Em seguida devemos tratar da
circuncisão de Cristo. E como a circuncisão é uma profissão da lei a ser
observada, segundo o Apóstolo — Protesto
a todo o homem, que se circuncida, que está obrigado a guardar toda a lei —
devemos tratar ao mesmo tempo das outras prescrições legais observadas a
respeito do menino Jesus.
Donde quatro artigos a serem
discutidos:
Art. 1 — Se Cristo devia ser
circuncidado.
Art. 2 — Se foi imposto a Cristo o
nome conveniente.
Art. 3 — Se Cristo foi
convenientemente oferecido no Templo.
Art. 4 — Se à Mãe de Deus era
conveniente se apresentasse no Templo para purificar-se.
Art.
1 — Se Cristo devia ser circuncidado.
O primeiro discute-se assim. — Parece que
Cristo não devia ser circuncidado.
1. — Pois, a realização da verdade
elimina o que a prefigurava. Ora, a circuncisão foi ordenada a Abraão como sinal da aliança que devia provir da
sua raça, como se lê na Escritura. Ora, essa aliança se cumpriu com a
natividade de Cristo. Logo, devia ter feito desde logo cessar a circuncisão.
2. Demais. — Toda acção de Cristo
serve de instrução para nós. Donde o Evangelho dizer: Eu dei-vos o exemplo, para que como eu vos fiz, assim façais vós também.
Ora nós não devemos ser circuncidados, conforme ao dito do Apóstolo: Se vos fazeis circuncidar, Cristo vos não
aproveitará nada. Logo, parece que também Cristo não devia ser
circuncidado.
3. Demais. — A circuncisão foi
ordenada como remédio do pecado original. Ora, Cristo não contraiu o pecado
original, como do sobredito resulta. Logo, Cristo não devia ser circuncidado.
Mas, em contrário, o Evangelho: Depois que foram cumpridos os oito dias para
ser circuncidado o menino.
Por várias causas Cristo
devia ser circuncidado. — Primeiro, para demonstrar que se tinha
verdadeiramente encarnado, contra Maniqueu, que dizia ter sido fantástico o
corpo de Cristo; e contra Apolinário, que dizia ser o corpo de Cristo
consubstancial com a divindade; e contra Valentiniano, que dizia ter Cristo
trazido do céu o seu corpo. — Segundo, para que aprovasse a circuncisão, que
Deus outrora instituíra. — Terceiro, para provar que era da raça de Abraão, que
recebera o mandado de circuncisão em sinal da fé que tinha na vinda de Cristo.
— Quarto, para tirar aos judeus a ocasião de não o receberem, se fosse
incircunciso. — Quinto, para lhes recomendar, com o seu exemplo, a virtude da
obediência. Por isso foi circuncidado no oitavo dia, como estava preceituado na
lei. — Sexto, para que, quem se revestiu da semelhança da carne de pecado, não
rejeitasse o remédio habitual de purificar essa carne pecaminosa. — Sétimo,
para que, suportando sobre si todo o peso da lei, nos libertasse dele, segundo o
Apóstolo: Enviou Deus a seu Filho feito
sujeito à lei; a fim de servir aqueles que estavam debaixo da lei.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A circuncisão, feita pela remoção de uma película carnal no membro da
geração, significava a libertação da antiga geração, da qual nos libertamos pela
paixão de Cristo. Donde, a verdade dessa figura não foi plenamente realizada na
natividade de Cristo; mas na sua paixão, antes da qual a circuncisão tinha a
sua virtude e a sua razão de ser. Por isso convinha Cristo, antes da sua
paixão, ser circuncidado, como filho de Abraão.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo recebeu a
circuncisão no tempo em que ela era de preceito. Donde, nós devemos imitar a
sua acção, observando o que em nosso tempo é de preceito; pois, todas as coisas têm seu tempo e sua oportunidade,
como diz a Escritura.
Além disso, diz Orígenes: Assim como morremos com a morte de Cristo e
ressurgimos com a sua ressurreição, assim também por Cristo recebemos a
circuncisão espiritual. Por isso não precisamos da circuncisão carnal. E
tal é o que diz o Apóstolo: Nele, isto é,
em Cristo, é que vós estais circuncidados de circuncisão não feita por mão de
homem no despojo do corpo da carne, mas sim na circuncisão de Cristo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo, que não
tinha nenhum pecado sofreu por nós, de vontade própria, a morte, que é o efeito
do pecado, para nos livrar dela e fazer-nos morrer espiritualmente para o
pecado. Assim também se sujeitou à circuncisão, remédio do pecado original, sem
que tivesse esse pecado, para nos livrar do jugo da lei e produzirem nós a
circuncisão espiritual, de modo que realizasse a verdade, abolindo a figura.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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