11/12/2015

Evangelho, comentário, L. espiritual



Tempo de Natal
Epifania


Evangelho: Mc 6, 45-52

45 Imediatamente Jesus obrigou Seus discípulos a embarcar, para chegarem primeiro que Ele à outra margem do lago, a Betsaida, enquanto Ele despedia o povo.46 Depois de os ter despedido, retirou-Se para um monte a fazer oração.47 Chegada a noite, encontrava-se a barca no meio do mar, e Ele só em terra.48 Vendo-os cansados de remar, porque o vento lhes era contrário, cerca da quarta vigília da noite, foi ter com eles andando sobre o mar; e fez menção de lhes passar adiante.49 Quando eles O viram caminhar sobre o mar, julgaram que era um fantasma e gritaram;50 porque todos O viram e se assustaram. Mas logo Ele lhes falou e disse: «Tende confiança, sou Eu, não temais».51 Subiu em seguida para junto deles na barca, e o vento cessou. Ficaram extremamente estupefactos, 52 pois não se tinham dado conta do que se tinha passado com os pães; a sua inteligência estava obscurecida.

Comentário:

Uma pequena frase neste texto do Evangelho de São Marcos parece solicitar a nossa atenção: «fez menção de lhes passar adiante».

Claro que Jesus não faz nada por acaso, sem uma intenção concreta.

Neste caso quer que os assustados discípulos clamem por Ele para que possa revelar-lhes esta novidade espantosa:

«Tende confiança, sou Eu, não temais».

Eu sou o refúgio seguro para as vossas preocupações e anseios, junto de Mim não tereis mais medo nem receio porque, Eu, sou o vosso amigo certo e fiel que nunca vos abandona.


(ama, comentário sobre Mc 6, 45-52, 2009.12.03)


Leitura espiritual


CARTA ENCÍCLICA
LAUDATO SI’
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM


CAPÍTULO III

A RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA

3. Crise do antropocentrismo moderno e suas consequências

119. A crítica do antropocentrismo desordenado não deveria deixar em segundo plano também o valor das relações entre as pessoas.
Se a crise ecológica é uma expressão ou uma manifestação externa da crise ética, cultural e espiritual da modernidade, não podemos iludir-nos de sanar a nossa relação com a natureza e o meio ambiente, sem curar todas as relações humanas fundamentais.
Quando o pensamento cristão reivindica, para o ser humano, um valor peculiar acima das outras criaturas, suscita a valorização de cada pessoa humana e, assim, estimula o reconhecimento do outro. A abertura a um «tu» capaz de conhecer, amar e dialogar continua a ser a grande nobreza da pessoa humana.
Por isso, para uma relação adequada com o mundo criado, não é necessário diminuir a dimensão social do ser humano nem a sua dimensão transcendente, a sua abertura ao «Tu» divino.
Com efeito, não se pode propor uma relação com o ambiente, prescindindo da relação com as outras pessoas e com Deus.
Seria um individualismo romântico disfarçado de beleza ecológica e um confinamento asfixiante na imanência.

120. Uma vez que tudo está relacionado, também não é compatível a defesa da natureza com a justificação do aborto.
Não parece viável um percurso educativo para acolher os seres frágeis que nos rodeiam e que, às vezes, são molestos e inoportunos, quando não se dá protecção a um embrião humano ainda que a sua chegada seja causa de incómodos e dificuldades:
«Se se perde a sensibilidade pessoal e social ao acolhimento duma nova vida, definham também outras formas de acolhimento úteis à vida social».[i]

121. Espera-se ainda o desenvolvimento duma nova síntese, que ultrapasse as falsas dialécticas dos últimos séculos.
O próprio cristianismo, mantendo-se fiel à sua identidade e ao tesouro de verdade que recebeu de Jesus Cristo, não cessa de se repensar e reformular em diálogo com as novas situações históricas, deixando desabrochar assim a sua eterna novidade.[ii]

O relativismo prático

122. Um antropocentrismo desordenado gera um estilo de vida desordenado.
Na exortação apostólica Evangelii gaudium, referi-me ao relativismo prático que caracteriza a nossa época e que é «ainda mais perigoso que o doutrinal».[iii]
Quando o ser humano se coloca no centro, acaba por dar prioridade absoluta aos seus interesses contingentes, e tudo o mais se torna relativo.
Por isso, não deveria surpreender que, juntamente com a omnipresença do paradigma tecnocrático e a adoração do poder humano sem limites, se desenvolva nos indivíduos este relativismo no qual tudo o que não serve os próprios interesses imediatos se torna irrelevante. Nisto, há uma lógica que permite compreender como se alimentam mutuamente diferentes atitudes, que provocam ao mesmo tempo a degradação ambiental e a degradação social.

