Tempo comum VIII Semana
São
Filipe de Néri
Evangelho:
Mc 10 28-31
28 Pedro
começou a dizer-lhe: «Eis que deixámos tudo e Te seguimos». 29 Jesus
respondeu: «Em verdade vos digo: Ninguém há que tenha deixado a casa, os
irmãos, as irmãs, o pai, a mãe, os filhos, ou as terras, por causa de Mim e do
Evangelho, 30 que não receba o cêntuplo, mesmo nesta vida, em casas,
irmãos, irmãs, mães, filhos, e terras, juntamente com as perseguições, e no
tempo futuro a vida eterna. 31 Porém, muitos dos primeiros serão os
últimos, e os últimos serão os primeiros».
Comentário:
O que neste trecho de São
Marcos se fala é de prioridades na vida de cada um. Ter bem definido o que é de
realmente importante e o que sendo-o aparentemente, é de facto acessório.
O que verdadeiramente deve
interessar a cada ser humano é atingir o objectivo para o qual foi criado: a
visão eterna da Face de Deus.
E não há outro caminho:
seguir Jesus e fazê-lo com as condições que Ele próprio declara como
necessárias e indispensáveis.
Leitura espiritual
a beleza de
ser cristão
SEGUNDA PARTE
COMO SER CRISTÃOS
II A ORAÇÃO
características gerais da oração
…/2
2 - No contexto da resposta está implícita a consciência do homem da sua
dependência de Deus.
Sendo criatura
o homem sabe-se dependente de Deus, humana e sobrenaturalmente.
É uma
dependência plenamente assumida e aceite e mais… agradecida.
A aceitação
dessa dependência manifesta as raízes profundas da Esperança.
«O Espírito Santo ensina-nos a celebrar
a Liturgia esperando o regresso de Cristo, educa-nos para orar na esperança.
Inversamente,
a oração da Igreja e a oração pessoal alimentam em nós a esperança.
Muito
particularmente os salmos (…) ensinam-nos a fixar a nossa esperança em Deus» [1].
Nessa
dependência de Deus e no viver a esperança o homem descobre a realidade da
redenção e abre o seu espírito para receber a Graça.
Nesta perspectiva o homem ora como
criatura e como cristão filho de Deus em Cristo.
3 - A oração a aceitação do diálogo com Deus é impossível sem a caridade.
Ninguém confia
nem se confia nem espera em alguém a quem não ama.
A oração é em
si mesma um profundo acto de Caridade.
Um acto de Caridade no qual reconhecemos
Deus como Pai e o viver essa dependência converte a oração numa resposta filial
à chamada paterna que Deus nos dirige sempre.
«A esperança não falha porque o amor de Deus foi derramado nos nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» [2].
5 - A oração formada na vida litúrgica retira tudo do amor com que somos
amados em Cristo e que nos permite responder amando como Ele nos amou.
O amor é a
fonte da oração: quem bebe dela alcança o cume da oração» [3].
Engendrada na Fé, aberta à Esperança e
vivida na Caridade a oração do cristão é possível e a sua necessidade cresce na
medida em que tomamos consciência actual da «participação da natureza divina»
pela qual fomos enxertados em Cristo.
Além disso, elevar o coração a Deus,
filial, humilde e confiadamente, o simples facto de orar é também o caminho
para descobrir com mais e mais profundidade a realidade de nos sabermos e
sermos filhos de Deus.
Também porque
ao orar pomos em prática o mandamento novo que Jesus Cristo nos deu de amar-nos
uns aos outros como Ele nos amou.
«’Se conhecesses o dom de Deus’ [4].
A maravilha da
oração revela-se precisamente ali, junto do poço onde vamos buscar a nossa
água: ali Cristo vai ao encontro de todo o ser humano, é o primeiro a procurar-nos
e o que nos pede de beber: Jesus tem sede, a sua petição chega das
profundidades de Deus que nos procura.
Saibamo-lo ou
não, a oração é o encontro da sede de Deus e da sede do homem.
A sede de Deus e a sede do homem
encontram-se numa conversação indefinível que resiste a qualquer tentativa de
estruturação de forma definitiva e de uma vez por todas, não obstante as
classificações e divisões que se podem fazer e que veremos brevemente mais
adiante.
Uma conversação
que pode versar sobre qualquer assunto humano e divino: o homem anseia conhecer
Deus e Deus goza-se recebendo do homem a confidência sobre tudo o que o
preocupa e interessa.
Para alimentar esta sede e descobrir
mais profundamente a sede de Deus, a leitura da Sagrada Escritura – palavra de
Deus na história dos homens - é e sempre foi um alimento necessário para o
espírito do cristão.
Como de exemplo da variedade e amplitude
dos modos de que a oração se pode revestir recolhemos estes parágrafos:
«Escreveste-me: ‘orar é falar com Deus’.
Mas de quê? – De quê? Dele, de ti,
alegrias, tristezas, êxitos e fracassos, ambições nobres, preocupações diárias…
fraquezas!: e acções de graças e petições: e Amor e desagravo. Em duas
palavras: conhecê-lo e conhecer-te: relacionar-se [7]
com Ele!» [8].
