08/11/2015

Evangelho, comentário, L. espiritual




Tempo comum XXXII Semana


Evangelho: Mc 12, 38-44

38 Dizia-lhes ainda nos Seus ensinamentos: «Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com roupas largas, de serem saudados nas praças 39 e de ocuparem as primeiras cadeiras nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes, 40 que devoram as casas das viúvas, sob o pretexto de longas orações. Serão julgados com maior rigor». 41 Estando Jesus sentado defronte do cofre das esmolas, observava como o povo deitava ali dinheiro. Muitos ricos deitavam em abundância. 42 Tendo chegado uma pobre viúva, lançou duas pequenas moedas, que valem um quarto de um asse. 43 Chamando os Seus discípulos, disse-lhes: «Em verdade vos digo que esta pobre viúva deu mais que todos os outros que deitaram no cofre, 44 porque todos os outros deitaram do que lhes sobrava, ela porém deitou do seu necessário tudo o que possuía, tudo o que tinha para viver».

Comentário:

Aquelas duas moedas que a pobre viúva deitou no gazofilácio...!
Quantas vezes tenho hesitado em dar as minhas duas moedas a quem precisa mais delas que eu; fico "agarrado" a elas como se delas dependesse a minha vida!
E as duas moedas que não tenho e que... tanto gostaria de ter!
Não estou já, também, "agarrado" a elas?
Desprendimento, desprendimento! Tão longe, cada vez mais longe!
Preso às coisas, às pessoas, às ideias, ao passado, ao futuro, ao que fui, ao que gostaria de ter sido, ao que, eventualmente ainda posso vir a ser!
Preso a mim mesmo, às "minhas coisas", aos meus projectos, às quiméricas façanhas que hei-de, um dia, praticar... sim... no fim de tudo... eu... eu... eu!
Senhor, ajuda-me a pensar nos outros em vez de estar aqui, mergulhado nos meus problemas, girando à volta de mim mesmo, concentrado apenas no que me diz respeito. Os outros! Todos os outros. Os que conheço, de quem sou amigo ou familiar e aqueles que me são desconhecidos. Todos são Teus filhos como eu, logo, todos são meus irmãos. Se somos irmãos somos também herdeiros, convém portanto que me preocupe com aqueles que vão partilhar a herança comigo.

(AMA, Meditação, Mc 12, 38-44, 2006)


Leitura espiritual




Humildade


3. A virtude cristã da humildade

Não é possível deter-se no estudo dos muitos aspectos em que a humildade aparece no Antigo Testamento.
A ideia predominante está ligada à profissão da fé em Deus, que nas suas intervenções na história dos homens abate os soberbos, enquanto escolhe e resgata os humildes e os que foram humilhados. É a ideia que reaparece no cântico da Mãe de Jesus: o Senhor olhou para sua pobre serva, manifestou o poder do seu braço, desconcertou os corações dos soberbos. Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes [i], assim como na Primeira Carta de S. Pedro e na de S. Tiago [ii].
Mas a razão de fundo dos ensinamentos do Novo Testamento sobre a humildade está em que Jesus Cristo andou pelos caminhos da humildade; que Ele mesmo Se propõe como exemplo quando diz: recebei a minha doutrina, porque Eu sou manso e humilde de coração [iii], e que S. Paulo ilustra no hino da Carta aos Filipenses [iv].
Esta dinâmica de humilhação e exaltação inspira os ensinamentos do Senhor quando convida a não escolher para si os primeiros lugares [v], na parábola do fariseu e do publicano [vi], na exortação para sermos como meninos [vii], em diversos discursos polémicos contra os chefes do povo [viii], e na recomendação de servir aos demais e não se deixar servir por eles [ix].

O critério, segundo o qual a virtude cristã da humildade regula as tendências humanas de que vimos falando, continua a ser o da verdade.
A humildade não tolera a falsidade acerca das próprias qualidades positivas ou negativas.
Mas à luz dos ensinamentos do Senhor é possível compreender com maior exactidão qual é a nossa verdadeira posição ante Deus e ante os demais.

O cristão está bem consciente de que tudo recebeu gratuitamente de Deus, tanto o ser e a vida, como a justiça e a graça.
Com a sua doutrina acerca da justificação, S. Paulo põe em evidência que, vendo as coisas em toda a sua profundidade, não existe em nós nenhuma verdadeira justiça, senão aquela pela qual o próprio Deus nos faz justos por meio de Jesus Cristo.
Não temos nada que não tenhamos recebido [x].
Somente nos podemos gloriar da Cruz de Cristo [xi].

Quaisquer que sejam as nossas obras, corresponde-nos assumir diante de Deus uma atitude, de profunda adoração e de amorosa gratidão, porque só em virtude da sua gratuita acção salvífica em Cristo podemos ser por Ele aceites.
Qualquer atitude presumida e de autossuficiência privar-nos-ia da sua graça e deixar-nos-ia encerrados na nossa pobre miséria.
A humildade vem a ser assim a outra face do amor de Deus, a da caridade.
O orgulhoso nem ama a Deus, nem consegue receber o amor que Deus lhe dá.
Deo omnis gloria: para Deus toda a glória; isso significa que nada temos de bom que não venha de Deus, Verdade e Amor subsistente.

