26/12/2015

Evangelho, comentário, L. espiritual

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Tempo de Natal

Santo Estevão – Primeiro mártir

Evangelho: Mt 10, 17-22

17 Acautelai-vos dos homens, porque vos farão comparecer nos seus tribunais e vos açoitarão nas sinagogas. 18 Sereis levados por Minha causa à presença dos governadores e dos reis, para dar testemunho diante deles e diante dos gentios. 19 Quando vos entregarem, não cuideis como ou o que haveis de falar, porque naquela hora vos será inspirado o que haveis de dizer. 20 Porque não sereis vós que falais, mas o Espírito de vosso Pai é o que falará em vós. 21 O irmão entregará à morte o seu irmão e o pai o seu filho; os filhos se levantarão contra os pais e lhes darão a morte. 22 Vós, por causa do Meu nome, sereis odiados por todos; aquele, porém, que perseverar até ao fim será salvo.

Comentário:

É muito comum comentar este Evangelho com considerações à volta da defesa da Fé e da integridade que a mesma deve ter na vida do cristão.

Tem-se como paradigma o martírio de Estêvão e as perseguições de todo o género que vitimam os cristãos por esse mundo fora.
Mas talvez valha a pena considerar que a defesa da Fé também passa pela luta interior quando os acontecimentos e circunstâncias da nossa vida nos levam por vezes a interrogar: Senhor, onde estás? Porque permites isto?
E, aí, a situação pode representar um autêntico martírio e, por vezes, bem doloroso.

(ama, comentário sobre Mt 10 17-2, 2014.12.26)



Leitura espiritual

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CARTA ENCÍCLICA
LAUDATO SI’
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM



1. «LAUDATO SI’, mi’ Signore – Louvado sejas, meu Senhor», cantava São Francisco de Assis.

Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços:

«Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras». [i]

Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la.
A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos.
Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que «geme e sofre as dores do parto» [ii].
Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra [iii].
O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos.

Nada deste mundo nos é indiferente

2. Mais de cinquenta anos atrás, quando o mundo estava osci-
lando sobre o fio duma crise nuclear, o Santo Papa João XXIII escreveu uma encíclica na qual não se limitava a rejeitar a guerra, mas quis transmitir uma proposta de paz.

Dirigiu a sua mensagem Pacem in terris a todo o mundo católico, mas acrescentava: e a todas as pessoas de boa vontade. Agora, à vista da deterioração global do ambiente, quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste planeta.
Na minha exortação Evangelii gaudium, escrevi aos membros da Igreja, a fim de os mobilizar para um processo de reforma missionária ainda pendente.
Nesta encíclica, pretendo especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum.

3. Oito anos depois da Pacem in terris, em 1971, o Beato Papa Paulo VI referiu-se à problemática ecológica, apresentando-a como uma crise que é «consequência dramática» da actividade descontrolada do ser humano:

«Por motivo de uma exploração inconsiderada da natureza, [o ser humano] começa a correr o risco de a destruir e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação».[iv]
E, dirigindo-se à FAO, falou da possibilidade duma «catástrofe ecológica sob o efeito da explosão da civilização industrial», sublinhando a «necessidade urgente duma mudança radical no comportamento da humanidade», porque «os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento económico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem».[v]

São João Paulo II debruçou-se, com interesse sempre maior, sobre este tema.
Na sua primeira encíclica, advertiu que o ser humano parece «não dar-se conta de outros significados do seu ambiente natural, para além daqueles que servem somente para os fins de um uso ou consumo imediatos».[vi]
Mais tarde, convidou a uma conversão ecológica global.[vii]
Entretanto fazia notar o pouco empenho que se põe em «salvaguardar as condições morais de uma autêntica ecologia humana».[viii]
A destruição do ambiente humano é um facto muito grave, porque, por um lado, Deus confiou o mundo ao ser humano e, por outro, a própria vida humana é um dom que deve ser protegido de várias formas de degradação.
Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer mudanças profundas «nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades».[ix]
O progresso humano autêntico possui um carácter moral e pressupõe o pleno respeito pela pessoa humana, mas deve prestar atenção também ao mundo natural e «ter em conta a natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos, num sistema ordenado».[x]
Assim, a capacidade do ser humano transformar a realidade deve desenvolver-se com base na doação originária das coisas por parte de Deus.[xi]

6. O meu predecessor, Bento XVI, renovou o convite a «eliminar as causas estruturais das disfunções da economia mundial e corrigir os modelos de crescimento que parecem incapazes de garantir o respeito do meio ambiente».[xii]
Lembrou que o mundo não pode ser analisado concentrando-se apenas sobre um dos seus aspectos, porque «o livro da natureza é uno e indivisível», incluindo, entre outras coisas, o ambiente, a vida, a sexualidade, a família, as relações sociais.
É que «a degradação da natureza está estreitamente ligada à cultura que molda a convivência humana».[xiii]
O Papa Bento XVI propôs-nos reconhecer que o ambiente natural está cheio de chagas causadas pelo nosso comportamento irresponsável; o próprio ambiente social tem as suas chagas.
Mas, fundamentalmente, todas elas se ficam a dever ao mesmo mal, isto é, à ideia de que não existem verdades indiscutíveis a guiar a nossa vida, pelo que a liberdade humana não tem limites.
Esquece-se que «o homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria.
O homem não se cria a si mesmo.
Ele é espírito e vontade, mas é também natureza».[xiv]
Com paterna solicitude, convidou-nos a reconhecer que a criação resulta comprometida «onde nós mesmos somos a última instância, onde o conjunto é simplesmente nossa propriedade e onde o consumimos somente para nós mesmos.
E o desperdício da criação começa onde já não reconhecemos qualquer instância acima de nós, mas vemo-nos unicamente a nós mesmos».[xv]