123. A cultura do relativismo é a mesma patologia que impele uma pessoa a aproveitar-se de outra e a tratá-la como mero objecto, obrigando-a a trabalhos forçados, ou reduzindo-a à escravidão por causa duma dívida.
É a mesma lógica que leva à exploração sexual das crianças, ou ao abandono dos idosos que não servem os interesses próprios.
É também a lógica interna daqueles que dizem:
«Deixemos que as forças invisíveis do mercado regulem a economia, porque os seus efeitos sobre a sociedade e a natureza são danos inevitáveis».
Se não há verdades objectivas nem princípios estáveis, fora da satisfação das aspirações próprias e das necessidades imediatas, que limites pode haver para o tráfico de seres humanos, a criminalidade organizada, o narcotráfico, o comércio de diamantes ensanguentados e de peles de animais em vias de extinção?
Não é a mesma lógica relativista a que justifica a compra de órgãos dos pobres com a finalidade de os vender ou utilizar para experimentação, ou o descarte de crianças porque não correspondem ao desejo de seus pais?
É a mesma lógica do «usa e atira fora» que produz tantos resíduos, só pelo desejo desordenado de consumir mais do que realmente se tem necessidade.
Portanto, não podemos pensar que os programas políticos ou a força da lei sejam suficientes para evitar os comportamentos que afectam o meio ambiente, porque, quando é a cultura que se corrompe deixando de reconhecer qualquer verdade objectiva ou quaisquer princípios universalmente válidos, as leis só se poderão entender como imposições arbitrárias e obstáculos a evitar.

A necessidade de defender o trabalho

124. Em qualquer abordagem de ecologia integral que não exclua o ser humano, é indispensável incluir o valor do trabalho, tão sabiamente desenvolvido por São João Paulo II na sua encíclica Laborem excercens.
Recordemos que, segundo a narração bíblica da criação, Deus colocou o ser humano no jardim recém-criado [iv], não só para cuidar do existente (guardar), mas também para trabalhar nele a fim de que produzisse frutos (cultivar).
Assim, os operários e os artesãos «asseguram uma criação perpétua» [v].
Na realidade, a intervenção humana que favorece o desenvolvimento prudente da criação é a forma mais adequada de cuidar dela, porque implica colocar-se como instrumento de Deus para ajudar a fazer desabrochar as potencialidades que Ele mesmo inseriu nas coisas:
«O Senhor produziu da terra os medicamentos; e o homem sensato não os desprezará» [vi].

125. Se procurarmos pensar quais possam ser as relações adequadas do ser humano com o mundo que o rodeia, surge a necessidade duma concepção correcta do trabalho, porque, falando da relação do ser humano com as coisas, impõe-se-nos a questão relativa ao sentido e finalidade da acção humana sobre a realidade.
Não falamos apenas do trabalho manual ou do trabalho da terra, mas de qualquer actividade que implique alguma transformação do existente, desde a elaboração dum balanço social até ao projecto de um progresso tecnológico.
Qualquer forma de trabalho pressupõe uma concepção sobre a relação que o ser humano pode ou deve estabelecer com o outro diverso de si mesmo.
A espiritualidade cristã, a par da admiração contemplativa das criaturas que encontramos em São Francisco de Assis, desenvolveu também uma rica e sadia compreensão do trabalho, como podemos encontrar, por exemplo, na vida do Beato Carlos de Foucauld e seus discípulos.

126. Algo se pode recolher também da longa tradição monástica.
Nos primórdios, esta favorecia de certo modo a fuga do mundo, procurando afastar-se da decadência urbana.
Por isso, os monges buscavam o deserto, convencidos de que fosse o lugar adequado para reconhecer a presença de Deus.
Mais tarde, São Bento de Núrsia quis que os seus monges vivessem em comunidade, unindo oração e estudo com o trabalho manual («Ora et labora»).
Esta introdução do trabalho manual impregnada de sentido espiritual revelou-se revolucionária.
Aprendeu-se a buscar o amadurecimento e a santificação na compenetração entre o recolhimento e o trabalho.
Esta maneira de viver o trabalho torna-nos mais capazes de ter cuidado e respeito pelo meio ambiente, impregnando de sadia sobriedade a nossa relação com o mundo.

