é absurdíssimo
dizer que Cristo recebeu o Espírito Santo, quando já tinha trinta anos; pois,
quando recebeu o baptismo, assim como não tinha pecado, assim também já tinha o
Espírito Santo. Se, pois, foi
escrito, de João, que seria cheio do Espírito Santo desde o ventre da sua mãe,
que devemos dizer do homem Cristo, cuja carne teve uma concepção espiritual e
não carnal? Pelo seu baptismo dignou-se prefigurar o seu corpo, isto é, a
Igreja; na qual sobretudo os baptizados recebem o Espírito Santo.
RESPOSTA ÀSEGUNDA, - Como diz
Agostinho, quando a Escritura refere que
o Espírito Santo desceu sobre Cristo sob a forma corpórea de uma pomba, não
quer com isso significar que se tivesse tornada visível a substância própria do
Espírito Santo, que é invisível. Nem que essa criatura visível fosse assumida na
unidade da pessoa divina. Assim, não diz que o Espírito Santo é pomba, como diz
que o Filho de Deus é homem, em razão da união. E nem o Espírito Santo foi
visto em forma de pomba, como João viu o cordeiro imolado no Apocalipse,
conforme aí se lê; pois, essa foi uma visão em espírito, mediante imagens
espirituais dos corpos; ao passo que ninguém duvidou de ter visto realmente a
pomba. Nem o Espírito Santo apareceu sob forma de pomba, no sentido em que o
Apóstolo diz - Cristo porém era pedra; pois, a pedra referida no texto já
existia anteriormente em a natureza e por analogia é designada para significar
o nome de Cristo; ao passo que a pomba teve uma rápida aparição só para
significar o Espírito, e depois 'desapareceu, como a chama' aparecida a Moisés
na sarça ardente. - Quando, pois, o Evangelho refere que o Espírito Santo
desceu sobre Cristo não era em razão da sua união com a pomba, mas em razão da
própria pomba, símbolo do Espírito Santo, descendo sobre Cristo; ou ainda em
razão da graça espiritual que deriva de Deus, descendo sobre a criatura,
segundo a Escritura: Toda a dádiva em extremo excelente e todo o dom perfeito
vem lá de cima e desce do Pai das luzes.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz
Crisóstomo, o começo das manifestações do
mundo espiritual aos homens é sempre mediante visões sensíveis, por causa dos
incapazes de receber nenhuma inteligência da natureza incorpórea; de modo que,
se esses mesmos sinais não vierem outra vez a reproduzir-se, fique a fé
infundida pelas primeiras aparições. Por isso, sobre Cristo baptizado o
Espírito Santo desceu visivelmente sob forma corpórea, para que depois se
acreditasse na sua descida invisivelmente sobre todos os baptizados.
RESPOSTA À QUARTA. — O Espírito Santo
desceu visivelmente sobre Cristo baptizado em forma de pomba, por quatro
razões.
Primeiro, para mostrar a disposição
que deve ter o baptizado, de não se aproximar do baptismo dolosamente; pois,
como diz a Escritura, o Espírito Santo,
mestre da disciplina, fugirá do fingido. Ora, a pomba é um animal simples,
sem astúcia nem dolo, donde o dizer o Evangelho: Sêde simples como as pombas. Segundo, para designar os sete dons do
Espírito Santo que as propriedades da pomba simbolizam. - Assim, habita a pomba
ao longo dos cursos de água, por onde mergulha e foge quando o gavião a
persegue. E isso simboliza o dom da sabedoria, que leva os santos a habitarem
perto das águas da divina Escritura, para fugirem aos ataques do diabo. - Do
mesmo modo, a pomba escolhe os melhores grãos: símbolo do dom da ciência pela qual
os santos escolhem como alimento do espírito as doutrinas sãs. - Igualmente, a
pomba cria os filhotes das outras aves: símbolo do dom do conselho pelo qual os
santos educam pela doutrina e pelo exemplo os homens que, pequenos e fracos,
foram como os imitadores do diabo. - Depois, a pomba não dilacera com o bico:
símbolo da inteligência, pela qual os santos não pervertem, dilacerando-a, a
sagrada doutrina, ao modo dos heréticos. - Ainda, a pomba não tem fel: símbolo
do dom de piedade, pela qual os santos não nutrem nenhuma cólera irracional. -
Em seguida, a pomba nidifica nas cavas dos rochedos: símbolo do dom da
fortaleza, pela qual os santos edificam o seu ninho na pedra firme das chagas
de Cristo morto, isto é, buscam nela o seu refúgio e colocam as suas
esperanças. - Enfim, a pomba tem o gemido por canto: símbolo do dom do temor,
pelo qual os santos se comprazem em gemer pelos pecados. Em terceiro lugar, o
Espírito Santo apareceu em figura de pomba, por causa do efeito do baptismo,
que é a remissão dos pecados e a reconciliação com Deus; pois, a pomba é um
animal cheio de mansidão. Por isso, Crisóstomo diz que no dilúvio ela apareceu trazendo um ramo de oliveira e anunciando a paz
geral do mundo; e também apareceu no baptismo de Cristo para mostrar-nos o
nosso Salvador. Quarto, o Espírito Santo desceu sob a forma de pomba sobre
o Senhor baptizado, para mostrar o efeito comum do baptismo, que é a construção
da unidade eclesiástica. Donde o dizer o Apóstolo, que Cristo se entregou a si mesmo para apresentar a si mesmo a Igreja
gloriosa sem mácula nem ruga, nem outro algum defeito semelhante, purificando-a
no baptismo da água pela palavra da vida. Por isso, o Espírito Santo
manifestou-se adequadamente, no baptismo de Cristo, sob a forma de pomba,
animal pacífico e gregário. Eis porque diz a Escritura: Uma só é a minha pomba.
Mas, sobre os Apóstolos o Espírito
Santo desceu sob a forma de fogo, por duas razões. - Primeiro, para mostrar o
fervor que lhes devia inflamar o coração para pregarem a Cristo em toda parte,
em meio de quaisquer perseguições. Por isso, apareceu também em forma de
línguas de fogo. Donde o dizer Agostinho: o
Senhor manifestou visivelmente o Espírito Santo de dois modos, a saber: pela
pomba, descida sobre o Senhor baptizado; e pelo fogo, sobre os discípulos
congregados. Lá mostrou-se a simplicidade; aqui, o fervor. E assim, para não
terem duplicidade os santificados pelo Espírito, mostrou-se como pomba; e para
que a simplicidade não seja acompanhada da frigidez, sob a forma de fogo. Nem
nos perturbe o facto da divisão das línguas de fogo, pois a pomba representa a
unidade. - Segundo, porque, como diz Crisóstomo (Gregório), quando importava perdoar os delitos, o que o
fez o baptismo, era necessária a mansidão, simbolizada pela pomba. Mas, depois
que alcançamos a graça; só resta o tempo do juízo, simbolizado pelo fogo.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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