06/06/2015

Evangelho, comentário, L. Espiritual (A beleza de ser cristão)



Tempo comum IX Semana


Evangelho: Mc 12 38-44

38 Dizia-lhes ainda nos Seus ensinamentos: «Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com roupas largas, de serem saudados nas praças 39 e de ocuparem as primeiras cadeiras nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes, 40 que devoram as casas das viúvas, sob o pretexto de longas orações. Serão julgados com maior rigor». 41 Estando Jesus sentado defronte do cofre das esmolas, observava como o povo deitava ali dinheiro. Muitos ricos deitavam em abundância. 42 Tendo chegado uma pobre viúva, lançou duas pequenas moedas, que valem um quarto de um asse. 43 Chamando os Seus discípulos, disse-lhes: «Em verdade vos digo que esta pobre viúva deu mais que todos os outros que deitaram no cofre, 44 porque todos os outros deitaram do que lhes sobrava, ela porém deitou do seu necessário tudo o que possuía, tudo o que tinha para viver».

Comentário:

O que deito eu nas mãos abertas de Cristo que espera pacientemente pela minha oferta?

As coisas que tenho e que não me fazem falta nenhuma?
Ou as que gostaria de ter como se me fossem necessárias?

Prefiro dar tudo, absolutamente tudo.
É muito pouco, penso eu, mas sendo tudo o que tenho, Deus não deixará de me retribuir como muito mais porque nunca se deixa vencer em generosidade.

É um gesto calculado, então?
Dou pouco para receber muito!
Parece um bom negócio…

Meu Deus, tem piedade de mim que me perco na minha falta de habilidade para fazer o que Tu queres. Os meus preconceitos e suspicácias! Não tenho, na verdade, não tenho que preocupar-me com este assunto: Dou ao Senhor o que Ele quiser pela simples razão que, tudo, absolutamente, é dele e, sendo assim, não faço mais que devolver o que recebi.

(ama, meditação sobre Mc 12, 38-44, 2010.06.05)


Leitura espiritual



a beleza de ser cristão

SEGUNDA PARTE

COMO SER CRISTÃOS



vi motivo e sentido das tentações

…/2

   
O rebaixamento de Deus não está, propriamente falando, em fazer-se homem mas na humilhação posterior que São Paulo assinala:
«Antes se aniquilou [1], se «despojou» em fazer-se homem e se humilhou em fazer-se pecado.
«”Aniquilar-se” é uma situação metafísica sem deixar de ser Criador, faz-se criatura, tomou a condição de servo sem perder a divindade.
Sem deixar de ser Deus, igual ao Pai, assumiu a natureza humana e nasceu da Virgem.
E sem deixar de ser Deus se «aniquila» porque, sendo Deus, vem a ser Deus e homem.
Humilha-se porque sendo Deus e homem não exige os direitos de «ser Deus» e passa pela terra como «um homem pecador».

        Podemos dizer que Cristo não se limitou a sofrer liminarmente o castigo merecido pelo pecado nem sequer a ser como que o preço dos nossos pecados.
E dizemos isto sem esquecer a afirmação de São Paulo de «que fomos comprados a grande preço».

        Cristo, Filho de Deus feito homem, quis partilhar tudo com o homem: o pecado e o preço do pecado.
Não Lhe bastou ser solidário com o homem pecador, nem considerou ser suficiente devolver ao pecador a paz perdida pelo pecado e, tampouco considerou conveniente redimir o pecado fora do pecado.

        Cristo sofre a paixão e a cruz por causa dos pecados da humanidade, mas não carrega com a cruz simplesmente por amor ao homem «abraça a cruz».
O que significa «abraçar a cruz»?

        Cristo introduziu-se na criação, fez-se criatura sendo Criador.
Assim também se introduziu no pecado do homem sem jamais estar sob a sombra ou influência de Satanás.
Fazendo-se pecado por amor do homem redime o pecado no amor a Deus Pai.
E desta forma restitui ao homem a natureza criadora do seu amor.

        E precisamente por ter-se «feito pecado» sofreu as tentações.

        O «fazer-se pecado» impediu Satanás de ver o resplendor de Deus Pai no rosto de Deus Filho.
Satanás sabe que jamais poderia ter tentado Deus e também sabe o extraordinário contrassenso que tal comporta.

        Cristo, sofreu tentações no deserto em Getsémani, na Cruz.
Não no sentido de ser tentado ao nível dos sentidos nem tampouco na grande variedade de situações pelas quais o homem passa. E que para o homem se podem converter em tentação.
Cristo, por exemplo, jamais teve que «lutar asceticamente» para vencer uma tentação.
Parece-nos que não se justifica, de modo algum, falar de Jesus Cristo «tentado» pela gula, a sensualidade, o orgulho, a preguiça, etc.

        As tentações de Cristo, sempre externas, nunca no interior do seu espírito, estão directamente relacionadas com as virtudes em que se expressa e desenvolve a vida cristã: contra a Fé, contra a Esperança, contra a Caridade.

 Nesta perspectiva podemos dizer que Cristo sofre a tentação para que o cristão sofrendo a tentação com Ele, viva com Ele a redenção do pecado.

        O cristão, lutando por não cair na tentação faz murchar na sua alma as raízes do pecado porque na luta cresce em Fé, em Esperança, em Caridade ao vencer por Cristo, em Cristo, com Cristo.

        São Paulo recorda-nos: «Gloriamo-nos até na tribulação, sabendo que a tribulação produz a paciência, uma virtude posta à prova, e a virtude posta à prova, a esperança» [2].


