11/08/2015

Tratado da vida de Cristo 25

Questão 32: Do princípio activo na concepção de Cristo

Em seguida, devemos tratar do princípio activo na concepção de Cristo.

E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se a obra da concepção de Cristo deve ser atribuída ao Espírito Santo.
Art. 2 — Se Cristo deve ser considerado como concebido do Espírito Santo.
Art. 3 — Se o Espírito Santo deve ser considerado pai de Cristo segundo a humanidade.
Art. 4 — Se a Santa Virgem foi de algum modo, princípio activo na concepção do corpo de Cristo.

Art. 1 — Se a obra da concepção de Cristo deve ser atribuída ao Espírito Santo.

 O primeiro discute-se assim. — Parece que a obra da concepção de Cristo não deve ser atribuída ao Espírito Santo.

1. — Pois, conforme diz Agostinho, são indivisas as obras da Trindade, como indivisa é a essência da Trindade. Ora, a obra da concepção de Cristo é uma obra divina. Logo, parece que não dever ser atribuída, antes, ao Espírito Santo, que ao Pai ou ao Filho.

2. Demais. — O Apóstolo diz: Quando veio o cumprimento enviou Deus a seu Filho, feito de mulher. Expondo o que, diz Agostinho: Foi certamente mandado por quem o fez nascer de uma mulher. Ora, a missão do Filho é atribuída principalmente ao Pai, como se estabeleceu na Primeira Parte. Logo, também a concepção, enquanto foi feito de mulher, deve ser principalmente atribuída ao Pai.

3. Demais. — A Escritura diz: A Sabedoria edificou para si uma casa. Ora, Cristo é a Sabedoria de Deus, segundo o Apóstolo: Cristo, Virtude de Deus e Sabedoria de Deus. Ora, a casa dessa Sabedoria é o corpo de Cristo, também chamado o seu templo, segundo o Evangelho: Mas ele falava do templo do seu corpo. Logo, parece que a obra da concepção do corpo de Cristo deve ser atribuída principalmente ao Filho. Portanto, não ao Espírito Santo.

Mas, em contrário, o Evangelho: O Espírito Santo descerá sobre ti, etc.

A obra da concepção do corpo de Cristo foi realizada por toda a Trindade. Mas é atribuída ao Espírito Santo, por três razões. — Primeiro, porque isso convinha à causa da Encarnação, considerada relativamente a Deus. Pois, o Espírito Santo é o amor do Pai e do Filho, como estabelecemos na Primeira Parte. Ora, é uma prova máxima do amor de Deus que o Filho de Deus tivesse assumido a carne no ventre virginal; donde o dizer o Evangelho: Assim amou Deus ao mundo, que lhe deu a seu Filho unigénito. — Segundo, porque isso convinha à causa da Encarnação, relativamente à natureza assumida. Pois, por aí entendemos que a natureza humana foi assumida pelo Filho de Deus na unidade de pessoa, não por causa de nenhum mérito, senão só pela graça. E esta é atribuída ao Espírito Santo, segundo o Apóstolo: Há repartição de graça, mas um mesmo é o Espírito. Donde o dizer Agostinho: O modo pelo qual Cristo nasceu do Espírito Santo nos insinua a graça de Deus; pois, o homem, no momento mesmo em que a sua natureza começou a existir, e sem nenhum mérito anterior, foi tão perfeitamente unido ao Verbo de Deus na unidade de pessoa, que o Filho do homem foi o mesmo que o Filho de Deus. — Terceiro, porque convinha ao termo da Encarnação. Pois, o fim da Encarnação foi fazer com que o homem Cristo concebido fosse santo e Filho de Deus. Ora, ambos esses efeitos se atribuem ao Espírito Santo. Pois, por ele os homens se tornam filhos de Deus, segundo o Apóstolo: Porque vós sois filhos de Deus, mandou Deus aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Pai, Pai. E ele é também o Espírito de santificação, no dizer ainda do Apóstolo. Ora, assim como os outros homens são santificados espiritualmente para serem os filhos adoptivos de Deus, assim Cristo foi concebido na santidade, pelo Espírito Santo, para que fosse naturalmente o Filho de Deus. Donde, conforme uma glosa, a palavra do Apóstolo — Que foi predestinado Filho de Deus com poder — é explicada pelo que imediatamente se lhe segue - segundo o Espírito de santificação, isto é, por ter sido concebido do Espírito Santo. E o próprio Anjo, anunciando pelas palavras que primeiro pronunciou — O Espírito Santo descerá sobre ti — conclui: E por isso mesmo o santo que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A obra da concepção é por certo comum a toda a Trindade; mas de um certo modo é atribuída a cada uma das Pessoas. Assim, ao Pai é atribuída a autoridade sobre a pessoa do Filho, que por essa concepção assumiu para si a carne. Ao Filho é atribuída a própria assunção da carne. Mas ao Espírito Santo é atribuída a formação do corpo assumido pelo Filho. Pois, o Espírito Santo é o Espírito do Filho, segundo o Apóstolo: Mandou Deus o Espírito de seu Filho. Porque, assim como a virtude da alma, existente no sémen, pelo espírito que o sémen contém, forma o corpo, na geração dos outros homens, assim a Virtude de Deus, que é o próprio Filho, segundo o Apóstolo - Cristo, virtude de Deus, formou, mediante o Espírito Santo o corpo que assumiu. E o mesmo significam as palavras do anjo quando declarou: O Espírito Santo descerá sobre ti, como para preparar e formar a matéria do corpo de Cristo; é a Virtude do Altíssimo, isto é, Cristo, te cobrirá da sua sombra, isto é, como ensina Gregório, o teu corpo humano receberá a luz incorpórea da Divindade; pois, a sombra supõe a luz e um corpo. E a expressão - Altíssimo, significa o Pai, cuja virtude é o Filho.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A missão se refere à pessoa assumente, enviada pelo Pai; enquanto a concepção refere-se ao corpo assumido, formado por obra do Espírito Santo. E assim, embora a missão e a concepção tivessem o mesmo sujeito, diferindo porém pelas suas noções respectivas, a missão se atribui ao Pai; a obra da concepção, porém, ao Espírito Santo; e enfim, o assumir a carne, ao Filho.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz Agostinho: A questão vertente pode ser entendida em dois sentidos. Num primeiro sentido, a casa de Cristo é a Igreja, que edificou com o seu sangue. Depois, também podemos chamar casa ao seu corpo, assim como foi chamado o seu templo. Quanto ao feito do Espírito Santo, foi obra do Filho de Deus, por causa da unidade de natureza e de vontade.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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