Unidos por uma preocupação comum

7. Estas contribuições dos Papas recolhem a reflexão de inúmeros cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre estas questões.
Mas não podemos ignorar que, também fora da Igreja Católica, noutras Igrejas e Comunidades cristãs – bem como noutras religiões – se tem desenvolvido uma profunda preocupação e uma reflexão valiosa sobre estes temas que a todos nos estão a peito. Apenas para dar um exemplo particularmente significativo, quero retomar brevemente parte da contribuição do amado Patriarca Ecuménico Bartolomeu, com quem partilhamos a esperança da plena comunhão eclesial.

8. O Patriarca Bartolomeu tem-se referido particularmente à necessidade de cada um se arrepender do próprio modo de maltratar o planeta, porque «todos, na medida em que causamos pequenos danos ecológicos», somos chamados a reconhecer «a nossa contribuição – pequena ou grande – para a desfiguração e destruição do ambiente».[xvi]
Sobre este ponto, ele pronunciou-se repetidamente, de maneira firme e encorajadora, convidando-nos a reconhecer os pecados contra a criação:
«Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus; quando os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática, desnudando a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas húmidas; quando os seres humanos contaminam as águas, o solo, o ar... tudo isso é pecado».[xvii]
Porque «um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus».[xviii]

9. Ao mesmo tempo Bartolomeu chamou a atenção para as raízes éticas e espirituais dos problemas ambientais, que nos convidam a encontrar soluções não só na técnica mas também numa mudança do ser humano; caso contrário, estaríamos a enfrentar apenas os sintomas.
Propôs-nos passar do consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade, do desperdício à capacidade de partilha, numa ascese que «significa aprender a dar, e não simplesmente renunciar.
É um modo de amar, de passar pouco a pouco do que eu quero àquilo de que o mundo de Deus precisa.
É libertação do medo, da avidez, da dependência».[xix]
Além disso nós, cristãos, somos chamados a «aceitar o mundo como sacramento de comunhão, como forma de partilhar com Deus e com o próximo numa escala global.
É nossa humilde convicção que o divino e o humano se encontram no menor detalhe da túnica inconsútil da criação de Deus, mesmo no último grão de poeira do nosso planeta».[xx]

(cont)


[i] Cantico delle creature: Fonti Francescane, 263.
[ii] Rm 8, 22
[iii] cf. Gn 2, 7
[iv] Carta ap. Octogesima adveniens (14 de Maio de 1971), 21: AAS 63 (1971), 416-417.
[v] Discurso à FAO, no seu XXV aniversário (16 de Novembro de 1970), 4: AAS 62 (1970), 833; L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22/XI/1970), 6.
[vi] Carta Bento XVI, Catequese (9 de Novembro de 2005), 3: Insegnamenti1 (2005), 768; L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de 12/XI/2005), 24.enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979),15: AAS 71 (1979), 287.
[vii] Cf. Catequese (17 de Janeiro de 2001), 4: Insegnamenti24/1 (2001), 179; L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de 20/I/2001), 8.
[viii] Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 38: AAS 83 (1991), 841.
[ix] Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 58: o. c.,863.
[x] João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 34: AAS 80 (1988), 559.
[xi] Cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus(1 de Maio de 1991), 37: AAS 83 (1991), 840.
[xii] Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé (8 de Janeiro de 2007): AAS 99 (2007), 73.
[xiii] Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 51:AAS 101 (2009), 687.
[xiv] Discurso ao Bundestag, Berlim (22 de Setembro de 2011): AAS 103 (2011), 664; L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 24/IX/2011), 5.
[xv] Bento XVI, Discurso ao clero da diocese de Bolzano-Bressanone (6 de Agosto de 2008): AAS 100 (2008), 634; L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 16/VIII/2008), 5.
[xvi] Mensagem para o Dia de Oração pela salvaguarda da criação (1 de Setembro de 2012).
[xvii] Discurso em Santa Bárbara, Califórnia (8 de Novembro de 1997); cf. John Chryssavgis, On Earth as in Heaven: Ecological Vision and Initiatives of Ecumenical Patriarch Bartholomew (Bronx/Nova Iorque 2012).
[xviii] Discurso em Santa Bárbara, Califórnia (8 de Novembro de 1997); cf. John Chryssavgis, On Earth as in Heaven: Ecological Vision and Initiatives of Ecumenical Patriarch Bartholomew (Bronx/Nova Iorque 2012).
[xix] Conferência no Mosteiro de Utstein, Noruega (23 de Junho de 2003).
[xx] Bartolomeu, Discurso Global Responsibility and Ecological Sustainability: Closing Remarks, I Cimeira de Halki, Istambul (20 de Junho de 2012).

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