06/03/2015

Nenhum libertador se faz rei 2

Os patriarcas do Génesis tinham morrido de modo diverso, circundados por mulher, filhos, filhas e netos, as muitas "estrelas" prometidas no dia do chamamento.

Morreram em casa, muitos deles foram sepultados na mesma gruta de Macpela[i], o único pedaço de terra prometida que Abraão possuiu.
Moisés morreu sozinho, sem ninguém a acompanhá-lo na última viagem, sem a consolação dos afetos.
Morreu como tinha vivido, dentro daquele diálogo solitário e contínuo com a voz que o tinha chamado da sarça quando, sozinho, pastoreava o rebanho do sogro Jetro no Horeb; e com a qual mais tarde, naquele mesmo monte, tinha sozinho falado na tenda da reunião.

Não sabemos se naquela última viagem, no monte Nebo, a voz continuou a falar-lhe, se o acompanhou ou se se retirou, como aconteceu a muitos profetas que morreram no silêncio da voz.
Podemos imaginá-lo na companhia do seu Deus, tendo presentes as expressões do livro do Êxodo que nos sugerem um relacionamento muito íntimo entre Moisés e o Senhor: «amigo de Deus»[ii], «tenho confiança em ti e és do meu agrado»[iii].
Para a tradição midrash, enquanto Moisés exala o último suspiro o Senhor beija-o na boca, continuando até ao fim o diálogo "boca a boca" misterioso e único.

Nesta morte misteriosa e dolorosa revela-se em toda a sua força e plenitude a natureza da vocação de Moisés, mas também a de todos os fundadores de comunidades e de movimentos carismáticos, de grandes obras espirituais. Todos os profetas morrem fora da terra prometida, porque a promessa não era para eles mas para o "povo" libertado.

(cont)

luigino bruniIn "Avvenire", 

(Revisão da verão portuguesa por ama)




[i] Génesis, 23
[ii] cf. Êxodo 33,11
[iii] Ib. 33,17

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