Em seguida devemos tratar da concepção
do filho concebido.
E nesta questão discutem-se quatro
artigos:
Art. 1 — Se Cristo foi santificado no
primeiro instante da sua concepção.
Art. 2 — Se Cristo, como homem, teve o
uso do livre-arbítrio no primeiro instante da sua concepção.
Art. 3 — Se Cristo, no primeiro
instante da sua concepção, podia merecer.
Art. 4 — Se Cristo, no primeiro
instante da sua concepção, gozou plenamente da visão beatífica.
Art.
1 — Se Cristo foi santificado no primeiro instante da sua concepção.
O primeiro discute-se assim. — Parece que
Cristo não foi santificado no primeiro instante da sua concepção.
1. — Pois, diz o Apóstolo: primeiro não
o que é espiritual, senão o que é animal; depois o que é espiritual. Ora, a
santificação da graça pertence ao espiritual. Logo, Cristo não recebeu a graça
da santificação imediatamente, desde o princípio da sua concepção, mas depois
de um certo espaço de tempo.
2. Demais. — Nós santificamo-nos do
pecado, conforme aquilo do Apóstolo: E
tais haveis sido alguns, isto é, pecadores, mas haveis sido justificados.
Ora em Cristo nunca houve pecado. Logo, não devia ser santificado pela graça.
3. Demais. — Assim como todas as
coisas foram feitas pelo Verbo de Deus, assim pelo Verbo encarnado todos os
homens foram santificados, que são santificados, como diz o Apóstolo: O que santifica e os que são santificados
todos veem de um mesmo princípio. Ora, o
Verbo de Deus, por quem foram feitas todas as coisas, não foi feito, como
diz Agostinho. Logo, Cristo, por quem todos são santificados, não foi
santificado.
Mas, em contrário, o Evangelho: O santo, que há-de nascer de ti, será
chamado Filho de Deus. E noutro lugar: A
quem o Pai santificou e enviou ao mundo.
Como dissemos, a abundância
da graça santificante da alma de Cristo derivou da própria união com c Verbo,
segundo o Evangelho: Nós vimos a sua
glória, como de Filho unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade. Pois,
como já demonstramos, no primeiro instante da sua concepção o corpo de Cristo
foi animado e assumido pelo Verbo de Deus. Donde e consequentemente, Cristo
teve a plenitude da graça que lhe santificou o corpo e a alma no primeiro
instante da sua concepção.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
- A ordem expressa pelo Apóstolo respeita aqueles que progridem até chegar ao
estado espiritual. Ora, no mistério da Encarnação consideramos, antes, o
descenso da divina plenitude à natureza humana, que um progresso da natureza
humana, suposta preexistente, até Deus. Por isso, o homem Cristo teve, desde o
princípio, o estado espiritual do homem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Ser santificado
é tornar-se uma coisa santa. Ora, uma coisa vem a ser, não somente partindo de
um estado contrário, mas também de um termo contrário simplesmente negativo ou
privativo; assim, o branco vem do preto e também do não branco. Ora, nós, de
pecadores, tornamo-nos santos; e assim, a nossa santificação tem no pecado a
sua causa. Ora, Cristo, enquanto homem, foi santificado, pois, nem sempre teve
a santidade da graça; mas não se tornou santo, de pecador que antes fosse,
porque nunca teve pecado. Santificou-se, portanto, de não santo que era,
enquanto homem; não privativamente, como se antes, tendo sido homem, não
tivesse sido santo; mas negativamente, isto é, porque enquanto não foi homem
não teve a santidade humana. Donde, foi simultaneamente feito homem e homem
santo. Por isso disse o Anjo: O santo que
há-de nascer de ti. Expondo o que, diz Gregório: Afirma-se que Jesus nascerá santo, para distinguir a sua da nossa
santidade; pois, nós, se nos tornamos santos, não nascemos santos, por estarmos
sujeitos à condição de uma natureza corruptível. Mas só aquele verdadeiramente
nasceu santo, que foi concebido sem o congresso sexual.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O Pai produz a
criação das coisas pelo Filho de um modo, e toda a Trindade de outro, a
santificação dos homens, pelo homem Cristo. Pois, o Verbo de Deus tem uma
operação da mesma virtude que a de Deus Pai; e assim, o Pai não opera pelo
Filho, como por um instrumento movido, que move. Mas, a humanidade de Cristo, é
como o instrumento da divindade no sentido explicado antes. Donde, a humanidade
de Cristo é santificante e santificada.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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