***
       
        Como resumo podemos dizer que a tentação é uma componente necessária da vida cristã como o foi na vida de Cristo.
Além disso, ao padecer e vencer a tentação o cristão desenvolve a sua condição de «filho de Deus» porque está vivendo com Cristo a vitória sobre o pecado na disposição de espírito que Cristo viveu: «sendo manso e humilde de coração».
Desta forma transforma-se verdadeiramente em «filho de Deus em Cristo» ao participar da missão de Cristo na terra: a Redenção.

        Podemos assim entender no seu verdadeiro sentido estas frases de São Tiago:

«Bem-aventurado o varão que suporta a tentação porque, posto à prova, receberá a coroa da vida que o Senhor prometeu aos que o amam» [3].

        «Tende irmãos por sumo gozo ver-vos rodeados de diversas tribulações considerando que a prova da vossa fé engendra a paciência» [4].

        Parafraseando Santo Agostinho podemos concluir dizendo que o cristão é tentado enquanto assume com Cristo o pecado do mundo, faz-se pecado com Cristo e triunfa sobre as tentações morrendo com Cristo na Cruz, por amor, redimindo o pecado do mundo.



vii significado da mortificação


        A tentação, em não poucas ocasiões, encontra-se unida a dores, penos, sofrimentos morais e físicos.
O cristão desde sempre compreendeu que todas essas situações são o fruto de ter tomado a cruz de Cristo para morrer com Ele e abrir a alma à glória da Ressurreição, vivendo na nossa carne e no nosso espírito as batalhas contra o pecado que Cristo combateu ao longo de toda a sua vida e especialmente no Getsémani e no Calvário.

        «O caminho da perfeição passa pela cruz.
Não há santidade sem renúncia e sem combate espiritual [5].
O combate espiritual implica a ascese e a mortificação que conduzem gradualmente a viver na paz e no gozo das Bem-Aventuranças» [6].

        Cristo quis sofrer e morrer na sua tarefa de redimir-nos do pecado e da morte.
Poderia ter escolhido outros caminhos para alcançar o mesmo fim.
Um acto do amor de Cristo vence todos os pecados do mundo e todas as insídias que o pecado possa semear no coração dos homens.

        Todavia, quis levar a cabo a sua obra da forma que o fez e deixar-nos, para os homens as contemplemos até ao fim do mundo, as cenas da sua Agonia, da sua Paixão e da sua Morte e descubramos o amor de Deus que tornará possível que gozemos desse amor vivendo com Cristo a sua Ressurreição.

        Desde muito cedo os Apóstolos foram conscientes das contrariedades, dificuldades, obstáculos que deveriam vencer no seu caminho de viver com Cristo, por Cristo e em Cristo.
«Chamaram os Apóstolos, açoitaram-nos, proibiram-lhes terminantemente falar mais de Jesus e soltaram-nos. Eles saíram do tribunal muito contentes por terem sido dignos de serem ultrajados por tal nome. Não deixavam de ensinar no Templo diariamente e nas casa e de anunciar a boa notícia que Jesus é o Messias» [7].

        É de todos bem conhecida a exposição que São Paulo faz aos fiéis de Corinto das fadigas com que há-de viver o seu ministério e dar a conhecer o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo:
«Com grande paciência em sofrimentos, escassez, angústias, golpes, cárceres…, tratados como impostores sem verdadeiros…, no meio da calúnia e da boa fama» [8].

        Dentro do esforço que o cristão há-de realizar para se ir convertendo em «filho de Deus» e na «linhagem eleita», sacerdócio real, nação santa, povo adquirido» [9], temos de fixar agora a nossa atenção nesse conjunto de acções provocadas ou sofridas passivamente que a tradição recolheu com o nome de «mortificações».

        O seu nome está unido à consideração, comum na literatura espiritual cristã, de relacionar o crescimento da vida cristã com a morte das raízes do pecado no espírito do crente.
Neste sentido, «ascese e mortificação, que vêm a ser luta e esforço que comportam exigência e até por vezes, dor, pena, sofrimento, têm o fim de afastar o cristão do pecado e de todas as suas consequências e facilitar que a vida da «nova criatura» em Cristo Jesus se desenvolva paulatinamente.

        Ou seja, que a boa semente da Graça, a vida de Cristo enxertada em nós, desenvolva toda a sua eficácia de conversão e transformação com a mortificação.

        Como já fizemos com outras questões da vida espiritual não vamos agora deter-nos nesta matéria.
Basta-nos deixar testemunho da presença da Cruz ao longo da vida do cristão acrescentando que a Cruz é sempre a ante-sala do anúncio da Ressurreição.
A mortificação não significa tristeza.
O sorriso pode ser, às vezes, e com palavras de São Josemaria Escrivá, «a melhor mortificação».


(cont)

ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)






[1] Nota de ama: anononadó no original. Não tem uma tradução específica, mas significa tornar-se como que tornar-se “anão”, diminuído na sua estatura ou no seu todo, aniquilar-se, fazer-se nada. Prefiro a palavra “aniquilar” porque me parece traduzir melhor o significado: Deus, de certo modo, aniquila-se como Divindade ao assumir a pessoa humana, como aliás. São Paulo explica.
[2] Rm 5, 4
[3] Tg 1, 12
[4] Tg 1, 2-3
[5] Cfr. 2 Tm 4
[6] Catecismo, n. 2015
[7] Act 5, 40-42
[8] 2 Cor 6, 4-10
[9] 1 Pd 2, 9

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