Em seguida devemos tratar do que
respeita a Cristo em relação a nós. E primeiro, da adoração de Cristo, pela
qual nós o adoramos. Segundo, de ser ele o mediador nosso, perante Deus.
Na primeira questão discutem-se seis
artigos:
Art. 1 — Se por uma mesma adoração
deve ser adorada a divindade e a humanidade de Cristo.
Art. 2 — Se a humanidade de Cristo
deve ser adorada por adoração de Iatria.
Art. 3 — Se a imagem de Cristo deve ser
adorada com adoração de latria.
Art. 4 — Se à cruz de Cristo devemos
prestar a adoração de Iatria.
Art. 5 — Se à Mãe de Deus deve ser
prestada a adoração de latria.
Art. 6 — Se as relíquias dos santos
devem de algum modo ser adoradas.
Art.
1 — Se por uma mesma adoração deve ser adorada a divindade e a humanidade de
Cristo.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que por uma mesma adoração não deve ser adorada a divindade e a humanidade de
Cristo.
1. — Pois, a divindade de Cristo deve
ser adorada pela adoração comum ao Pai e ao Filho; donde o dizer o Evangelho: Todos honrem ao Filho assim como honram ao
Pai. Ora, a humanidade de Cristo não é comum com o Pai. Logo, não deve pela
mesma adoração ser adorada a humanidade de Cristo e a sua divindade.
2. Demais. — A honra é propriamente o prémio da virtude, como diz o Filósofo.
Ora, a virtude merece o seu prémio pelo seu acto. Mas, como, em Cristo, uma é a
operação da sua natureza divina e outra, da humana, como demonstramos, resulta
que deve ser uma a honra tributada à sua humanidade, e outra à sua divindade.
3. Demais. — A alma de Cristo, se não
estivesse unida ao Verbo, devia ser venerada pela excelência da sabedoria e da
graça que tem. Ora, nada perdeu da sua dignidade por se ter unido ao Verbo. Logo,
à natureza humana em Cristo deve ser tributada uma adoração própria, além da
que lhe é prestada à divindade.
Mas, em contrário, diz o Quinto
Sínodo: Quem afirmar que adora a Cristo
nas suas naturezas, o que constitui duas adorações; e que não adora, por uma só
adoração, o Verbo de Deus encarnado, simultaneamente com a sua carne, como foi
estabelecido desde o início da Igreja de Deus, esse seja anátema.
Em quem é honrado duas
coisas podemos considerar, a saber: A pessoa a quem a honra é tributada e a
causa da honra. Ora, propriamente, a honra é prestada a todo ser por si
subsistente. Assim, não dizemos que a mão de um homem é honrada, mas que esse
homem o é. E se às vezes dissermos, que é honrada a mão ou o pé de alguém, isso
não significa sejam essas partes por si mesmas honradas, mas que, nelas,
honramos o todo. De cujo modo também um homem pode ser honrado por alguma
exterioridade sua, como na sua roupa, na sua imagem ou no seu embaixador. Mas,
a causa da honra é princípio em virtude do qual o honrado tem alguma excelência;
pois, a honra é a reverência prestada a alguém por causa da sua excelência,
como se disse na Segunda Parte. Se, pois, num só homem existirem várias causas
de ser honrado, por exemplo, a superioridade, a ciência e a virtude, esse homem
receberá por certo uma só honra por parte de quem o honra, mas serão várias as
honras, pelas suas causas; pois, o mesmo homem é o honrado tanto pela ciência
como pela virtude. Ora, havendo em Cristo uma só pessoa, de natureza divina e
humana, e também uma só hipóstase e um suposto, só uma é a adoração e só uma a
honra por parte dos que o adoram; mas, quanto à causa por que é honrado,
podemos considerar várias as adorações, de modo que será uma a honra tributada
à sabedoria incriada e outra, à salvação criada. - Mas, se Cristo tivesse
várias pessoas ou hipóstases seriam também várias as adorações, em sentido
absoluto. E tal é o que o Sínodo condena. Pois, determina o seguinte: Quem ousar dizer que devemos co-adorar o
homem assumido, com o Verbo de Deus, como se fossem duas adorações diferentes,
e que, ao contrário, não é a mesma adoração que honra o Emanuel, enquanto Verbo
feito carne, esse seja anátema.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Na Trindade três são os honrados, mas uma só a causa da honra. O contrário se
dá no mistério da Encarnação. Por isso, é uma a honra tributada à Trindade e
outra a tributada a Cristo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Não é a operação
a honrada, que é só a razão da honra. Por isso, o haver em Cristo duas
operações não prova serem duas as adorações, mas sim, duas causas de adoração.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Se a alma de
Cristo não estivesse unida ao Verbo de Deus, seria a parte mais principal da
humanidade dele. Por isso sobretudo devia ser honrada, por a ser nele o homem a
parte principal. Mas, por a alma de Cristo estar unida a uma pessoa mais digna,
a essa pessoa sobretudo, a qual a alma de Cristo está unida, é devida a honra.
Mas isso não diminui a dignidade da alma de Cristo, ao contrário, aumenta-a,
como também dissemos.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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