127. Afirmamos que «o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social».[vii]
Apesar disso, quando no ser humano se deteriora a capacidade de contemplar e respeitar, criam-se as condições para se desfigurar o sentido do trabalho.[viii]
Convém recordar sempre que o ser humano é «capaz de, por si próprio, ser o agente responsável do seu bem-estar material, progresso moral e desenvolvimento espiritual».[ix]
O trabalho deveria ser o âmbito deste multiforme desenvolvimento pessoal, onde estão em jogo muitas dimensões da vida: a criatividade, a projecção do futuro, o desenvolvimento das capacidades, a exercitação dos valores, a comunicação com os outros, uma atitude de adoração.
Por isso, a realidade social do munda actual exige que, acima dos limitados interesses das empresas e duma discutível racionalidade económica, «se continue a perseguir como prioritário o objectivo do acesso ao trabalho para todos».[x]

128. Somos chamados ao trabalho desde a nossa criação.
Não se deve procurar que o progresso tecnológico substitua cada vez mais o trabalho humano: procedendo assim, a humanidade prejudicar-se-ia a si mesma.
O trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal.
Neste sentido, ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências.
O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho.
Mas a orientação da economia favoreceu um tipo de progresso tecnológico cuja finalidade é reduzir os custos de produção com base na diminuição dos postos de trabalho, que são substituídos por máquinas.
É mais um exemplo de como a acção do homem se pode voltar contra si mesmo.
A diminuição dos postos de trabalho «tem também um impacto negativo no plano económico com a progressiva corrosão do “capital social”, isto é, daquele conjunto de relações de confiança, de credibilidade, de respeito das regras, indispensável em qualquer convivência civil».[xi]
Em suma, «os custos humanos são sempre também custos económicos, e as disfunções económicas acarretam sempre também custos humanos».[xii]
Renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade.

129. Para se conseguir continuar a dar emprego, é indispensável promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial.
Por exemplo, há uma grande variedade de sistemas alimentares rurais de pequena escala que continuam a alimentar a maior parte da população mundial, utilizando uma porção reduzida de terreno e de água e produzindo menos resíduos, quer em pequenas parcelas agrícolas e hortas, quer na caça e recolha de produtos silvestres, quer na pesca artesanal.
As economias de larga escala, especialmente no sector agrícola, acabam por forçar os pequenos agricultores a vender as suas terras ou a abandonar as suas culturas tradicionais.
As tentativas feitas por alguns deles no sentido de desenvolverem outras formas de produção, mais diversificadas, resultam inúteis por causa da dificuldade de ter acesso aos mercados regionais e globais, ou porque a infra-estrutura de venda e transporte está ao serviço das grandes empresas.
As autoridades têm o direito e a responsabilidade de adoptar medidas de apoio claro e firme aos pequenos produtores e à diversificação da produção.
Às vezes, para que haja uma liberdade económica da qual todos realmente beneficiem, pode ser necessário pôr limites àqueles que detêm maiores recursos e poder financeiro.
A simples proclamação da liberdade económica, enquanto as condições reais impedem que muitos possam efectivamente ter acesso a ela e, ao mesmo tempo, se reduz o acesso ao trabalho, torna-se um discurso contraditório que desonra a política.
A actividade empresarial, que é uma nobre vocação orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos, pode ser uma maneira muito fecunda de promover a região onde instala os seus empreendimentos, sobretudo se pensa que a criação de postos de trabalho é parte imprescindível do seu serviço ao bem comum.

(cont)





[i] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 28:AAS 101 (2009), 663.
[ii] Cf. Vicente de Lerins, Commonitorium primum, cap. 23: PL 50, 668: «Ut annis scilicet consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate – Fortalece-se com o decorrer dos anos, desenvolve-se com o andar dos tempos, cresce através das idades».
[iii] N. 80: AAS 105 (2013), 1053.
[iv] cf. Gn2, 15
[v] Sir 38, 34
[vi] Sir 38, 4
[vii] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 63.
[viii] Cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 37: AAS 83 (1991), 840.
[ix] Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de Março de 1967), 34: AAS 59 (1967), 274.
[x] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 32: AAS 101 (2009), 666.
[xi] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 32: AAS 101 (2009), 666.
[xii] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 32: AAS 101 (2009), 666.

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