A humildade ensinada pelo Senhor é também o outro lado da caridade para com o próximo.
Quem está consciente de ser nada diante da majestade de Deus, evita o orgulho e o desprezo dos outros, sabe compreender os outros, incluindo os seus erros.
Somente alguém que pensa que nunca se equivocou, se horroriza com os erros dos outros (se os outros fossem como eu, as coisas não iriam tão mal).
A humildade é em todo o caso verdade, verdadeiro conhecimento de si mesmo, e por isso não impede reconhecer as boas qualidades que se possuem, mas leva a não esquecer que foram recebidas de Deus como dons para pôr generosamente ao serviço dos outros.

O Senhor condena a falsa humildade de quem esconde o talento recebido [xii], que se devia ter feito frutificar ao serviço de Deus e dos demais.
Essa fecundidade chega através da direcção espiritual, onde o Espirito Santo modela a alma: sicut lutum in manus figuli [xiii] (como o barro nas mãos do oleiro).
Os ensinamentos de S. Paulo acerca dos fortes e dos débeis na fé e na ciência [xiv] mostram, eloquentemente, que as próprias qualidades e até o bem precioso da legítima liberdade cristã, não se hão-de ver como barreira que nos protege das exigências dos demais, mas como um recurso que se põe gostosamente ao seu serviço.
Cristo carregou sobre si o peso dos nossos pecados, entregando a sua vida por nós, e também assim nos deu o exemplo da humildade de coração.

Em termos práticos a humildade tem múltiplas manifestações, que não é possível tratar aqui em detalhe.
Sobre elas escreveram coisas de grande valor os Padres da Igreja, os Santos e os que se têm ocupado ao longo da história da teologia espiritual.

Para concluir estas reflexões, limitar-nos-emos a reproduzir uma página de S. Josemaria Escrivá, cuja eloquência torna inútil quaisquer comentário.

Deixa-me que te recorde, entre outros, alguns sinais evidentes de falta de humildade:

- pensar que o que fazes ou dizes está mais bem feito ou mais bem dito do que o que os outros fazem ou dizem;
- querer levar sempre a tua avante;
- discutir sem razão ou, quando a tens, insistir com teimosia e de maus modos;
- dar a tua opinião sem ta pedirem ou sem a caridade o exigir;
- desprezar o ponto de vista dos outros;
- não encarar todos os teus dons e qualidades como emprestados;
- não reconhecer que és indigno de toda a honra e estima, inclusive da terra que pisas e das coisas que possuis;
- citar-te a ti mesmo como exemplo nas conversas;
- falar mal de ti mesmo, para fazerem bom juízo de ti ou te contradizerem;
- desculpar-te quando te repreendem;
- ocultar ao Director algumas faltas humilhantes, para que não perca o conceito que faz de ti;
- ouvir com complacência quem te louva, ou alegrar-te por terem falado bem de ti;
- doer-te que outros sejam mais estimados do que tu;
- negar-te a desempenhar ofícios inferiores;
- procurar ou desejar singularizar-te;
 - insinuar na conversa palavras de louvor próprio, ou que dão a entender a tua honradez, o teu engenho ou destreza, o teu prestígio profissional...;
 - envergonhar-te por careceres de certos bens... [xv].

a. rodríguez luño
2012/03/16

Bibliografia básica:
Gioacchino Pecci (León XIII), A prática da humildade, Nebli, Madrid 2007.
S. Josemaria, Amigos de Deus, nn. 94-109.
S. Josemaria, Caminho, capítulo sobre a humildade (nn. 589-613).
Angel Rodríguez Luño, Ética General, 4ª ed., Eunsa, Pamplona 2001, pp. 163-164 (sobre as tendências reguladas pela humildade) e 250-253 (sobre a virtude da humildade) estas páginas não existem nas edições anteriores.
Enrique Colom - Angel Rodríguez Luño, Scelti in Cristo per essere santi. I. Morale fondamentale, 1ª ristampa della 3ª edizione, Edizioni Università della Santa Croce, Roma 2008, pp. 153-154 (sobre as tendências reguladas pela humildade; essas páginas não existem na 1ª e na 2ª edição italianas nem na edição em língua espanhola).
Angel Rodríguez Luño, Scelti in Cristo per essere santi. III. Morale speciale, Edizioni Università della Santa Croce, Roma 2008, pp. 333-337 (sobre a virtude da humildade).
Joseph Pieper, As virtudes fundamentais, Rialp, Madrid 1980, pp. 276-281

© ISSRA, 2009 (original em espanhol publicado em www.collationes.org)

 Nota: Revisão gráfica e da tradução por ama.




[i] Lc 1, 48;51-52.
[ii] Cfr. 1Pe 5, 5 e Tg 4, 6.
[iii] Mt 11,29.
[iv] (Fl 2, 5-11): Dedicai-vos mutuamente a estima que se deve em Cristo Jesus. Sendo Ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso Deus o exaltou soberanamente e lhe outorgou o nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no céu, na terra e nos infernos. E toda língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é Senhor.
[v] Cfr. Lc 14, 7-11.
[vi] Cfr. Lc 18, 9-14.
[vii] Cfr. Lc 18, 16-17.
[viii] Cfr. Mt 23.
[ix] Cfr. Mt 20, 24-28.
[x] Cfr. 1 Cor 4, 4 e Rm 3, 27-28.
[xi] Cfr. Gl 6, 14.
[xii] Cfr. Mt 25, 24-28.
[xiii] Jr 18, 6; cfr. 18, 1, 1-6.
[xiv] Cfr. Rm 14 e 1 Co 8.
[xv] S. Josemaria, Sulco, n. 263.

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