Em seguida devemos tratar dos esponsórios
da Mãe de Deus; e nesta questão discutem-se dois artigos:
Art. 1 — Se Cristo devia nascer de uma
virgem desposada.
Art. 2 — Se entre Maria e José houve
verdadeiro matrimónio.
Art.
1 — Se Cristo devia nascer de uma virgem desposada.
O primeiro discute-se assim. — Parece que
Cristo não devia nascer de uma virgem desposada.
1. — Pois, os esponsórios ordenam-se à
cópula carnal. Ora, a Mãe de Deus não queria jamais usar da cópula carnal, que
iria contra a virgindade do seu coração. Logo, não devia ser desposada.
2. Demais. — Que Cristo nascesse de
uma virgem foi milagre. Donde o dizer Agostinho: Foi ao poder mesmo de Deus que aprouve a fazer saírem os membros de uma
criança através do seio virginal de sua Mãe inviolada, como lhe aprouverá mais
tarde fazer entrar os membros de um homem feito através de portas fechadas.
Se se procura aqui uma razão, desvanece-se o milagre; se se pede um exemplo,
nada mais tem de singular. Ora, os milagres feitos para confirmar a fé devem
ser manifestos. Logo, como os esponsórios obumbraram esse milagre, parece não
foi conveniente que Cristo nascesse de uma desposada.
3. Demais. — Inácio Mártir, como
refere Jerónimo, assinalou como causa aos esponsórios da Mãe de Deus, que o seu
parto fosse oculto ao demónio, de modo a ficar este pensando que ele foi
gerado, não por uma virgem, mas de uma casada. Quer porque o diabo com a
perspicácia dos seus sentidos conhece o que se realiza materialmente. Quer
também porque, depois, por muitos sinais evidentes, os demónios de certo modo
conheceram a Cristo. Donde o dizer o Evangelho, que um homem possesso do espírito imundo gritava dizendo: Que tens tu connosco, Jesus Nazareno? Vieste a perder-nos? Bem sei
quem és: que és o Santo de Deus. Logo, parece que não foi conveniente que a
Mãe de Deus fosse desposada.
4. Demais. — Jerónimo assinala outra
razão: a fim de que a Mãe de Deus não
fosse lapidada pelos Judeus como adúltera. Ora, essa razão nada vale; pois,
se não fosse desposada não podia ser condenada como adúltera. Logo, parece não
era racional que Cristo tivesse nascido de uma desposada.
Mas, em contrário, o Evangelho: Estando já Maria, sua mãe, desposada com
José. E noutro lugar: Foi enviado o
anjo Gabriel à Virgem Maria desposada com um varão que se chamava José.
Era conveniente que Cristo
nascesse de uma virgem casada: quer por causa dele próprio, quer por causa da
mãe, quer também por causa de nós.
Por causa do próprio Cristo, por
quatro razões. — Primeiro, para que não fosse rejeitado pelos infiéis, como
ilegítimo de nascimento. Donde o dizer Ambrósio: Que se poderia censurar aos Judeus e a Herodes se tivessem perseguido a
quem nasceu de um adultério? — Segundo, para que, ao modo acostumado, fosse
descrita a sua genealogia pela linha paterna. Por isso diz Ambrósio: Quem veio ao século deve ser descrito ao
modo do século. Pois, no Senado e nas outras assembleias, procura-se um varão a
quem caibam as honras devidas a sua família. E o mesmo costume testemunham
as Escrituras, que sempre buscam a origem viril. — Terceiro, em defesa do
menino nascido: para o diabo não suscitar mais violentas ciladas contra ele.
Por isso diz Inácio, que a Virgem foi
desposada para que o seu parto ficasse oculto ao diabo. — Quarto, para que
fosse se educado por José. Por isso este foi chamado seu pai, quase o educador.
Foi também conveniente relativamente à
Virgem. — Primeiro, porque assim ficou imune da pena, isto é, para que não
fosse lapidada pelos Judeus, como adúltera. — Segundo, para que assim ficasse
livre da infâmia. Donde o dizer Ambrósio: Foi
desposada para não ser marcada com a infâmia de uma virgindade profanada,
quando a gravidez pudesse ser sinal da corrupção. — Terceiro, para que José
lhe prestasse o seu ministério, como diz Jerónimo.
Também foi conveniente relativamente a
nós. — Primeiro, porque pelo testemunho de José ficou comprovado o nascimento
de Cristo, de uma virgem. — Donde o dizer Ambrósio: O testemunho do marido é o melhor testemunho do pudor da mulher; pois
se não tivesse conhecido o mistério, o marido é quem teria maior direito a se
afligir com a injúria e vingar o opróbrio. — Segundo, porque as próprias palavras
da Virgem se tornavam mais dignas de crédito quando afirmava a sua virgindade.