São João Paulo II recorda: «A oração
pode definir-se de muitas maneiras. Mas o mais frequente é chamá-la um
colóquio, uma conversa, um entreter-se com Deus. Ao conversar com alguém não
falamos somente mas também escutamos. Portanto a oração é também um escutar.
Consiste em pôr-se a escutar a voz interior da graça. A escutar a chamada» [9].
E São Josemaria Escrivá escreve: «Quando
se quer de verdade desafogar o coração, se somos francos e simples,
procuraremos o conselho de pessoas que nos amam, que nos entendem (…). Comecemos
a conduzir-nos com Deus assim seguros de que Ele nos escuta e nos responde, e
atendê-lo-emos e abriremos a nossa consciência a uma conversação humilde para
Lhe referir confiadamente tudo quanto palpita na nossa cabeça e no nosso
coração: alegrias, tristezas, esperanças, dissabores, êxitos, fracassos e até
os mais pequenos detalhes do nosso dia. Porque comprovaremos que tudo o que é
nosso interessa ao nosso Pai Celestial» [10].
A oração vivida assim torna possível que
o cristão descubra Cristo, Deus, no seu coração, em tudo o que o rodeia, em
qualquer acontecimento que suceda à sua volta ou na história do mundo a chegará
a viver «contemplando» Deus como fruto de se saber e se descobrir «filho de Deus».
«A nossa condição de filhos de Deus
levar-nos-á a ter espírito contemplativo no meio de todas as actividades
humanas – luz, sal e levedura, pela oração, pela mortificação, pela cultura
religiosa e profissional – tornando realidade este programa: quanto mais dentro
do mundo estejamos tanto mais temos de ser de Deus» [11].
o pai nosso
Ao ser solicitado pelos Apóstolos para
que os ensinasse a orar, Jesus Cristo, depois de lhes recomendar que não
falassem muito, porque «o vosso Pai sabe o que necessitais antes de lho
pedirdes», disse-lhes:
«Vós, pois,
orai assim: Pai Nosso que estás nos céus, santificado seja o teu Nome, venha o
teu Reino; faça-se a tua Vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de
cada dia nos dai hoje e perdoai-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos
aos nossos devedores e não nos deixeis cair em tentação mas livrai-nos do mal» [12].
Nunca sublinharemos bastante a
importância do Pai-nosso sendo um ensinamento tão directo do Filho de Deus
feito homem.
São Tomás escreve:
«A oração
dominical é a mais perfeita das orações (…). Nela não só pedimos tudo quanto podemos
desejar com rectidão, como além disso, segundo a ordem que convém desejar. De
modo que esta oração não só nos ensina a pedir como também forma toda a nossa
afectividade» [13].
Séculos antes Santo Agostinho tinha
escrito:
Todas as
outras palavras que digamos e as que o fervor precedente formula até adquirir
clara consciência já que logo as considera para crescer, não dizem outra coisa
mas sim o que se contém na oração dominical se
a rezamos bem e apropriadamente».
«Percorrei
todas as orações que há nas Escrituras e não creio que possais encontrar algo
que não esteja incluído na oração dominical» [14].
Toda a oração que o homem dirige a Deus
vem a ser, na realidade, como um Pai-nosso e ao mesmo tempo, o Pai-nosso
encerra tudo quanto o homem pode pedir, considerar, adorar na oração a Deus.
No Pai-nosso contêm-se os dois grandes
sentidos da oração: primeiro, a chamada que Deus nos dirige e segundo, a
procura de Deus que o homem prossegue em resposta à chamada.
No Pai-nosso, na realidade, o homem pede
a Deus que toda a nova vida que Cristo nos dá com a Graça se enxerte nele e
assim comece a ser uma verdadeira «nova criatura».
O Catecismo recorda:
«O Sermão da
Montanha é doutrina de vida, a Oração dominical é oração mas em ambas o
Espírito do Senhor dá nova forma aos nossos desejos, esses movimentos
interiores que animam a nossa vida.
Jesus
ensina-nos esta vida nova por meio das suas palavras e ensina-nos a pedi-la por
meio da oração. Da rectidão da nossa oração dependerá a da nossa vida nele» [15].
(cont)
ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)
[1] Catecismo, n. 2657
[2] Ro 5, 5
[3] Catecismo, n. 2658
[4] Jo 4, 10
[5] Santo Agostinho,
quaest. 64, 4
[6] Catecismo, n. 2560
[7] Nota do autor do
Blogue: Parece-me ser a tradução mais adequada do castelhano: tratarle.
[8] São Josemaria
Escrivá, Caminho, 91
[9] São João Paulo II, audiencia, 8-XI-2005
[10] São Josemaria
Escrivá, Amigos de Deus, 245
[11] São Josemaria
Escrivá, Forja, 740
[12] Mt 6, 9-13
[13] São Tomás de
Aquino, Suma de Teologia, 2-2. 83. 9
[14] Santo Agostinho, Carta 130, a Proba, 12, 22
[15] Catecismo, n. 2764
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