23/05/2015

Evangelho, comentário L Espiritual (A beleza de ser cristão)



Semana VII da Páscoa

Evangelho: Jo 21 20-25

20 Pedro, tendo-Se voltado, viu que o seguia aquele discípulo que Jesus amava, aquele mesmo que na ceia estivera reclinado sobre o Seu peito e Lhe perguntara: «Senhor, quem é que Te vai entregar?». 21 Pedro, vendo-o, disse a Jesus: «Senhor, e deste, que será?» 22 Jesus disse-lhe: «Se quero que ele fique até que Eu venha, que tens com isso? Tu, segue-Me». 23 Correu então entre os irmãos que aquele discípulo não morreria. Jesus, porém, não disse a Pedro: «Não morrerá», mas: «Se quero que ele fique até que Eu venha, que tens com isso?». 24 Este é aquele discípulo que dá testemunho destas coisas e que as escreveu, e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro. 25 Muitas outras coisas fez Jesus. Se se escrevessem uma por uma, creio que nem todo o mundo poderia conter os livros que seria preciso escrever.

Comentário:

Efectivamente como seria possível registrar por escrito tudo quanto ao longo de mais de mil dias O Senhor deve ter feito e dito!

E, mesmo assim, não fora o Espírito Santo e o que fica constante tampouco seria possível de assimilar de forma coerente.

São João declara sem dúvida alguma que assim é e ainda bem que o faz porque nos deixa na expectativa de saber mais e conhecer melhor a vida terrena do Redentor.

(ama, comentário sobre Jo 21, 20-25 2014.06.07)



Leitura espiritual



a beleza de ser cristão

SEGUNDA PARTE

COMO SER CRISTÃOS

I A VIDA CRISTÃ PESSOAL



o ser «nova criatura»

…/2

        A vida pessoal cristã leva consigo:

1. «Despojar-se do homem velho» adquire o seu verdadeiro sentido em preparar o espírito a «revestir-se do homem novo».
Além disso, «despojar-se» não é o primeiro passo nem «revestir-se» é o segundo: são duas palavras que exprimem duas acções diferentes que aplicadas ao processo de conversão cristã se convertem numa única acção com dois aspectos diferentes.
Ou seja, «despojar-se» e «revestir-se» são na realidade duas faces da mesma acção: despojar-se sem revestir-se não é nada e revestir-se sem despojar-se tampouco.
Ninguém «deita vinho novo em odres velhos».

        São Paulo expressa-o assim aos Colossenses: «Despojai-vos do homem velho com todas as suas obras e revesti-vos do homem novo que se vai renovando até alcançar um conhecimento perfeito segundo a imagem do seu Criador donde não há grego e judeu, circuncisão ou incircuncisão, bárbaro ou escita, escravo ou livre porque Cristo é tudo em todos» [1].

2. O ser «nova criatura» implica a necessidade de nos contermos e que toda a vida do cristão seja um conversão constante, principalmente no moral, mas entitativa: a redenção do pecado que a Graça opera na pessoa humana torna possível que toda a natureza humana se reajuste e esteja em condições de desenvolver todas as suas potencialidades pelos canais adequados.

São Paulo diz: «É Cristo quem vive em mim».
Pode Cristo chegar a viver plenamente em cada um de nós?
Vivendo enxertados em Cristo pelos sacramentos – como já vimos na Primeira Parte – o fruto da acção da Graça em nós é uma conversão que nunca se conclui.
A Graça jamais deixa de actuar no nosso espírito até, se não lhe colocamos obstáculo, toda a massa esteja fermentada.
Ou seja a acção da Graça acabará sendo também moral porque no cristão é entitativa, ontológica: o ser humano também chega à plenitude como homem em Cristo Jesus.

        Convém-nos, portanto, não esquecer que o homem é cristão pelo que é e não pelo que faz.
O que faz terá que manifestar o que é.
Por esta razão a acção da Graça no núcleo do ser pessoal começa o processo das conversões.

        Como uma luz descobre as sombras a conversão descobre a insuficiência e a inconsistência do presente, abre horizontes para um mundo novo e leva consigo o compromisso gozoso de todo o ser.

        3. Podemos resumir brevemente este processo da seguinte forma ao mesmo tempo que nos remetemos ao cap. X da Primeira Parte no qual já falámos do significado vital da Fé, da Esperança, da Caridade.

        Para que a conversão à Fé, à Esperança e à Caridade deite raízes no homem e se possa dizer de qualquer cristão que «vive da Fé» e para que no final do processo Cristo chegue a viver verdadeiramente no crente, requerem-se o que poderíamos chamar «conversões prévias», também frutos da acção da Graça e da cooperação livre do homem.

        A primeira e decisiva conversão é a de tomar consciência de ser criatura que leva a aceitar a criação do homem por Deus.
A primeira relação que Deus Pai estabelece com o homem.