Por isso diz Ambrósio: A fé nas palavras
de Maria é mais firme, que remove as causas de mentira. Se tivesse ficado
grávida, sem ser casada, parecia querer, mentirosamente, esconder a sua culpa.
Ao passo que casada, nenhum motivo tinha para mentir, pois, o prémio do
casamento e a glória das núpcias é, para as mulheres, o parto. E essas duas
razões concernem à firmeza da nossa fé. — Terceiro, para que não tivessem
desculpa as virgens que, por falta de cautela, não evitam a infâmia. Por isso,
diz Ambrósio: Não convinha deixar às
virgens, que vivem com má reputação, pudessem velar-se com a escusa de também a
Mãe do Senhor ter tido uma semelhante reputação. — Quarto, porque os esponsórios da Virgem são o símbolo da
Igreja universal, que, sendo virgem, desposou contudo um esposo, o Cristo,
como diz Agostinho. — Pode-se ainda aduzir uma quinta razão, a saber, que a Mãe
do Senhor foi casada e virgem, porque na sua pessoa, é honrada tanto a
virgindade como o matrimónio, contra os heréticos que detraem aquela e este.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Devemos crer que foi por uma familiar inspiração do Espírito Santo que a
Santa Virgem. Mãe de Deus quis ser desposada. Confiando no divino auxílio, que
nunca haveria de usar da cópula carnal; contudo, cometeu essa matéria ao divino
arbítrio. Por isso, nenhum detrimento sofreu na sua virgindade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz
Ambrósio, o Senhor preferiu que certos duvidassem antes da sua origem que do
pudor de sua mãe. Pois, sabia quão delicado é o pudor de uma virgem e de quanto
resguardo precisa a sua reputação; nem pensava que a fé na sua origem
precisasse defender-se em detrimento de sua mãe. — Devemos porém saber que em
certos milagres de Deus devemos ter fé, como o milagre do parto virginal, da
ressurreição do Senhor e também o do Sacramento do Altar. Por isso o Senhor
quis que esses mistérios fossem mais ocultos, para que fosse mais meritória a
fé neles. — Mas, outros milagres servem para comprovação da fé. E esses devem
ser mais manifestos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz
Agostinho, o diabo pode muitas coisas em
virtude da sua natureza, que contudo o poder divino lhe impede. E, assim,
podemos dizer que em virtude da sua natureza, o diabo podia saber que a Mãe de
Deus não se tinha corrompido, mas era virgem; mas Deus proibiu-lhe conhecer o
modo do parto divino. — Nem obsta que depois o diabo de certo modo conhecesse,
que esse parto fora o do Filho de Deus; porque já era o tempo de Cristo
manifestar o seu poder contra ele e sofrer a perseguição por ele concitada.
Mas, durante a infância, era preciso impedir a malícia do diabo; a fim de que
não o perseguisse mais cruelmente, numa idade em que Cristo não determinara que
houvesse de sofrer nem de manifestar o seu poder, mas em que se mostrava
semelhante a todas as mais crianças. Por isso o Papa Leão diz: Os Magos viram a
Jesus pequeno de corpo, necessitado do socorro alheio, incapaz de falar e em
nada diferente do comum à infância humana. - Ambrósio porém parece ter em conta
sobretudo os adeptos do diabo. Pois, depois de ter proposto a razão, do engano
do príncipe do mundo, acrescenta: Contudo,
esse mistério enganou sobretudo os príncipes deste mundo. Pois, embora a
malícia dos demónios também facilmente depreenda as coisas ocultas, contudo as
que se ocupam com as vaidades do século não podem saber as coisas divinas.
RESPOSTA À QUARTA. — Pela condenação
de adultério eram lapidadas não só as já desposadas ou casadas, mas também as
que eram conservadas como virgens na casa paterna para um dia casarem. Por isso
diz Escritura: Se a moça não se achou
virgem, os habitantes da cidade a apedrejarão e morrerá; porque cometeu um
crime detestável em Israel, tendo caído em fornicação em casa de seu pai. —
Ou podemos dizer, segundo alguns, que a Santa Virgem era da estirpe ou da
parentela de Aarão, sendo por isso cognata de Isabel, como diz o Evangelho.
Ora, uma virgem de raça sacerdotal se cometia estupro era condenada à morte,
como se lê na Escritura: Se a filha de um
sacerdote apanhada em estupro e desonrar o nome de seu pai, será entregue às
chamas. - Mas alguns referem as palavras de Jerónimo ao apedrejamento por
infâmia.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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