Art.
2 — Se a natividade de Cristo devia manifestar-se a certos.
O segundo discute-se assim. — Parece que a
natividade de Cristo não devia manifestar-se a ninguém.
1. — Pois, como se disse, convinha à
salvação humana, que o primeiro advento de Cristo fosse oculto. Ora, Cristo
veio salvar a todos segundo o Apóstolo: Que
é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis. Logo, a
natividade de Cristo a ninguém devia manifestar-se.
2. Demais. — Antes da natividade de
Cristo, foi revelado que ela haveria de realizar-se, à Santa Virgem e a José.
Logo, uma vez Cristo nascido, não era necessário que a sua natividade fosse
revelada a outros.
3. Demais. — Nenhum homem prudente
manifesta o que pode ser causa de turbação e de detrimento a outrem. Ora, da
manifestação da natividade de Cristo resultou uma turbação, conforme o refere o
Evangelho: O rei Herodes ouvindo isto,
isto é, a notícia da natividade de Cristo, turbou-se e toda Jerusalém com ele.
E também foi em detrimento de outros; pois, por esse motivo, Herodes mandou
matar todos os meninos que havia em Belém e em todo o seu termo, que tivessem de
dois anos para baixo. Logo, parece que não foi conveniente a natividade de
Cristo manifestar-se a alguns.
Mas, em contrário, a natividade de
Cristo a ninguém aproveitaria se a todos tivesse sido oculta. Ora, a natividade
de Cristo devia ser útil; do contrário teria vindo a este mundo em vão. Logo,
parece que a natividade de Cristo devia manifestar-se a alguns.
Como diz o Apóstolo, as causas de Deus são ordenadas. Ora, a
ordem da sabedoria divina exige que os dons de Deus e os arcanos dessa mesma
sabedoria não os recebam todos igualmente, mas sim, uns, imediatamente e,
mediante esses, outros. Por isso, diz a Escritura, referindo-se ao mistério da
ressurreição: Deus quis que se
manifestasse Cristo ressurrecto não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus
havia ordenado antes. Por isso, o mesmo devia dar-se com a sua natividade, de
modo que Cristo não se manifestasse a todos, mas só a alguns, que transmitissem
a outros o conhecimento dela.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Assim como seria em detrimento da salvação humana se a natividade de Deus
tivesse sido conhecida de todos os homens, assim também o teria sido se ninguém
a conhecesse. Pois, de ambos os modos ficaria prejudicada a fé: tanto por ser o
seu objecto totalmente manifesto, como por não ser conhecido de ninguém, de
quem os demais pudessem ouvi-la; porque a fé é pelo ouvido, na expressão do
Apóstolo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Maria e José
deviam ser instruídos sobre a natividade de Cristo, já antes de ele ter
nascido, porque a eles lhes competia tributar-lhe a veneração devida, quando
ainda no ventre materno, e servir-lhe quando houvesse de nascer. Mas teria sido
suspeito o testemunho deles, sobre a magnificência de Cristo, por provir de
pessoa da família. Por isso era necessário que fosse manifesto aos estranhos o
mistério, pois o testemunho desses não poderia ser suspeito.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Essa própria
turbação, subsequente, manifestada pela natividade de Cristo, convinha-lhe à
natividade. — Primeiro, porque manifestou a dignidade celeste de Cristo. Por
isso diz Gregório: Nascido o rei do céu,
turba-se o rei da terra; porque quando se manifesta a celsitude do celeste,
abatem-se de todo as grandezas terrenas. — Segundo, porque figurava o poder
judiciário de Cristo. Por isso diz Agostinho: Que será o tribunal do juiz, quando o berço de uma criança enchia de
terror a soberba dos reis? — Terceiro, porque figurava a destruição do
reino do diabo. Assim, diz Leão Papa: Não
era tanto Herodes que se enchia de turbação, quanto o diabo, em Herodes.
Pois, Herodes tinha a Cristo em conta de mortal, ao passo que o diabo lhe
conhecia a divindade. E ambos esses reis temiam o sucessor: o diabo — o rei
celeste; e Herodes — o terreno. Mas sem razão, porque Cristo não veio reinar na
terra, como o diz Leão Papa, dirigindo-se a Herodes: Cristo não vem tomar o teu reinado; nem o Senhor do mundo se contenta
com a mesquinhez do poder do teu ceptro. — Quanto a ficarem turbados os
Judeus em vez de, ao contrário, deverem alegrar-se, isso se compreende. Ou era
porque, como diz Crisóstomo, sendo iníquos, não podiam regozijar-se com o
advento de Cristo; ou porque queriam agradar a Herodes a quem temiam, pois, o
povo é inclinado a agradar, mais do que o deve, ao tirano, cujas crueldades
suporta. — Quanto aos inocentes degolados por Herodes, isso não lhes redundou
em mal, mas ao contrário, em glória. Assim, diz Agostinho: Longe de nós pensar que Cristo, tendo vindo salvar os homens, nenhuma
recompensa deu aos que foram imolados por ele; ele que, pendente da cruz, orava
pelos seus crucificadores.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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