Em seguida devemos tratar do modo e da
ordem da concepção de Cristo.
E nesta questão discutem-se quatro
artigos:
Art. 1 — Se o corpo de Cristo foi
formado desde o primeiro instante da sua concepção.
Art. 2 — Se o corpo de Cristo foi
animado no primeiro instante da sua concepção.
Art. 3 — Se a carne de Cristo foi
primeiro concebida e depois assumida.
Art. 4 — Se a concepção de Cristo foi
natural.
Art.
1 — Se o corpo de Cristo foi formado desde o primeiro instante da sua
concepção.
O primeiro discute-se assim. — Parece que o
corpo de Cristo não foi formado desde o primeiro instante da sua concepção.
1. — Pois, diz o Evangelho: Em se edificar este templo gastaram-se
quarenta e seis anos. Expondo o que diz Agostinho: Este número manifestamente convém à perfeição do corpo do Senhor. E
em outro lugar: Não sem razão se diz que
o Templo foi fabricado em quarenta e seis anos, o qual lhe significava o corpo;
de modo que quantos anos se gastaram na fabricação do templo, outros tantos se
empregaram na perfeição do corpo do Senhor. Logo, o corpo de Cristo não foi
perfeitamente formado desde o primeiro instante da sua concepção.
2. Demais. — A formação do corpo de
Cristo exigia o movimento local, que levasse o mais puro sangue do corpo da
Virgem para o órgão próprio da geração. Ora, nenhum corpo pode mover-se local e
instantaneamente, porque o tempo do movimento divide-se pelas divisões do
móvel, como Aristóteles o prova. Logo, o corpo de Cristo não foi formado num
instante.
3. Demais. — O corpo de Cristo foi
formado do sangue mais puro da Virgem, como se estabeleceu. Ora, essa matéria
não podia ser no mesmo instante sangue e carne, porque teria tido então duas
formas ao mesmo tempo. Logo, houve um instante em que foi ultimamente sangue, e
outro em que primeiro a carne começou a ser formada. Mas, entre dois instantes
há um tempo intermédio. Logo, o corpo de Cristo não foi formado num instante,
mas num determinado tempo.
4. Demais. — Assim como a potência
aumentativa exige para o seu acto um tempo determinado, assim também a virtude
geratriz; pois, ambas são potências naturais pertencentes à alma vegetativa.
Ora, o corpo de Cristo cresceu num tempo determinado, como os corpos dos outros
homens; assim, diz o Evangelho, que
progredia em sabedoria e em idade. Logo, parece que pela mesma razão, a
formação do seu corpo, que pertence à potência geratriz, não se realizou num
instante, mas no tempo determinado em que se formam os corpos dos outros
homens.
Mas, em contrário, Gregório diz: Depois da anunciação do Anjo e da descida do
Espírito Santo, desde o momento em que o Verbo existiu no ventre da Virgem,
tornou-se carne.
Devemos considerar três
fases na concepção do corpo de Cristo. Primeira, o movimento local do sangue
para o órgão da geração; segunda, a formação do corpo, de tal matéria; e
terceira, o crescimento pelo qual chegou ao seu perfeito desenvolvimento. E
dessas, é a segunda que constitui a essência própria da concepção, da qual a
primeira é o preâmbulo e a terceira, a consequência. - Ora, a primeira não pode
dar-se instantaneamente, porque iria contra a natureza própria do movimento
local de qualquer corpo, cujas partes ocupam sucessivamente um lugar
determinado. Semelhantemente, também a terceira deve ser sucessiva, quer por
não haver aumento sem movimento local, quer por proceder da virtude da alma,
que obra num corpo já formado, o qual para agir supõe o tempo.
Mas, a formação do corpo, que
constitui a essência própria da concepção, foi instantânea, por duas razões. -
Primeiro, pela virtude infinita do agente, isto é, do Espírito Santo, pelo qual
foi formado o corpo de Cristo, como dissemos. Pois, tanto mais prontamente pode
um agente dispor a matéria, quanto maior for a virtude dele. Donde, um agente
de virtude infinita pode dispor num instante a matéria, para receber a forma
devida. - Segundo, quanto à pessoa do Filho, cujo era formado o corpo. Pois,
não lhe fora conveniente assumir um corpo humano senão formado. Se, pois, à
formação perfeita tivesse precedido algum tempo, da concepção, esta não poderia
ser totalmente atribuída ao Filho de Deus, pois não se lhe atribui senão em
razão da assunção. Por isso, no primeiro instante em que a matéria preparada
chegou ao órgão da geração, nesse mesmo momento foi perfeitamente formado e
assumido o corpo de Cristo. E por isso dizemos, que o concebido foi o Filho de
Deus mesmo, o que, de outro modo, não poderia dizer-se.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— As palavras citadas de Agostinho não se referem a só formação do corpo de
Cristo; mas simultaneamente à formação e ao crescimento correspondente até ao
tempo do parto. E por isso, diz ele que o referido número representa o tempo
completo de nove meses, durante o qual Cristo esteve no ventre da Virgem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Esse movimento
local não está incluído na concepção mesmo, mas é um preâmbulo dela.
"RESPOSTA À TERCEIRA. — Não é
possível determinar o último instante em que a matéria referida se tornou
sangue, mas podemos determinar o tempo último, continuado, sem nenhum
intervalo, até o primeiro instante em que foi formada a carne de Cristo. E esse
instante foi o termo do tempo do movimento local da matéria, para o órgão da
geração.
RESPOSTA À QUARTA. — O crescimento faz-se
pela potência aumentativa do próprio ser que cresce; ao passo que a formação do
corpo é obra da potência geratriz, não do ser gerado, mas do pai gerador, pelo
sémen, por obra da virtude formativa, derivada da alma do pai. O corpo de Cristo,
porém, não foi formado do sémen masculino, como se disse, mas por obra do
Espírito Santo. Donde, a formação devia ser tal, que conviesse ao Espírito
Santo. Mas, o crescimento do corpo de Cristo realizou-se pela potência
aumentativa da sua alma; que, sendo especificamente da mesma forma que a nossa,
o seu corpo devia crescer do mesmo modo como crescem os corpos dos outros
homens, para ficar assim demonstrada que a sua natureza era verdadeiramente
humana.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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