08/01/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual



Tempo de Natal
Epifania


Evangelho: Lc 5, 12-16

12 Sucedeu que, encontrando-se Jesus numa cidade, apareceu um homem cheio de lepra, o qual, vendo Jesus, prostrou-se com o rosto por terra e suplicou-Lhe: «Senhor, se Tu queres, podes limpar-me». 13 Ele, estendendo a mão, tocou-o, dizendo: «Quero, sê limpo!». Imediatamente desapareceu dele a lepra. 14 Jesus ordenou-lhe que a ninguém o dissesse. «Mas vai, disse-lhe, mostra-te ao sacerdote, e oferece pela tua cura o que foi ordenado por Moisés, para lhes servir de testemunho». 15 Entretanto difundia-se cada vez mais a fama do Seu nome; e concorriam grandes multidões para O ouvir e ser curadas das suas doenças. 16 Mas Ele retirava-Se para lugares desertos, e fazia oração.

Comentário:

Ao comentar este trecho do Evangelho costuma referir-se o extraordinário facto de o Senhor ter tocado com a Sua mão o leproso prostrado diante dele.
E é bom porque realmente foi algo inédito e até impensável naquela época em que os portadores desta terrível doença eram tratados como proscritos da sociedade.

Mas nós, pobres de nós, somos também e amiúde portadores de uma doença mais terrível e assustadora que a lepra, isto quando caímos no pecado e ofendemos a Deus com gravidade e, não obstante, também a nós Ele estende a Sua mão salvadora, nos perdoa, abençoa e vem ao nosso encontro da forma mais íntima que é possível: a Comunhão Eucarística.

(ama, comentário sobre Lc 5, 12-16, 2015.01.09)


Leitura espiritual


CARTA ENCÍCLICA
LAUDATO SI’
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM



CAPÍTULO IV

UMA ECOLOGIA INTEGRAL

137. Dado que tudo está intimamente relacionado e que os problemas actuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos agora a reflectir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais.

1. Ecologia ambiental, económica e social

138. A ecologia estuda as relações entre os organismos vivos e o meio ambiente onde se desenvolvem.
E isto exige sentar-se a pensar e discutir acerca das condições de vida e de sobrevivência duma sociedade, com a honestidade de pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e consumo.
Nunca é demais insistir que tudo está interligado.
O tempo e o espaço não são independentes entre si; nem os próprios átomos ou as partículas subatómicas se podem considerar separadamente.
Assim como os vários componentes do planeta – físicos, químicos e biológicos – estão relacionados entre si, assim também as espécies vivas formam uma trama que nunca acabaremos de individuar e compreender.
Boa parte da nossa informação genética é partilhada com muitos seres vivos.
Por isso, os conhecimentos fragmentários e isolados podem tornar-se uma forma de ignorância, quando resistem a integrar-se numa visão mais ampla da realidade.

139. Quando falamos de «meio ambiente», fazemos referência também a uma particular relação: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita.
Isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida.
Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos.
As razões, pelas quais um lugar se contamina, exigem uma análise do funcionamento da sociedade, da sua economia, do seu comportamento, das suas maneiras de entender a realidade.
Dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema.
É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interacções dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais.
Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise sócio-ambiental.
As directrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.

140. Devido à quantidade e variedade de elementos a ter em conta na hora de determinar o impacto ambiental dum empreendimento concreto, torna-se indispensável dar aos pesquisadores um papel preponderante e facilitar a sua interacção com uma ampla liberdade académica.
Esta pesquisa constante deveria permitir reconhecer também como as diferentes criaturas se relacionam, formando aquelas unidades maiores que hoje chamamos «ecossistemas».
Temo-los em conta não só para determinar qual é o seu uso razoável, mas também porque possuem um valor intrínseco, independente de tal uso.
Assim como cada organismo é bom e admirável em si mesmo pelo facto de ser uma criatura de Deus, o mesmo se pode dizer do conjunto harmónico de organismos num determinado espaço, funcionando como um sistema.
Embora não tenhamos consciência disso, dependemos desse conjunto para a nossa própria existência.
Convém recordar que os ecossistemas intervêm na retenção do dióxido de carbono, na purificação da água, na contraposição a doenças e pragas, na composição do solo, na decomposição dos resíduos, e muitíssimos outros serviços que esquecemos ou ignoramos.
Quando se dão conta disto, muitas pessoas voltam a tomar consciência de que vivemos e agimos a partir duma realidade que nos foi previamente dada, que é anterior às nossas capacidades e à nossa existência.
Por isso, quando se fala de «uso sustentável», é preciso incluir sempre uma consideração sobre a capacidade regenerativa de cada ecossistema nos seus diversos sectores e aspectos.

