Art.
4 — Se a matéria do corpo de Cristo devia ser tomada de uma mulher.
O quarto discute-se assim. — Parece que a
matéria do corpo de Cristo não devia ter sido tomada de nenhuma mulher.
1. — Pois, o sexo masculino é mais
nobre que o feminino. Ora, convinha sobretudo que Cristo assumisse o que a
natureza humana tem de mais perfeito. Logo, parece que não devia assumir a
carne, nascendo de uma mulher, mas antes assumir a carne de um homem, assim
como Eva foi formada da costela de Adão.
2. Demais. — Todo o concebido de
mulher ficou-lhe algum tempo incluído no ventre. Ora, a Deus, que enche o céu e
a terra, não lhe convinha o ter sido encerrado no ventre materno. Logo, parece
que não devia ser concebido de nenhuma mulher.
3. Demais. — Os concebidos de mulher
contraem de algum modo uma impureza. Donde o dizer a Escritura: Acaso pode justificar-se o homem comparado
com Deus? Ou aparecer puro o que nasceu de mulher? Ora, em Cristo não devia
haver nenhuma impureza, pois, ele é a sabedoria de Deus, da qual diz a
Escritura: Nada manchado cabe nela.
Logo, parece que não devia tomar a carne, de uma mulher.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Enviou Deus a seu filho, feito de mulher.
Embora o Filho pudesse
assumir a carne humana, de qualquer matéria que quisesse, convenientíssimo era
contudo que recebesse a carne, de uma mulher. - Primeiro, porque assim
nobilitou toda a natureza humana. Donde o dizer Agostinho: O perdão concedido à humanidade devia manifestar-se em ambos os sexos.
O sexo masculino, sendo o mais nobre, o Cristo devia tomar-lhe a natureza; e,
pois que nascia de uma mulher, poder-se-ia concluir consequentemente, que
também o sexo feminino participava do perdão. - Segundo, porque vinha reforçar
a verdade da Encarnação. Por isso diz Ambrósio: Descobrirás em Cristo muitas coisas conformes à natureza e muitas
outras superiores a ela. Assim, era
sujeitar-se à condição da natureza existir no ventre, isto é de um corpo
feminino; mas, o que é superior à natureza, é uma virgem tê-lo concebido e
gerado. Para acreditares que era Deus o introdutor dessa novidade na natureza e
que era homem quem ia, segundo a natureza, nascer do homem. E Agostinho
diz: Se o Deus Todo-poderoso tivesse
criado um homem, formando-o sem recorrer ao ventre materno e apresentando-o
repentinamente aos olhos humanos, não teria confirmado o sentimento do erro? E
que de nenhum modo assumiu verdadeiramente a natureza humana? E ele, que produz
tudo de maneira maravilhosa, teria destruído o que fez com misericórdia? Ao
contrário, mediador entre Deus e o homem, reunindo na unidade da sua pessoa uma
e outra natureza, quis sublimar o habitual pelo insólito e temperar o insólito
pelo habitual. - Terceiro, porque desse modo, completa as diversas maneiras
por que foi produzido o homem. Pois, primeiro, o homem foi produzido do limo da
terra, sem homem e sem mulher; depois, Eva foi produzida do homem, sem mulher;
e enfim, os outros homens foram produzidos do homem e da mulher. E esse como
quarto modo foi deixado como o próprio de Cristo, para que fosse produzido da
mulher, sem o homem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Por o sexo masculino ser mais nobre que o feminino, é que Cristo assumiu a
natureza humana, nesse sexo. Mas para que não ficasse desprezado o sexo
feminino, foi congruente que assumisse a carne, de uma mulher. Donde o dizer
Agostinho: Não queirais desprezar-vos uns
aos outros, homens, pois o Filho de Deus quis ser homem. Não vos desprezeis a
vós mesmas, mulheres, pois, o Filho de Deus nasceu de uma mulher.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Respondendo a
essa objecção, Agostinho diz: Sem dúvida
a fé católica crê que Cristo, Filho de Deus, nasceu de uma virgem, segundo a
carne; mas de nenhum modo nos ensina que o Filho de Deus tivesse ficado
encerrado no ventre de uma mulher, de sorte que não mais existisse fora dele e
que tivesse abandonado o governo do céu e da terra, como que separado do seu
Pai. Sois vós, ó Maniqueus, quem de nenhum modo compreende tais coisas, com um
coração incapaz de conceber senão imagens corpóreas. E em outro lugar: Tal o sentimento de homens incapazes de
pensar senão na matéria, a qual não pode estar toda em toda parte, por ter
necessariamente o seu ser dividido em partes inumeráveis, ocupando cada uma um
ponto diferente. Ora, a natureza da nossa alma é muito diferente da
natureza corpórea. Quanto mais não o é a de Deus, Criador da alma e do corpo!
Deus sabe que está todo em toda parte, sem que nenhum lugar o contenha; sabe
que vai a um lugar sem se afastar de onde estava; sabe que o seu afastar-se não
implica em sair donde viera.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Na obra de
conceber a mulher, de um homem, não há nada de impuro, porque foi instituída
por Deus. Donde o dizer o Apóstolo: Ao
que Deus purificou não chames tu comum, isto é, impuro. Há aí porém uma
certa impureza proveniente do pecado, pois, a concepção, resultante da
conjunção do homem e da mulher, é acompanhada de concupiscência. O que, porém,
não existiu em Cristo, como demonstramos. - Mas mesmo que houvesse no referido
acto qualquer impureza, dela não teria sido inquinado o Verbo de Deus, que de
nenhum modo é mutável. Donde o dizer Agostinho: Pergunta Deus, o Criador do homem. - que te move, na minha natividade?
Não fui concebido no desejo da concupiscência. Fiz eu a mãe de quem havia de
nascer. Se o raio do sol pode secar a imundície das cloacas, sem se contaminar,
muito mais capaz é o Esplendor da luz eterna de purificar o que irradia, sem se
deixar com isso macular.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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