Em seguida devemos tratar da
predestinação de Cristo.
E nesta questão discutem-se quatro
artigos:
Art. 1 — Se a cabia Cristo ser
predestinado.
Art. 2 — Se é falsa a proposição –
Cristo, enquanto homem, foi predestinado para Filho de Deus.
Art. 3 — Se a predestinação de Cristo
é o exemplar da nossa predestinação.
Art. 4 — Se a predestinação de Cristo
é a causa da nossa predestinação
Art.
1 — Se a Cristo cabia ser predestinado.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que não cabia a Cristo ser predestinado.
1 — Pois, o termo da predestinação é a
adopção como filho, segundo o Apóstolo: O
qual nos predestinou para sermos seus filhos adoptivos. Ora, a Cristo não
cabia ser filho adoptivo. Logo, não lhe cabia ser predestinado.
2. Demais. — Em Cristo devemos
considerar duas coisas — a natureza humana e a pessoa. Ora, não podemos dizer
que Cristo fosse predestinado em razão da natureza humana; pois, é falsa a
proposição — A natureza humana é filho de Deus. Semelhantemente, nem em razão
da pessoa; porque a sua pessoa é a do Filho de Deus, não por graça, mas por
natureza; ora, a predestinação implica a graça, como se disse na Primeira
Parte. Logo, Cristo não foi Filho de Deus por predestinação.
3. Demais. — Assim, como o feito nem
sempre existiu, assim, o predestinado, porque a predestinação importa uma certa
anterioridade. Ora, como Cristo sempre foi Deus e Filho de Deus, não se diz propriamente
que o homem Cristo fosse feito Filho de Deus. Logo, pela mesma razão, não
devemos dizer que Cristo foi Filho de Deus por predestinação.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo,
falando de Cristo: Que foi predestinado
Filho de Deus com poder.
Como resulta do que
dissemos na Primeira Parte, a predestinação em sentido próprio é uma certa preordenação
divina e abeterna do que a graça de Deus realizará no tempo. Ora, Deus, com a
graça da união, tornou o homem temporalmente, Deus e Deus, homem. Nem pode
dizer-se que Deus não preordenasse abeterno que isso se realizasse no tempo;
pois, daí resultaria que Deus seria suspceptível de uma ideia nova. Donde
portanto devemos concluir que a união mesma das naturezas, na pessoa de Cristo
inclui-se na predestinação eterna de Deus. É, em razão disso, dissemos que
Cristo foi predestinado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— O Apóstolo refere-se, no lugar aduzido, à predestinação pela qual nós somos
predestinados para filhos adoptivos. Pois, assim como Cristo é de um modo singular
e excelente Filho de Deus por natureza, assim também foi predestinado, de modo
singular.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz a
Glosa, alguns ensinaram que a predestinação deve ser entendida da natureza e
não, da pessoa; e isso por ter sido feita à natureza humana à graça de ser unida
ao Filho de Deus, na unidade de pessoa. — Mas, neste sentido, a locução do
Apóstolo é imprópria, por duas razões. Primeiro, por uma razão geral. Pois, não
dizemos que é a natureza de alguém a predestinada, mas o suposto; pois,
predestinar é dirigir para a salvação, a qual é própria do suposto, que age em
vista do fim da bem-aventurança. Segundo, por uma razão especial, porque ser
Filho de Deus não convém à natureza humana; pois, é falsa a proposição. — A
natureza humana é Filho de Deus. Salvo se alguém quisesse compreender o
pensamento do Apóstolo, forçando-lhe o sentido, assim: Que foi predestinado
Filho de Deus com poder, isto é, foi predestinado que a natureza humana se
unisse ao Filho de Deus em pessoa. - Donde se conclui que a predestinação é
atribuída à pessoa de Cristo, não em si mesma, ou enquanto subsistente na
natureza divina, mas enquanto subsistente na natureza humana. Por isso, o
Apóstolo, depois de ter dito – Que foi
jeito da linhagem de David segundo a carne, acrescenta: Que foi predestinado Filho de Deus com poder.
Para nos fazer compreender que, por ter sido feito da linhagem de David segundo
a carne, foi predestinado Filho de Deus com poder. Embora seja natural à pessoa
de Cristo, em si mesma considerada, ser Filho de Deus com poder; o que porém
não lho é pela natureza humana, pela qual essa filiação lhe convém pela graça
da união.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Origines ensina
o que o Apóstolo literalmente diz é o seguinte: Que foi destinado Filho de Deus
com poder, que não supõe nenhuma anterioridade, não havendo, pois aí qualquer
dificuldade. — Mas outros, a anterioridade implicada no particípio predestinado
a referem, não ao facto de ser Filho de Filho de Deus, mas à sua manifestação,
segundo o modo habitual de a Escritura se exprimir, pelo qual considera feito o
que é conhecido. E então será o sentido: Cristo
foi predestinado para se manifestar como Filho de Deus. — Mas nesse caso,
predestinação não é tomada em sentido próprio. Pois, consideramos propriamente
predestinado quem é dirigido ao fim da bem-aventurança; ora, a bem-aventurança de
Cristo não depende do nosso conhecimento.
E por isso é melhor dizermos, que a
anterioridade implicada no particípio predestinado não se refere à pessoa, em
si mesma, mas em razão da natureza. Pois, essa pessoa, embora fosse abeterno
Filho de Deus, contudo não foi sempre Filho de Deus o subsistente na natureza
humana. E por isso diz Agostinho: Jesus,
que havia de ser pela carne filho de David, foi contudo predestinado para ser
Filho de Deus pelo poder.
E devemos considerar que, embora o
particípio — predestinado implique anterioridade, como o particípio — feito não
o significa contudo do mesmo modo. Pois, ser efeito exprime uma realidade como
ela em si mesma é; ao passo que ser predestinado se refere ao que está na
apreensão de quem preordena. Ora, o que subsiste como tal, em virtude de uma
forma e de uma natureza, pode ser apreendido enquanto ligado a essa forma, ou
ainda absolutamente. E como, em sentido absoluto, não convém à pessoa de Cristo
o ter começado a ser Filho de Deus, convém-lhe contudo enquanto inteligida ou
apreendida como existente em a natureza humana; pois, teve um começo temporal a
existência do Filho de Deus revestido da natureza humana. Donde, é mais
verdadeira a proposição — Cristo foi predestinado Filho de Deus que a outra:
Cristo foi feito Filho de Deus.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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