141. Além disso, o crescimento económico tende a gerar automatismos e a homogeneizar, a fim de simplificar os processos e reduzir os custos.
Por isso, é necessária uma ecologia económica, capaz de induzir a considerar a realidade de forma mais ampla.
Com efeito, «a protecção do meio ambiente deverá constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada isoladamente».[i]
Mas, ao mesmo tempo, torna-se actual a necessidade imperiosa do humanismo, que faz apelo aos distintos saberes, incluindo o económico, para uma visão mais integral e integradora.
Hoje, a análise dos problemas ambientais é inseparável da análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação de cada pessoa consigo mesma, que gera um modo específico de se relacionar com os outros e com o meio ambiente.
Há uma interacção entre os ecossistemas e entre os diferentes mundos de referência social e, assim, se demonstra mais uma vez que «o todo é superior à parte».[ii]

142. Se tudo está relacionado, também o estado de saúde das instituições duma sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de vida humana: «toda a lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais».[iii]
Neste sentido, a ecologia social é necessariamente institucional e progressivamente alcança as diferentes dimensões, que vão desde o grupo social primário, a família, até à vida internacional, passando pela comunidade local e a nação.
Dentro de cada um dos níveis sociais e entre eles, desenvolvem-se as instituições que regulam as relações humanas.
Tudo o que as danifica comporta efeitos nocivos, como a perda da liberdade, a injustiça e a violência.
Vários países são governados por um sistema institucional precário, à custa do sofrimento do povo e para benefício daqueles que lucram com este estado de coisas.
Tanto dentro da administração do Estado, como nas diferentes expressões da sociedade civil, ou nas relações dos habitantes entre si, registam-se, com demasiada frequência, comportamentos ilegais. As leis podem estar redigidas de forma correcta, mas muitas vezes permanecem letra morta.
Poder-se-á, assim, esperar que a legislação e as normativas relativas ao meio ambiente sejam realmente eficazes?
Sabemos, por exemplo, que países dotados duma legislação clara sobre a protecção das florestas continuam a ser testemunhas mudas da sua frequente violação.
Além disso, o que acontece numa região influi, directa ou indirectamente, nas outras regiões.
Assim, por exemplo, o consumo de drogas nas sociedades opulentas provoca uma constante ou crescente procura de produtos que provêm de regiões empobrecidas, onde se corrompem comportamentos, se destroem vidas e se acaba por degradar o meio ambiente.

2. Ecologia cultural

143. A par do património natural, encontra-se igualmente ameaçado um património histórico, artístico e cultural.
Faz parte da identidade comum de um lugar, servindo de base para construir uma cidade habitável.
Não se trata de destruir e criar novas cidades hipoteticamente mais ecológicas, onde nem sempre resulta desejável viver.
É preciso integrar a história, a cultura e a arquitectura dum lugar, salvaguardando a sua identidade original.
Por isso, a ecologia envolve também o cuidado das riquezas culturais da humanidade, no seu sentido mais amplo.
Mais directamente, pede que se preste atenção às culturas locais, quando se analisam questões relacionadas com o meio ambiente, fazendo dialogar a linguagem técnico-científica com a linguagem popular.
É a cultura – entendida não só como os monumentos do passado, mas especialmente no seu sentido vivo, dinâmico e participativo – que não se pode excluir na hora de repensar a relação do ser humano com o meio ambiente.

144. A visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada actual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um tesouro da humanidade.
Por isso, pretender resolver todas as dificuldades através de normativas uniformes ou por intervenções técnicas, leva a negligenciar a complexidade das problemáticas locais, que requerem a participação activa dos habitantes.
Os novos processos em gestação nem sempre se podem integrar dentro de modelos estabelecidos do exterior, mas hão-de ser provenientes da própria cultura local.
Assim como a vida e o mundo são dinâmicos, assim também o cuidado do mundo deve ser flexível e dinâmico.
As soluções meramente técnicas correm o risco de tomar em consideração sintomas que não correspondem às problemáticas mais profundas.
É preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de compreender que o desenvolvimento dum grupo social supõe um processo histórico no âmbito dum contexto cultural e requer constantemente o protagonismo dos actores sociais locais a partir da sua própria cultura.
Nem mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano.

145. Muitas formas de intensa exploração e degradação do meio ambiente podem esgotar não só os meios locais de subsistência, mas também os recursos sociais que consentiram um modo de viver que sustentou, durante longo tempo, uma identidade cultural e um sentido da existência e da convivência social.
O desaparecimento duma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento duma espécie animal ou vegetal.
A imposição dum estilo hegemónico de vida ligado a um modo de produção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas.

146. Neste sentido, é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais.
Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projectos que afectam os seus espaços.
Com efeito, para eles, a terra não é um bem económico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores.
Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida.
Em várias partes do mundo, porém, são objecto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projectos extractivos e agro-pecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura.

(cont)






[i] Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Rio de Janeiro (14 de Junho de 1992), princípio 4.
[ii] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 237: AAS 105 (2013), 1116.
[iii] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 51: AAS 101 (2009), 687.

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