        A segunda conversão é viver a consciência de ser pecador.
Esta conversão leva a aceitar a Encarnação, a Redenção e a estar convencidos de necessitar da Graça para vencer o pecado.
O homem, com esta conversão, responde à segunda relação que Deus Filho estabelece com o ser humano.

        A terceira conversão que logicamente pressupõe as duas anteriores, consiste em ansiar ser «nova criatura» e leva consigo aceitar a vinda do Espírito Santo à alma num Pentecostes constante.
Nesta conversão, o cristão descobre o gozo de viver como «nova criatura», de fé, de esperança, de caridade.
E aceita agradecido a terceira relação que Deus Espírito Santo estabeleceu com a criatura: a santificação.


disposições necessárias para crescer na fé


A essa tomada de consciência correspondem umas disposições no espírito do cristão que vão configurando a conversão.
Sem essas disposições vivas na alma a «nova criatura» nunca acabará de se formar.
Ao mesmo tempo essas disposições manifestam a liberdade com que o homem acolhe as luzes de Deus e quer secundar os seus planos.

        Estas disposições são fundamentalmente três:

        A primeira, a humildade, que torna possível que a Fé assente no homem, ao mesmo tempo que a humildade se origina na Fé.
Esta é a disposição do homem que se sabe «criatura de Deus» e agradece os dons recebidos: A Vida, a Graça.

        A humildade manifesta-se especialmente numa afirmação repetida de «não ser nada», de «não valer nada», mas no reconhecimento de tudo o que o ser humano tem de bom é «dom de Deus», «dom gratuito do amor de Deus».
É o canto do Magnificat da Santíssima Virgem Maria.
A Mãe de Deus expressa a humildade dando graças a Deus porque «fez coisas santas nela ao ver a humildade da sua escrava».
O humilde anseia sempre dar toda a glória a Deus.

        Em segundo lugar a docilidade sem a qual é impossível que a Caridade assente na alma e que, ao mesmo tempo, abre sempre novos horizontes à Caridade.
É a disposição do homem que se abre sem reservas à vida de Deus e pede a Deus que venha ao seu espírito e «faça nele morada».

        Também foi a Virgem Maria quem melhor expressou esta disposição da alma, ao abrir plenamente a sua pessoa à vontade de Deus.
«Faça-se em mim segundo a Tua palavra».

        A docilidade é o abandono na vontade amorosa de Deus que o homem nunca chega a conhecer totalmente, o cristão vive a docilidade porque sabe que de Deus, seu Pai amoroso, só pode vir o bem.

        É normal ver essa docilidade expressa com a frase bíblica: « como o barro nas mãos do oleiro» [2].
Se lemos a frase com perspectiva humana a docilidade pode ser entendida como quase escravidão e o homem converter-se-ia num brinquedo de Deus.
Se, pelo contrário, a lemos com perspectiva divina e a unimos à passagem da criação do homem quando Deus enche de espírito o barro da terra, compreenderemos que «as mãos do oleiro» dão vida ao barro, enchem-no de espírito.
Esse é o fruto da docilidade.

        A terceira disposição, o arrependimento que assenta na Esperança e que ao mesmo tempo possibilita que a Esperança renasça sempre no espírito do cristão.
É a disposição do homem que reconhece o seu pecado, não se esconde do olhar de Deus como Adão fez no Paraíso e solicita a Graça para renovar a amizade com Deus.

        O arrependimento permite ao homem nunca afastar o seu olhar da luz de Deus e assim recompor, enriquecido, o «manancial que salta até à vida eterna», a acção da Graça em nós.
E ao mesmo tempo recompor de tal forma a sua orientação vital que todo o seu existir fica de novo dirigido a Deus guiado pela luz de Deus.

        Logicamente estas disposições-conversões não têm uma ordem de sucessão temporal e não podem existir umas sem as outras.
É necessário que se deem conjuntamente num movimento complementar.
De facto, a humildade torna possível o arrependimento e é impossível sem a docilidade.
Por sua vez o arrependimento enriquece a humildade e faz crescer a docilidade.
A docilidade permite que o arrependimento cresça na alma e goze na humildade.

        Temos de lembrar que estamos falando de «vida cristã pessoal»
De uma vida que surge da acção conjunta da Graça divina e da vontade humana.
Entende-se que a Graça e a vontade não actuam como duas forças que confluem na acção, mas que a acção o viver a «vida cristã», o homem que actua surge da inserção da Graça na vontade, da vontade na Graça.

        Repetimos que este caminho de conversão nunca acaba pelo simples facto de nunca chegar a ser plenamente cristãos que a nossa pessoa seja e se torne totalmente «una com Cristo».
Nunca podemos chegar, por exemplo, a ser tão dóceis» ao Espírito Santo que alcancemos amar como Cristo ama.




(cont)

ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)







[1] Col 3, 9-11
[2] Cfr. Is 29, 16; Jr 18, 6

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